terça-feira, 8 de abril de 2025

CULT MOVIES POR EXCELÊNCIA

 

O termo cult movie (ou filme cultuado) começou a ser utilizado por volta dos anos 1940/50, especialmente no mercado cinematográfico norte-americano, mas se popularizou mais em fins da década de 60 e início dos anos 70, quando filmes emblemáticos como El Topo (1970) e Rocky Horror Picture Show (1975), grandes fracassos nas datas de suas estreias, começaram a ser lentamente admirados e seguidos por legiões cada vez mais seletas e insistentes de fãs, que passavam a acompanhar (e em alguns casos, até exigir) suas reprises em alguns cinemas dos EUA. 

O "culto", por assim dizer, chegava ao ponto desses grupos de espectadores passarem até mesmo a se fantasiar como os personagens dos filmes, e frequentar repetidas sessões, que chegavam a inaugurar horários alternativos de exibição nas telonas - o citado fenômeno 'Rocky Horror' foi um desses casos, com fãs cosplay indo assistir o filme várias vezes e chegando a repetir todas as suas falas, em famosas sessões à meia-noite, que duraram até o final da década de 80, batendo um verdadeiro recorde mundial de exibições.

The Rocky Horror Picture Show

Poderia, então, o recente fenômeno Barbie (2023) ser considerado um cult movie? Não. Há uma diferença bem específica.

Barbie foi um blockbuster, um sucesso de bilheteria arrasador em sua estreia. E só. Agora periga ir sendo, aos poucos, esquecido e minorado.

O cult movie é um tipo de filme que, geralmente, não fez grande estardalhaço no seu lançamento, mas vai aos poucos gerando uma onda de seguidores que o torna especial e um ponto de referência, devido a vários aspectos diferenciais (estilo visual e estético, roteiro, performances), criando uma fama formidável na base do "boca a boca", e promovendo uma aura de inovação e reconhecimento artístico temporão, em relação à obra. São filmes tidos como "únicos", diferentes, que quebram certos paradigmas, e inovam na maneira de contar histórias e trabalhar personagens, efeitos e cenários, atraindo grupos seletos de admiradores.

Aqui, vou relatar uma lista dos meus (e de muita gente) cult movies favoritos, por um ou outro motivo. Filmes notáveis, que acabaram fazendo história fora do seu tempo.


BARBARELLA (1968)

O extravagante cineasta francês Roger Vadim, depois de dar um tempo com sua musa original, a rainha da beleza Brigitte Bardot, em seus filmes provocantes na terra natal, engatou um breve romance com a então nascente estrela norte-americana Jane Fonda (filha do lendário Henry Fonda), e desse envolvimento, foi gerada a loucura camp 'Barbarella', uma obra-prima da estética hippie-futurista e repleta de simbolismos dos anos sessenta, que acompanha uma agente espacial (interpretada por Fonda) que deve deter um cientista maluco cuja invenção põe em risco o destino do universo. O nome do bacana? Duran Duran - isso mesmo, foi daqui que saiu o nome da famosa banda pop que faria sucesso uns quinze anos depois... Inovador para a época (para hoje, provavelmente cafona), displicente, psicodélico, e com algumas pitadas de erotismo blasé, o filme marca o início do sucesso de Jane Fonda na sétima arte, e ainda faz parte do imaginário de muitos cineastas que foram influenciados por sua atmosfera: do também francês Luc Besson até o próprio George Lucas, de Guerra nas Estrelas.


SUSPIRIA (1977)

O cinema do italiano Dario Argento é denso, claustrofóbico, obsessivo... De suas incursões iniciais em célebres giallo (o gênero de filmes de psicopatas assassinos italianos), ele foi crescendo no cinema de horror, e em 1977 praticou esse clássico soturno que é 'Suspiria'. Um filme absolutamente sinistro, arrepiante e surpreendente, com uma trama original onde você nunca sabe até onde vão chegar o desespero e a busca, para elucidar mistérios, de uma jovem bailarina, às voltas com o ambiente ameaçador de uma terrível escola de dança que ela, se fosse mais esperta, nunca, jamais deveria ter ido frequentar. Uma película de emoções fortes e imagens marcantes, cheia de gente estranha e macabra, tomada por uma aura simplesmente assombrosa o tempo inteiro. Rodado com cores fortes, que priorizam o rubor do sangue, e eletrizado por uma trilha sonora que te deixa atônito (da banda Goblin), foi refilmado nos EUA em 2018. Ficou ok, mas nada perto da insanidade que é o original.


REPO MAN (1984)

Uma ousadia travestida de ficção científica, 'Repo Man' é simplesmente um manifesto punk dos anos 80, um filme em ritmo de desleixo e pegadas de humor negro e videoclipe, que dispara todos os tiros em direção ao caos repressor que o mundo vivia na época, com Reagan e Mrs. Thatcher no poder, nos EUA e Inglaterra. Corrosivas críticas sociais e deboche na história de um jovem "repossessor" (vivido por um jovem Emilio Estevezna Los Angeles do futuro, emprego comum de reintegração de posse de veículos não pagos, e que acaba se deparando com um carro muito doido, onde até mesmo o poder alienígena vai se manifestar... É um fiapo de trama, que serve mais como pano de fundo para situações cômicas e absurdas, criadas pela mente bizarra do irreverente e mordaz cineasta britânico Alex Cox, autor dessa verdadeira pedrada nos sentidos.


MAD MAX (1979)

Até hoje, um dos maiores fenômenos do cinema de ação australiano, o filme que lançou Mel Gibson para o megaestrelato mundial era uma aposta ousada do estudante de medicina George Miller, que idealizou a história de um jovem policial determinado e louco por justiça e vingança, em uma terra pós-apocalíptica dominada por gangues violentas, barbarizando e disputando gasolina como se fosse suas vidas. Uma charmosa aventura feita com jeitão de história em quadrinhos, nos enquadramentos inovadores e montagem frenética, com estética punk niilista típica do final dos anos 70, e que foi lançada timidamente, com pouquíssimos recursos e sem muito alarde - Miller filmava nos finais de semana, usando elenco amador e veículos emprestados ou descartados em ferros-velhos. Mas a obra cresceu no boca-a-boca, e quando chegou nos EUA (com o curioso subtítulo The Road Warrior, "guerreiro das estradas"), foi se formando um intenso e crescente culto ao filme, que levava cada vez mais jovens a assisti-lo em repetidas sessões nos cinemas. E assim nasceu e triunfou Max Rockatansky, um dos maiores heróis da cultura pop dos anos 80.


QUADROPHENIA (1979)

Baseada no aclamado álbum conceitual lançado pela banda inglesa The Who cinco anos antes, esta obra reacendeu no Reino Unido uma nostalgia pelo período abordado na história, que remetia às experiências pessoas dos integrantes do grupo - assim sendo, mesmo que Roger Daltrey (vocais), Keith Moon (bateria), John Entwistle (baixo) e o cabeça e líder Pete Townshend (guitarra e vocais) não estejam atuando no longa, a música deles permeia todo o filme, e eles estão presentes em espírito e angústia do jovem protagonista Jimmy (muito bem interpretado por Phil Daniels) o tempo inteiro, em suas aventuras e desventuras como membro atormentado e cheio de complexos de uma gangue de mods dos anos 60 - movimento juvenil na Inglaterra em que os adolescentes gostavam de se vestir bem, andar de motinhas estilo Vespa (scooters), e dançar soul music em bailinhos, em contraste com os rockers, movimento oposto de jovens mais barra pesada e inspirados nos roqueiros dos anos 50 (Elvis, Berry etc.), que bebiam bastante, usavam motos envenenadas, e caçavam muita briga. Esse recorte de um período da juventude britânica toda desalinhada ia a fundo nos dramas, contradições e incertezas do conflito de gerações típico daqueles anos, bem como na piração daqueles que não aguentaram a barra existencial, e sucumbiram mediante os surtos esquizofrênicos e uso de anfetaminas (outra fixação dos mods).

The Who


BLADE RUNNER, O CAÇADOR DE ANDRÓIDES (1982)


Talvez um dos mais famosos exemplares desta lista, este clássico de Ridley Scott (ver matéria aqui) não teve grande repercussão quando originalmente lançado nos cinemas, mas bastou chegar ao mercado de home video para disparar o culto em torno dele - algo que começou nos EUA, e depois no resto do mundo, incluindo Brasil. Ainda me lembro de ter sido um dos primeiros filmes que aluguei, na era do videocassete, assim que passei a frequentar as locadoras - e era uma cópia pirata, de imagem horrível, pois a Warner Home Video ainda estava iniciando atividades por aqui, e demoravam um pouco para atender a demanda. Muito já foi dito sobre esse filme, sendo simplesmente chover no molhado citar a história do detetive Deckard (papel de Harrison Ford), partindo em busca de um grupo de andróides fugitivos (os "replicantes"), liderados por um assustador Rutger Hauer, que anseiam por saber a sua data de validade (até quando estão programados para viver), de seu fabricante, o cientista Dr. Eldon Tyrell (Joe Turkel). A trama aparentemente simples acaba sendo enriquecida com uma atmosfera visual  futurista extraordinária, num desenho de produção criativo que fascina gerações até hoje, e um profundo debate filosófico sobre a efemeridade da existência. Filmaço.
O assustador andróide Roy (Rutger Hauer), em cena


DEAD MAN (1995)

O quase underground cineasta Jim Jarmusch é notório por realizar filmes altamente fora da curva, subvertendo gêneros e criando narrativas tão loucas e brisadas, que se eu te disser que este Dead Man - uma das mais elogiadas obras dele - é um "faroeste que não é faroeste", podes crer, eu estou falando sério. Desafiando todas as convenções do gênero, e filmado em lentes preto-e-branco com uma fotografia de clima onírico belíssima, ele nos convida a acompanhar as andanças do errante contador William Blake (personagem de Johnny Depp), acidentalmente atingido por pistoleiros, e que então é ajudado pelo índio Nodoby ('ninguém'), que acredita piamente ser ele o famoso escritor inglês William Blake... O que acontece a partir daí é uma verdadeira jornada mística e filosófica dos dois perambulando pelo Velho Oeste, sempre embalada pela guitarra inebriante da trilha sonora instrumental de Neil Young. Não espere ação, tiroteios, clichês de vingança ou duelos instigantes... aqui, o clima é outro. Apenas relaxe e se deixe levar.


MONTY PYTHON E O CÁLICE SAGRADO (Monty Python and the Holy Grail, 1974)

A mais anárquica trupe de comediantes britânicos que já existiu, o Monty Python saiu dos sketches de seu popular programa de TV no Reino Unido para as telas de cinema com esta arrasadora sátira dos filmes de guerreiros nórdicos, capa e espada, que simplesmente demole a lenda do Rei Arthur e Cavaleiros da Távola Redonda. A mítica busca pelo cálice do Santo Graal é convertida em uma sucessão hilariante de piadas, momentos absurdos e sem noção, com muita acidez e ironia, detonando todos os mitos da Idade Média. Ninguém sai ileso - nem o próprio grupo no final, com piadas matadoras que rompem brincando as barreiras da metalinguagem. Imperdível para quem adora uma bela zoeira.


ELES VIVEM (They Live, 1988)

Um cineasta da escola de Roger Corman, que sempre fez da inovação, baixo orçamento e independência dos grandes estúdios  regras básicas para criar filmes clássicos que sacudiram o cinema de horror e ficção científica (Halloween, Enigma do Outro Mundo, Christine - o Carro Assassino, dentre outros), o lendário americano Jonn Carpenter cometeu, em 1988, essa aventura sci-fi com jeitão de "trasheira" chamada They Live, que já bateu recorde por simplesmente ter uma das cenas de luta 'mano a mano' mais longas da história (aproximadamente vinte minutos de pancadaria), entre os atores Roddy Piper e Keith David, e que joga a gente, sem reservas, numa história insana, envolvendo óculos com lentes que revelam a verdadeira 'realidade' oculta, na qual a civilização conservadora capitalista está imersa, sociedades secretas, e manipulação da humanidade por alienígenas do mal. Acredite: é um dos filmes mais doidos que eu já vi, e tem uma legião de fãs ao redor do mundo, que ainda estão à procura de óculos como esses!


A MORTE DO DEMÔNIO (Evil Dead, 1983)

Show de criatividade e banho de sangue, que revelou o cineasta Sam Raimi (futuro diretor da trilogia clássica de filmes do Homem-Aranha, com Tobey Maguire) ao mundo. Lançado no Brasil com esse título esquisito, catapultou as suas duas sequências, filmadas com orçamento bem maior, e mais reconhecidas - mas o clima grotesco, improvisado, e bem mais assustador, do filme original, angariou admiradores no mundo inteiro, que de vez em quando ainda pegam câmeras baratas e tentam reproduzir o que Raimi fez aqui: um verdadeiro massacre de jovens numa cabana onde eles inadvertidamente liberam a maldição do Necronomicon, o Livro dos Mortos, sendo possuídos e se tornando, um por um, zumbis demoníacos aterradores. Ponto a mais também para o carisma canastra do fantástico Bruce Campbell, ator que se tornaria o símbolo da série, como uma nova espécie de herói gore, repleto de caretas e gritos desesperadores.


MEDO E DELÍRIO EM LAS VEGAS (Fear and Loathing in Las Vegas, 1998)

Nos anos 70, o livro "Medo e Delírio em Las Vegas: Uma Jornada Selvagem ao Coração do Sonho Americano", do jornalista Hunter S. Thompson, era uma das obras contraculturais mais conhecidas entre os vanguardistas e drop-outs da América: a descrição bizarra e toda entrecortada de alucinações causadas por psicotrópicos, em uma viagem do autor - sob o pseudônimo de Raoul Duke - ao lado de um amigo seu (o misterioso advogado "Dr. Gonzo"), rumo a Las Vegas. Durante o trajeto, muitos encontros com personagens cômicas e bizarras, muito papo sobre o fracasso dos sonhos 'paz e amor' dos anos 60, e muito, mas muito consumo de coisa errada e ilegal. Ninguém imaginaria que um dos malucos egressos do grupo inglês Monty Python (sobre o qual falamos aqui um pouco antes, do filme 'Cálice Sagrado'), o diretor Terry Gilliam, pilotaria uma versão cinematográfica dessa sandice em 1998, contando com Johnny Depp (ele de novo, no papel de Duke) e Benicio Del Toro (impagável como o Dr. Gonzo) no elenco principal. Ainda ocorrem pontas hilárias de estrelas como Tobey Maguire, Christina Ricci e Gary Busey, nessa cômica empreitada rumo aos confins do absurdo e da falta de noção. 


PSICOPATA AMERICANO (American Psycho, 2000)

E se até agora, cult movie tem significado, para quem está lendo, de filmes diferentões e mais "fora da casinha", nada melhor para fechar a lista do que esta verdadeira obra-prima da diretora Mary Harron, que teve o mérito de consagrar mundialmente o talento do grande ator Christian Bale. Baseado em um romance com o mesmo nome de Bret Easton Ellis, é uma história que inicialmente se constitui como uma das mais ferozes críticas à geração dos yuppies dos anos 80 nos EUA: jovens ambiciosos e arrogantes, que não tinham limites em sua sede de poder e ascensão social em Wall Street, disputando ganhos em grandes instituições financeiras, levando vidas nababescas de luxo e ostentação, e concorrendo entre si com cartões de apresentação (e de crédito) cada vez mais vistosos. Logo adiante, no entanto, a gente vai percebendo como esse estilo de vida hedonista vai distorcendo cada vez mais a já frágil mente do jovem banqueiro Patrick Bateman (Bale), que mergulha numa espiral macabra de devaneios, assassinatos em série de prostitutas, mendigos e até colegas, ficando cada vez mais desorientado - até chegarmos ao final do filme, com uma das conclusões mais em aberto até hoje da história do cinema, que já deu margem a inúmeras interpretações. 'Psicopata Americano' é um desses filmes incríveis e marcantes, que deixam a gente com uma constante pulga na orelha - e um receio, nunca mais esquecido, das tais pessoas ditas 'normais'.

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...E algumas palavrinhas sobre Val

Obviamente, como fãs de cinema que somos, não poderíamos deixar de ao menos citar aqui a triste e inesperada passagem de um excelente ator, que marcou toda uma geração, e nos deixou recentemente, no dia 1° de abril de 2025, em consequência de uma pneumonia que se agravou: Val Kilmer. Excêntrico, dedicado e temperamental, tinha o dom de conferir características marcantes a cada um dos personagens que interpretava, numa carreira pontuada por grandes sucessos: a incrível comédia Top Secret (1984), Academia de Gênios (1985), Top Gun - Ases Indomáveis (1986, como o lendário oponente de Tom Cruise, o 'Iceman'), Willow - Na Terra da Magia (1988), o excelente western Tombstone (1993), Fogo contra Fogo (1995, ao lado de Robert DeNiro e Al Pacino), e A Sombra e a Escuridão (1996, com seu amigo Michael Douglas), Mas será para sempre lembrado mesmo por suas duas atuações mais icônicas: interpretando o homem-morcego, em Batman Eternamente (1995), e um pouco antes, como o cantor Jim Morrison, em The Doors (1991), de Oliver Stone - papel para o qual usou o "método", e imergiu tão profundamente na atuação, memorizando, imitando a voz, os trejeitos, e o estilo de vida de Morrison, que chegou a assustar os antigos colegas de banda dele, e teve que fazer terapia para se libertar. 

Ele já andava meio esquecido e afastado do cinema, das grandes produções - desde 2016, perdera a voz devido a um câncer de garganta, e se comunicava com a ajuda de aparelhos eletrônicos. Em 2021, foi lançado um tocante documentário sobre sua vida, muito aclamado, intitulado simplesmente Val - e que hoje, serve já como uma elegia à sua carreira. Em 2022, a grande e mais comovente homenagem, como se os deuses da arte estivessem prevendo a sua partida: Tom Cruise o chama para reprisar o seu papel de Iceman, na continuação de Top Gun, Maverick, em uma das melhores e mais emocionantes cenas do filme. 

R.I.P. Val.





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