sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

FLEETWOOD MAC E OS MENINOS DE DEUS

 

Era 15 de fevereiro de 1971, quando o cultuado grupo britânico Fleetwood Mac chegou a Los Angeles para uma apresentação que fariam de noite, no famoso clube Whiskey A-Go-Go. A banda estava passando por uma fase de transição, desde a saída de seu mais importante membro original e mentor, o guitarrista Peter Green, no ano anterior, e mudando elementos de seu som original, o blues, para texturas mais pop e variadas. Restara para os outros dois guitarristas remanescentes, Jeremy Spencer e Danny Kirwan, segurar a barra.

Da dupla, o mais interessante era Spencer. Excêntrico e introvertido, podia ser realmente brilhante em vários momentos, especialmente no palco, quando engatilhavam covers de seu ídolo Buddy Holly, que ele sabia emular tão bem, ou nas estendidas jams de blues das antigas, onde ele viajava nos solos. Mas Spencer vinha se tornando cada vez mais estranho e distante à medida que o Fleetwood Mac progredia em novos e diferentes passos em sua trajetória. Com a entrada recente da cantora e tecladista Christine McVie (que logo iria se firmar como uma das figuras principais da nova formação e tomar a dianteira), Spencer se tornara arredio, parecia sentir saudades dos tempos pioneiros do grupo, de quando as coisas eram mais simples e não havia tantas trocas de membros, e começou a falar sobre pressentimentos e cismas, dizendo que sentia "nuvens negras" se aproximando da banda. Óbvio que as substâncias lisérgicas, uma constante a partir dos primeiros êxitos da banda, já estava também deixando suas marcas nele, uma alma sensível e muito reflexiva.

Jeremy Spencer, na época do Fleetwood Mac

A gota d'água ocorrera um pouco antes dessa nova turnê americana do Fleetwood, quando um grande terremoto originado da famosa falha de San Andreas atingiu Los Angeles. Spencer - ainda perturbado devido a uma bad trip de mescalina que tivera algumas semanas antes, segundo membros da banda - não só reclamava que não conseguia mais cantar e tocar bem como antigamente, como alertava seus companheiros de que deveriam cancelar tudo, todos os shows, pois aquele era um sinal de que eles iriam morrer caso prosseguissem com a tour.

O cara estava, definitivamente, em um frágil e delicado estado mental.

Naquele dia do show no Whiskey, Spencer saiu do hotel em que estavam, avisando a equipe da banda que iria dar uma olhada em uma livraria de que ele ouvira falar na Hollywood Boulevard, e ainda voltaria a tempo da passagem de som. Mas ele desapareceu. O show daquela noite teve que ser cancelado e membros da banda, junto com o empresário Clifford Davis, iniciaram uma desesperada busca pelo guitarrista, notificando a polícia e comunidade local, pensando que o pior pudesse ter acontecido.

Spencer reapareceria apenas alguns dias depois, já totalmente mudado e absolutamente decidido a não mais acompanhar o Fleetwood Mac. Cortara os longos cabelos e tinha agora um visual despojado, com roupas velhas e gastas, visto que doara as suas garbosas vestimentas de roqueiro e os 200 dólares que ele tinha na carteira para os seus "novos amigos". Ele alegara que, ao sair para a livraria, fora abordado por um rapaz chamado Apollos, que com uma conversa envolvente e angelical, repleta de simbologias bíblicas, o convidou para conhecer um grupo de pessoas, em uma missão próxima dali. Mal imaginava ele que estaria prestes a entrar em contato com os Meninos de Deus (Children of God).

Momento de louvor do Children of God, nos anos setenta

Hoje conhecidos como The Family International, o Children of God é um movimento religioso (para muitos, seita) criado em 1968, pelo seu mentor original, David Berg. Inicialmente derivado de discussões sobre como o amor de Jesus era a gênese do conceito de flores e paz divulgado pelos hippies, atraiu centenas de jovens desse segmento social em sua origem.

Segregacionistas e bastante polêmicos, eles começaram como um grupo evangélico nos moldes tradicionais, com pregações da Bíblia, teorias sobre apocalipse, fim do mundo e salvação, assim como em outras agremiações. Num primeiro momento, você poderia se referir a eles como "os crentes hippies". Se referiam ao governo e à sociedade tradicional, as pessoas de fora, como "o sistema", criando uma bolha de membros que foram se isolando em comunidades e residências fechadas, e assim cultivando o sentimento de se tornarem uma autêntica "família". 

O guru David Berg, em pose pronta para executar a "missão"

O problema é que, ao longo dos anos 70, isso desembocou nas práticas que tornariam os Meninos de Deus tão famigerados: o sexo entre seus membros passa a se tornar super estimulado, com forte incentivo e indução às relações incestuosas, e como forma de atrair novos fieis, o grupo passa a utilizar a chamada "prostituição religiosa", com a prática do flirty fishing: a "pescaria do amor", em que geralmente mulheres do grupo seduziam e buscavam a conversão de novos fieis através do sexo. David Berg, o fundador, editava e enviava para todos os lares comunitários do grupo as 'Cartas de Mo' - publicações com preceitos e regras básicas que, com o tempo, se transformaram em verdadeiros manuais ilustrados pornográficos, pregando a liberalidade sexual de uma forma chocante para os padrões habituais. Para eles, o sexo livre e sem fronteiras era da obra de Deus.

Página de uma das 'Cartas de Mo', passando a palavra: "Cheguem junto, garotos! Se divirtam!"

Em 2007, Noah Thomson, jovem dissidente criado no Meninos de Deus, filmou o documentário Children of God: Lost and Found, atualmente disponível na HBO Max (assista enquanto puder, pois o streaming vai passar por mudanças). É um registro revelador de como funciona uma lavagem cerebral religiosa, intensa e devastadora. Através dele, sabemos que diversos ex-membros desenvolveram depressão e distúrbios psicológicos ao saírem. Também pagaram um alto preço em suas vidas pessoais e profissionais, pois como eram todos criados em um regime comunitário fechado e exclusivo, não tiveram uma formação escolar e acadêmica necessária para desenvolverem boas carreiras. Tentaram seguir e criar famílias fora da "Família", mas o peso de suas lembranças com abusos sexuais infantis e situações ofensivas levaram muitos ao ato extremo do suicídio. É o que aconteceu com o jovem Abe, aos 27 anos, deixando mulher e 2 filhos. Outro caso terrível, exibido na película, mostra que o próprio enteado do fundador David Berg, Davidito, alguns anos depois de ter abandonado o Meninos de Deus, desenvolveu uma psicose maníaco-depressiva tão séria, que procurou a sua ex-babá na seita (Angela Smith), e a matou com requintes de crueldade, para logo em seguida dar cabo de sua própria vida, com um tiro na cabeça.

Noah Thomson no lançamento de seu documentário sobre o Children of God

O realizador do filme, Noah, mostra ele mesmo tentando diversas vezes marcar um encontro com a sua mãe, para conversarem sobre a influência do culto em suas vidas. Tentativas infrutíferas, que pioram quando ela fica sabendo que ele está rodando um documentário sobre o Children of God. Noah fica desolado, a sua própria mãe o segrega e recrimina, pois agora ele é "de fora", e pode prejudicar a imagem do grupo. É de dar dó. 

E detalhe: o Meninos de Deus acabou criando inúmeros grupos e ramificações na Ásia e na América do Sul a partir do final dos anos 1970 e década de 1980, que foi a época em que as primeiras denúncias contra o grupo começaram a pipocar na Justiça americana, e várias de suas comunidades foram se evadindo para além dos EUA. O próprio Noah passou grande parte de sua infância numa comunidade do Brasil, e mostra no documentário uma malfadada tentativa sua de reencontrar seus remanescentes por aqui, indo até parar no Rio de Janeiro...

Após alguns anos de polêmicas na Justiça norte-americana, com uma série de pesadas acusações contra o Meninos de Deus por todas as situações envolvendo abusos de menores e assédios, a cúpula mais recente do grupo se comprometeu a seguir preceitos mais moderados, e "excomunicar" (ou excomungar) membros antigos envolvidos em tais práticas, sob a alegação de que foram entendimentos equivocados e desvirtuados, originados apenas de uma parte deu seus fieis. Assim, permanece sendo um movimento religioso que, a despeito de benefícios e obras sociais de grande importância já realizadas, que ajudaram milhares de pessoas carentes, acabou tendo a imagem manchada, ao longo das décadas, por episódios sinistros.

Jeremy Spencer, em foto de 2012


Jeremy Spencer and The Children: disco lançado em 1972

É de se imaginar o sofrimento e caos mental que Jeremy Spencer estava passando, naquele fatídico dia de 1971, para ter se agarrado ferrenhamente ao culto, a ponto de ter largado toda a sua vida pregressa para se apoiar e ficar nele. Chegou a montar uma nova banda ('Jeremy Spencer & the Children'), que não fez muito sucesso fora dos círculos do grupo, mas criou família, viajou o mundo ajudando a "pregar a palavra", e pelo menos se tornou um homem feliz, até hoje tocando sua guitarra e fazendo alguns shows por aí em nome da crença, como um autêntico missionário. Já morou até no Brasil durante o período 1975-77 e tocou por aqui com seu grupo, algumas vezes! Naquele ano, uma versão brasileira da banda, apropriadamente chamada Meninos de Deus, fez bastante sucesso com a música "Aleluia", que chegou a ser exibida no programa musical Globo de Ouro, da Rede Globo. Apesar de não ter Jeremy Spencer na apresentação, ele era citado pelo grupo como um dos seus arranjadores. Veja só:


E pra terminar, a título de curiosidade, confira aqui uma reportagem cavernosa do Fantástico de 1978, sobre a detenção de alguns membros do Meninos de Deus na Bahia, naquele ano, por conta da apreensão de material gráfico da seita, considerado pornográfico e ofensivo pelas autoridades da época, após uma denúncia. Saca só o olhar vidrado de alguns dos fieis entrevistados e... bem, tire as suas próprias conclusões.



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segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

VAMPIROS: A AMEAÇA QUE SEMPRE VOLTA

 

Neste ano de 2024, estaremos às voltas com mais uma refilmagem de filme de vampiro do passado - a nova versão de Nosferatu, do cineasta Robert Eggers, responsável pelos perturbadores 'A Bruxa' (2015) e 'O Farol' (2019) virá com Bill Skarsgård, de "It - A Coisa" como o vampirão, mais nomes de peso como Nicolhas Hoult, Lily-Rose Depp, Willem Dafoe e Aaron Taylor-Johnson no elenco. 

Para quem não sabe, 'Nosferatu' é uma obra original ainda de 1922, filme modelo do cinema expressionista alemão, e pretendia ser uma adaptação fiel do clássico "Drácula", de Bram Stoker, só que não conseguiu adquirir os direitos com a família do autor. Então, o diretor F. W. Murnau e o roteirista Henrik Galeen resolveram filmar a mesma história, mas mudando os nomes e algumas sutis características dos personagens: Drácula virou Conde Orlok (ou Nosferatu), Mina se tornou Ellen, e o seu marido e jovem corretor Jonathan Harker virou Thomas. Foi refilmada também em 1979, numa versão cult de Werner Herzog, que tinha Klaus Kinski, Isabelle Adjani e Bruno Ganz nos papéis principais.

Isso me suscitou a lembrar novamente de um tema que já havíamos desenvolvido em um antigo blog nosso, o 'Reflexos de uma Mente no Tempo', que versava sobre como "cada época tem o vampiro que merece", e que rendeu muitos views quando foi postado em 2019! O final está um pouco datado, mas acreditamos que o restante da leitura ainda é relevante, principalmente para toda a galera aí que gosta dos famosos "dentes na jugular", portanto decidimos repostar aqui, a quem possa interessar... ✌


'Cada época tem o vampiro que merece'

O ator inglês Gary Oldman, na já clássica caracterização de 'Drácula - de Bram Stoker', do diretor Francis Ford Coppola (1992)

A figura do hematófago mais célebre da história da humanidade é coberta por uma aura de misticismo e fascinação que envolve as suas histórias.

O vampiro é, por excelência, o monstro mais representado na cultura popular de todos os tempos. Provavelmente, o mais adorado também.

Misto de humano e morcego, ele foi visto pela primeira vez na forma de um sorumbático conde, recluso num castelo da longínqua Transilvânia, no mítico romance do irlandês Bram Stoker, publicado pela primeira vez em 1897, Drácula.

Para criar a figura do mais famoso vampiro de todos os tempos - aquele que daria início a um filão milionário, tanto nas páginas de livros quanto nas telas de cinema - Stoker teria buscado inspiração nas histórias acerca do lendário príncipe romeno Vlad Tepes, que no século XV defendeu a região em que vivia da invasão do império turco otomano, e se notabilizou por utilizar o cruel método da empalação em suas vítimas. 

Apesar de não existirem registros de que Vlad ingerisse o sangue daqueles que matava, a sua crueldade e profunda falta de compaixão pela raça humana fizeram dele um homem temido e odiado, que os aldeões da época juravam ter feito alguma espécie de pacto com o demônio - ele chegava a ter prazer em montar banquetes e comer diante de corpos empalados ou decepados, jorrando sangue! 
Representação gráfica do príncipe Vlad Tepes, que inspirou o vampiro Drácula - ao fundo, os corpos empalados pelo carrasco

Isso deu a ele o apelido Draculea ("filho de Dracul"), visto que seu pai também era um guerreiro sanguinário, que havia recebido a alcunha Dracul, uma expressão vulgar dos camponeses da época que significava, justamente, "demônio". Historiadores creem que, a partir daí, teriam se originado todos os mitos que davam conta de que Vlad e sua família tinham parte com o coisa ruim, e poderiam até mesmo se alimentar de sangue.

O romance de Stoker, por sua vez, foi lançado na Inglaterra do final do século XIX, uma época em que o Reino Unido passava por um período turbulento de crises sociais, em que as cidades tentavam se adaptar ao advento da Revolução Industrial, com uma grande massa populacional abandonando o campo e indo trabalhar, sofrer e morrer nos lúgubres bairros de uma Londres imunda e violenta. 

Nesse sentido, Drácula foi o livro certo, na hora certa - o clima gótico na descrição do castelo do conde e dos becos escuros de Londres, mais a sensação claustrofóbica sugerida pela paixão proibida de um morto-vivo por sangue humano, sobretudo extraído através de mordidas no pescoço de mulheres (o que lhe conferia certa sensualidade), geravam uma fábula niilista dos novos tempos, em que o leitor oprimido pela realidade  depressiva, terminava por se identificar com a esquizofrenia do protagonista: Drácula é inicialmente visto como um anfitrião de bons modos, quase que um perfeito lorde vitoriano, mas aos poucos revela a sua personalidade decadente e pervertida.

Algumas décadas adiante, com o sucesso de uma nova forma de expressão artística denominada cinema, a "sétima arte", logo grandes obras da literatura seriam buscadas e adaptadas para a realização de filmes, e a história do conde sanguessuga foi uma delas.
Cartaz original do clássico 'Drácula', de 1931

Em 1931, com o húngaro Bela Lugosi no papel do vampiro, Drácula, do diretor Todd Browning, se tornou um dos primeiros grandes sucessos do cinema de horror, reproduzindo em imagens a trama do livro, com algumas pequenas diferenças. 

Em muito ajudava a forte expressão facial de Lugosi na caracterização do monstro. Pálido e introduzindo em seu rosto olhares de ódio e angústia que reproduziam perfeitamente a psique do vampiro, o ator ficou para sempre marcado pelo personagem, e nunca mais conseguiu papéis de êxito fora de tal interpretação, sendo obrigado a repetir sua atuação em filmes posteriores.
Bela Lugosi, como o Conde Drácula: o ator nunca mais conseguiria se livrar da personagem


Com a chegada dos anos 1950-1960, o mundo vivia uma atmosfera de repressão e moralismo, atiçada pelo confronto ideológico da Guerra Fria, que tomou o globo no período pós-Segunda Guerra Mundial.

O mais simples embate entre comunistas e capitalistas era capaz de gerar um patrulhamento ferrenho acerca de preceitos comportamentais. Quem era mais "certinho" e dentro dos padrões, era de direita. E quem era mais liberal e contrário a certas convenções, era de esquerda.

Na trilha de toda a onda contracultural que dominaria as artes a partir desse período, os criativos cineastas dos filmes 'B' (de baixo orçamento) de uma certa produtora de filmes britânica chamada Hammer Productions lançaram, em 1958, uma nova versão de Dracula, com o soturno inglês Christopher Lee revivendo magistralmente a figura do vampiro. O papel caiu como uma luva para o corpo esguio, a voz grave e o olhar tétrico de Lee, sendo que a nova encarnação do conde criou fôlego para mais uma série de bem sucedidas continuações.
Christoher Lee, no papel do vampirão

De certa forma, Drácula assumia um tom anárquico para as novas gerações. Ter uma atitude 'vampiresca', de repente, se tornou hype - ser vampiro, para toda uma galera rebelde que curtia o então nascente rock and roll, era como ser um outsider, gostar de curtir e viver a noite, e não querer enfrentar os alhos e água benta dos Van Helsings de plantão, sendo esse um modo de estabelecer uma nova postura diante da sociedade careta e conservadora da época. 

A partir de novos paradigmas ditados pelas mudanças de valores e costumes da década de 60, a figura do Conde Drácula poderia até mesmo assumir um papel sexualmente liberal, consolidando de vez aquilo que, no romance de Bram Stoker, era apenas sugerido: a predileção do vampiro por belas jugulares femininas - dando preferência, inclusive, a mulheres noivas ou casadas (Lucy e Mina, do livro original).


A partir daí, é que começa uma reviravolta na imagem da criatura. E os vampiros passam a ter um maior enfoque de erotismo e sensualidade no seu ataque às vítimas.

 
Isso passaria a ser explorado ad nauseam pela literatura e cinema contemporâneos.

São exemplos nítidos disso: a comédia escrachada de vanguarda do diretor Roman Polanski, A Dança dos Vampiros (1967), o vampiro erótico encarnado por David Niven em Vampira (1974), o arremedo em forma de sátira disco desempenhado por George Hamilton  em Amor à Primeira Mordida (1978), ou o extremamente galante e sedutor Frank Langella na readaptação de Dracula, do diretor americano John Badham (1979). Também bebe fartamente nessa fonte o vampiro playboy e yuppie vivido por Chris Sarandon, na primeira versão de A Hora do Espanto, que fez muito sucesso nos cinemas em 1985.




 Três momentos célebres e distintos dos vampiros no cinema: a paródia de 'Dança dos Vampiros', de Roman Polanski (1967), o Drácula galã interpretado por Frank Langella em 1979, e Chris Sarandon como o jovem vampiro playboy, em 'A Hora do Espanto' (1985).

Não podemos deixar de lembrar o aprofundamento psicológico que o personagem sofre, também nas mãos de autores e diretores mais existencialistas, que investigam a fundo as neuroses e ânsias de um ser condenado a viver eternamente em busca de sangue.

Faz parte dessa proposta a refilmagem feita por Werner Herzog de Nosferatu - O Vampiro da Noite, em 1979, de um clássico alemão de mesmo nome realizado por Friedrich Wilhelm Murnau em 1922, e que nada mais era do que uma adaptação do Drácula de Bram Stoker - só que mudando o nome de quase todos os personagens e da criatura para "Nosferatu", pela ausência de pagamento de direitos autorais para a família do escritor.

O que as duas versões tem em comum é o profundo sentimento de vazio e desespero social que assolava a Alemanha em ambas as épocas - em 1922, era uma nação destruída e tentando se reerguer nos escombros da Primeira Guerra Mundial, e no remake de 1979, era um país que já tinha passado pela avalanche da dominação ideológica nazista, e atravessava ainda um forte período de economia recessiva, devido à crise do petróleo.
Nosferatu (1979), de Werner Herzog

Todo esse clima é traduzido nas imagens góticas e aterradoras dos ataques do vampiro a suas vítimas. Nosferatu reflete a própria sensação de frieza, terror e incerteza que a Alemanha vivia, em tão atribulados dias.

De qualquer forma, na sua releitura do mito de Drácula, o vampiro Nosferatu revela também a face mais obscura da agonia do ser, com suas longas garras demoníacas e uma feiura horrenda e esbranquiçada no rosto carrancudo, refletindo a impossibilidade de tomar para si uma mulher que pertence ao mundo dos vivos, ainda que perdidamente apaixonado por ela. A representação cadavérica e angustiada do vampiro Nosferatu o retira da zona de conforto do charme e da sensualidade, e o aproxima muito mais da figura diabólica da insatisfação, da inveja e do desejo, como peças propulsoras de um mal absoluto - o que foi bastante realçado na versão de Herzog em 1979, com a brilhante interpretação de Klaus Kinski como o vampiro.

Inesquecível também é aquela que tentou ser a mais fiel adaptação para os cinemas do romance de Bram Stoker - inclusive fazendo questão de carregar o nome do autor no título, Drácula - de Bram Stoker, de 1992, do cultuado diretor Francis Ford Coppola (O Poderoso Chefão, Apocalypse Now), traz um aristocrático Gary Oldman no papel do vampiro, e apesar dos maneirismos de arrojo visual e narrativo típicos de Coppola - que acabou inevitavelmente acrescentando o seu toque à história - consegue reproduzir escrupulosamente em detalhes todas as nuances do livro, inclusive utilizando o seu formato epistolar (a narrativa original dos personagens se dá através de cartas).

Mas então chegamos ao início do século XXI, e as lendas vampirescas tomam uma outra proporção, mais adequada às novas gerações que consomem cultura pop adolescente, e compram boxes pela Amazon e Walmart: a coleção de livros da saga Crepúsculo, de autoria da escritora Stephenie Meyer, bate recordes colossais de vendas, e tem seus direitos vendidos para uma adaptação cinematográfica em 2008 que, por sua vez, também deixa plateias do mundo inteiro hipnotizadas pela história de amor teen vivida por Isabella Swan e o vampiro Edward Cullen.

Aqui, o mito maligno é totalmente convertido em um ser carismático, capaz de se apaixonar e se oferecer para sacrifícios pelos humanos, e até mesmo formar uma família, obedecendo a um padrão moral rígido e condizente com os sonhos românticos de jovens do mundo inteiro, que chegaram a estragar a tinta da parede de seus quartos, de tanto colar pôsteres do Robert Pattinson - que apesar de desempenhar o vampiro mais fresco da história do cinema, e hoje em dia nem querer se lembrar disso, foi alçado ao estrelato justamente por esse papel...

No Brasil dos anos 2016-2018, em plena efervescência dos memes e da cultura do bafafá nas redes sociais, com suas loucuras, brigas políticas e fake news, ainda fomos apresentados a um senhor pra lá de vampiresco, que não estrelou filmes e nem protagonizou livros (apesar de já ter escrito alguns), mas que calhou de ser o nosso Presidente da República com o maior índice de rejeição popular até hoje - eis que, das acusações do deputado evangélico Cabo Daciolo sobre pactos satânicos, e teorias da conspiração que o demonizaram, surge Michel Temer, o vice de Dilma Roussef que assume o posto após o impeachment dela (e também é acusado de trairagem). 

Sem dúvida, o político com mais cara de hematófago que o nosso país já produziu até hoje...

Em toda essa extensa época de turbulências morais e sociais, parece que a única certeza que resta de tantas reviravoltas recentes no poder, é a de que os verdadeiros vampiros de nossa realidade são os que sugam cada gota do sangue de esperança da população, saqueando sem dó os cofres públicos abarrotados do nosso suado dinheiro de impostos.

Como podemos perceber, cada época tem o vampiro que merece.

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quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

A NOVA HOLLYWOOD EM 15 REGISTROS HISTÓRICOS DE BASTIDORES

 

A partir do momento em que você se torna um cinéfilo pra valer - uma pessoa admiradora da sétima arte, que se aprofunda cada vez mais na linguagem do cinema como analista de toda a sua magia e possibilidades - passa a se tornar imprescindível dar um belo mergulho naquele que foi um dos movimentos cinematográficos mais inovadores e revolucionários dos nossos tempos. E que passou a receber a alcunha de "A Nova Hollywood".

Foi quando o sistema para se produzir, realizar, e trabalhar os padrões de narrativa dos filmes norte-americanos mudou radicalmente, com os grandes estúdios passando o controle autoral e criativo das obras para as mãos de toda uma nova geração de talentosos roteiristas e diretores, e estabelecendo um paradigma inédito, que iria contra o domínio dos produtores milionários de Hollywood. Foi a partir de então que gente como Francis Ford Coppola, Martin Scorcese, William Friedkin, Sidney Lumet, Sam Peckinpah, Arthur Penn, Terrence Malick, Peter Bogdanovish, Brian DePalma, e muitos outros puderam mostrar o seu valor, e novas e refrigeradas ideias vieram à tona para retirar a mesmice em que o cinema se encontrava, até meados de 1965/66. A gente recomenda você a se aprofundar na obra desses grandes mestres, e um pequeno aperitivo começa por aqui, com flagras inóspitos das filmagens de alguns desses grandes clássicos, retratando um ambiente dinâmico, criativo, e cheio de inovações e improvisos. Algumas imagens falam mais do que mil palavras.


William Friedkin montando o novo sistema de câmeras para filmar perseguições de dentro dos carros, no revolucionário 'Operação França' (1971). No banco da frente, Gene Hackman.


Warren Beattty e Faye Dunaway - se preparando para filmar o banho de sangue do clássico 'Uma Rajada de Balas' , de Arthur Penn (1967).


Que trio... O diretor Martin Scorcese (com seus sempre marcantes óculos), Harvey Keitel e Robert DeNiro, no set de 'Taxi Driver' (1976).


Sissy Spacek, cheia de sangue falso, dando um tempinho no massacre promovido por sua 'Carrie, a Estranha' (1973), para um cigarrinho.


DeNiro comemorando os seus 34 anos de idade, em plenas filmagens de 'O Franco Atirador' (1977). Ao fundo, John Cazale e o diretor Michael Cimino.


Clint Eastwood - ou melhor, Harry Calahan, o sujo - tenta demonstrar o melhor posicionamento de câmera para a sua letal Magnum 44, ao diretor Don Siegel: 'Perseguidor Implacável' (1972).


Sissy Spacek e Martin Sheen, bem novinhos. Início das filmagens do incrível 'Terra de Ninguém' (1973).


A equipe do icônico road movie 'Sem Destino' (1969), capitaneada por Dennis Hopper e Peter Fonda, se prepara para filmar a cena da 'bad trip' no cemitério.


Steve McQueen troca uma ideia sobre uma cena de ação com o diretor Sam Packinpah, nos sets de 'Os Implacáveis' (1972).


Dustin Hoffman recebe a maquiagem de sangue que o faz representar o único sobrevivente de um massacre histórico do Oeste, em 'O Pequeno Grande Homem' (1970).


E esta é uma das célebres sessões de maquiagem de Marlon Brando, o mito, para representar 'O Poderoso Chefão' (1972), Don Vito Corleone. Ao fundo, Coppola, o diretor, se diverte.



Mais um flagrante de 'Poderoso Chefão'... dessa vez mostrando que, por trás das câmeras, a cena do preparo do cadáver de Sonny Coleone, com James Caan se levantando, não foi lá tão triste.


Mais uma do trio parada duríssima: Scorcese no meio, com DeNiro à esquerda, e Keitel à direita. Filmagens do emblemático 'Caminhos Perigosos' (1973).


Al Pacino recebe instruções do diretor Sidney Lumet, para uma das cenas tensas do policial 'Serpico' (1974).



Muitos talvez não saibam, mas lá estava ele, já atuando como produtor e ajudando no movimento da Nova Hollywood: um jovem Michael Douglas, junto com Jack Nicholson e o diretor Milos Forman, nos sets do clássico 'Um Estranho no Ninho' (1975).

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terça-feira, 9 de janeiro de 2024

HAPPY BIRTHDAY, MR. PAGE!

 

E hoje, 9 de janeiro de 2024, o ilustre senhor James Patrick Page, a.k.a Jimmy Page, para toda a humanidade, um dos mais ilustres e celebrados músicos de todos os tempos, completa seus 80 anos de idade.

O renomado criador/idealizador/líder e guitarrista do Led Zeppelin, mítica banda que fez a cabeça de toda uma geração (e ainda faz, de muitos), começou, conforme muitos sabem, como um aplicado e consistente músico de estúdio. Existe uma lenda que corre o mundo do rock, de que pelo menos 80% de todos os discos e compactos de sucesso gravados por artistas pop ingleses, no período entre 1963 e 1967, tiveram a guitarra de Page figurando, inovando e preenchendo espaços, em diversas músicas. Muitas vezes, apenas pelo cachê que ganhava ou prazer de tocar, sem nem ser creditado nos encartes.

Os Yardbirds, com Jeff Beck e Jimmy Page (os dois, ao alto)

Em meados de 1966/67, ele é chamado pelo seu grande amigo, o também revolucionário guitarrista Jeff Beck, para ajudar a segurar as pontas no grupo do qual ele estava fazendo parte, os Yardbirds. Na verdade, o irregular e sempre insatisfeito Beck já estava intimamente programando a sua saída, e logo ele deixaria o grupo com Page ocupando integralmente a sua vaga. A partir daí, o resto é história, muitas vezes já contada e recontada: os Yardbirds estão em declínio artístico, a maioria dos seus membros abandona o barco, e sobra Jimmy Page segurando o nome da banda, com datas ainda contratadas de shows a fazer por toda a Europa. 

Isso é 1968. Ele não pensa duas vezes: é a grande chance de começar a ter e comandar um negócio próprio, um projeto musical com a cara, criatividade e identidade que ele gostaria que tivesse. E então, com a ajuda do amigo e empresário Peter Grant, ele recruta alguns caras talentosos, e o Yardbirds passa a se apresentar como New Yardbirds, e dali a mais alguns meses, já como... Led Zeppelin!

Led Zeppelin

Ah, e por favor, nunca se refira ao Zeppelin como inventor do heavy metal perto de Mr. Page. Esse é um título que ele simplesmente ignora, para não dizer que detesta. Eddie Trunk, o apresentador do popular programa de TV That Metal Show, já disse certa vez: "Page já disse que até gostaria de vir ao meu programa, nós o convidamos várias vezes. Mas ele foi bem enfático de que a mais reles menção ao termo 'metal' o afasta, ele não gosta de se ver com qualquer relação a isso". 

Assim sendo, chame o som do Zeppelin e da guitarra de Page de qualquer coisa, menos de heavy metal. Ele prefere termos como blues pesado, folk com influências de world music, ou simplesmente, rock (o bom e velho "Rock and Roll" - vide a icônica faixa do Led Zeppelin IV,, de 1971). Ele também é muito venerado e reconhecido por seu estilo bem peculiar e não ortodoxo de solar - algumas vezes, pela saraivada de notas e acordes inesperados que ele atinge em suas canções, ele já teve seu estilo chamado de guitarra "histriônica" ou "notas com efeito pipoca" (risos). Seja como for, esse é o marcante estilo Page.


E do mesmo modo que um monte de sites fazem por aí, vamos comemorar essa data e a nossa admiração pelo cara com aqueles que são, na nossa opinião, "20 grandes e memoráveis momentos de Page" - seja antes do Led Zeppelin, durante, e depois do fim da banda. Dá pra fazer uma playlist legal para saborear as guitarradas estupefacientes de Mr. Page. Você concorda? Ou haveria outros? Confere aí, e vamos lá.


Pré Led Zeppelin:

1 - Stroll On (c/ os Yardbirds, 1966) - a icônica versão feita para um dos primeiros hits dos Yardbirds, a tradicional "Train Kept-a Rolling", só que com uma seção rítmica mais acelerada, mais pesada, e um sensacional duelo de guitarras entre os então integrantes Jeff Beck e Jimmy Page. Imortalizou a imagem do grupo nos cinemas, pois foi gravada para uma aparição especial deles no clássico filme de Michelangelo Antonioni, Blow Up, de 1966 (no Brasil, 'Depois Daquele Beijo'). Detalhe: conforme pode ser visto na cena, Page está segurando um baixo (e pelo visto, rindo muito disso e do quebra-quebra encenado pelos colegas de banda), visto que na época essa seria a função inicial dele ao entrar, deixando as guitarras só para Beck. Mas logo ele reassumiria o seu instrumento de lei, e na gravação são ele e Beck que tocam guitarra.


2 - Think About It (c/ os Yardbirds,1967) - na opinião de muitos, o grande clássico dos Yardbirds com Jimmy Page, lançada em single para a promoção do último álbum da banda, Little Games. Já contém a rifferama com tons soturnos, e os solos sinuosos e faiscantes, que fariam o fama de Page no som do Led Zeppelin.

3 - Puzzles (c/ os Yardbirds,1967) - esta simples e esquecida canção escondida no álbum Little Games contém o solo tocado por Page na futura "Dazed and Confused", do Led Zeppelin, ainda em estágio embrionário, e é outro exemplo de como Page já vinha trabalhando a sonoridade dos Yardbirds para que ficasse mais intensa, rumo ao peso do Zeppelin.

4 - White Summer (c/ os Yardbirds,1967) - o outro lado de Page, sua paixão por sons folk acústicos, e de nuanças indianas e orientais, aparece pela primeira vez aqui, nesse instrumental dos Yardbirds que seria retrabalhado adiante no primeiro álbum do Led Zeppelin, e se tornaria "Black Mountain Side". Foi o ponto de partida para uma série de sons mais sutis e suaves que Page trabalharia com esmero em sua carreira, sempre casando o lírico com o pesado.

5 - Hurdy Gurdy Man (c/ Donovan, 1967) - uma das várias (e mais famosas) colaborações de Page como session man, foi a música título de um sensacional disco lançado pelo bardo escocês Donovan, de muito sucesso na Inglaterra riponga da época. Aqui, ele introduz um solo batstante hipnótico, com fuzz estridente e super heavy que foi um dos maiores destaques daquele ano, mostrando que estávamos diante de um guitarrista incomum.

6 - With a Little Help From My Friends (c/ Joe Cocker, 1968) - para quem assistiu a inesquecível performance do cantor soul inglês Joe Cocker no Festival de Woodstock (1969), apoiado pela Grease Band, pode ser uma grande surpresa saber que aquele riff pauleira introdutório de sua versão para "With a Little Help...", na guitarra, é uma criação e gravação original de Jimmy Page, acompanhado por outros músicos contratados, na versão de estúdio. Entrou para a história.



No Led Zeppelin:

7 - Communication Breakdown (1969) - e chega o Led Zep em sua estreia fonográfica, de cara metendo o pé na porta com essa porrada mastodôntica que é "Communication". Sorry, Mr. Page... mas as palhetadas maníacas impressas nesta obra-prima a tornam precursora sim do heavy metal, e muito - tanto é que o Black Sabbath já confessou que a música "Paranoid" foi a sua tentativa frustrada de fazer algo no estilo de "Communication Breakdown". Solo cristalino e viajante de Page, o baixo forte e preciso de John Paul Jones, a locomotiva sonora desenfreada de John Bonham na batera, e os uivos rasgados e desesperados de Robert Plant. Pronto, a bagunça estava feita. Agora, não tinha mais como voltar atrás, e o Zeppelin estava pronto para subir... beeem alto.

8 - Dazed and Confused (1969) - num dos mais polêmicos, e diversos, casos de plágio da carreira do Led Zeppelin, essa era uma canção derivada de um blues do cantor britânico Jake Holmes, mas que foi convertida em uma sorumbática marcha hard rock, pontuada pelo baixo sinistro de J. Paul Jones e a guitarra etérea de Page. Dá início às grandes experimentações sonoras do grupo em estúdio, e ao vivo - com as performances progressivas de Page usando um arco de violino nas cordas da guitarra de forma cada vez mais assombrosa, e com durações cada vez mais estendidas. Algumas rendições da canção chegavam a quase 40 minutos de duração, no palco, repletas de longos solos e improvisações. Clássico absoluto.


9 - Whole Lotta Love (1969) - talvez o mais "comercial" e radiofônico sucesso do Led Zeppelin, este grande clássico do segundo LP da banda foi um dos poucos a ser promovido como compacto, já que a ênfase deles seria sempre nos álbuns, como um todo. É um blues casado com um semi-funk extremamente suingado, calcado no riff histórico da guitarra de Page, e com uma desafiadora passagem psicodélica e erótica providenciada pelos vocais enlouquecidos de Robert Plant, cedendo lugar a um dos solos mais devastadores de Page logo em seguida. Também bastante "experimentalizada" nos shows ao vivo, formando grandes medleys com outras músicas.

10 - Heartbreaker (1969) - poderíamos dizer que é, simplesmente, um dos melhores showcases de Page, simplesmente isso. Mega blues pesado, com o cara abrindo a lojinha de solos bem no meio da música, de portas escancaradas.

11 - Since I've Been Loving You (1970) - está na galeria dos grandes blues melancólicos dos anos 70. Essa pérola do terceiro disco do Led Zeppelin vinha para mostrar que eles sabiam sim, fazer música sensível e pungente no estilo de um B.B. King ou Buddy Guy, mas num crescendo bastante interessante, que dava mostras do poder da banda para trabalhar com baladas que poderiam conter atmosferas de diversos tons. Havia o peso, mas havia também a grande musicalidade do Delta/Mississipi em tudo.

12 - Stairway to Heaven (1971) - não tem como criar uma lista dessas aqui sem falar nela, o maior dos hinos, a pedra filosofal do Zeppelin. Mas apesar da superexposição midiática excessiva, que passou a despertar até mesmo a ojeriza dos membros da banda em torno dessa música, de tanto que ela era demandada por fãs e admiradores, feche seus olhos e tente apenas por um instante pensar nela como algo oposto - não como o grande sucesso que se tornou, não como uma das mais populares canções de rock de todos os tempos, mas simplesmente, pelas suas intrínsecas qualidades e características. Vamos fazer de conta que ela nem fez sucesso, que ficou esquecida lá em algum disco do passado. E então, mergulhe novamente nos dedilhados delicados e quase pastorais de Page, na instrumentação barroca de Paul Jones e nos vocais medievais de Plant, tudo isso evoluindo para um andamento folk bem concatenado onde a percussão de Bonham entra elegante e poderosa, e de repente, tudo isso já mudando para um hard rock épico, ornamental e quase sinfônico, com um dos mais inebriantes solos de guitarra já criados. Parabéns: você está ouvindo mais uma vez "Stairway", sob a luz de uma nova vivência!


13 - The Rain Song (1973) - quando eu falei lá atrás que as experiências acústicas de Page não eram brincadeira e iriam evoluir pra coisa muito da boa, é porque chegamos até aqui, nessa obra-prima do Zeppelin que é "Rain Song". Uma canção com camadas de violões e guitarras tão bem feita, que mesmo quem torcia o nariz para esse lado mais "soft folk" do grupo acabava se rendendo à beleza dela. E para quem acha que Page era fominha de solo e apenas ele queria aparecer, eis aqui a prova contra: toda a sutileza dos diversos takes de violão e guitarra gravados por ele servem de cama para o baixista/tecladista John Paul Jones protagonizar um belíssimo solo de mellotron.

14 - The Song Remains the Same (1973) - havia dúvidas de que era possível fazer uma pancada hard rock bem poderosa, com guitarras no estilo folk e semi-acústico que Page também adorava? Bem, aqui ele encarou o desafio. E foi bem sucedido. Um dos maiores clássicos do grupo, dá nome ao cultuado filme que lançariam alguns anos depois, retratando o show deles no Madison Square Garden em 1973.

15 - Ten Years Gone (1975) - mais uma das belíssimas baladas do grupo, contida no álbum duplo Physical Graffiti. Chama a atenção novamente pelas diversas camadas de guitarras, com diferentes tons e efeitos, gravadas por Page para realçar o clima da canção.

16 - Achilles Last Stand (1976) - este épico viajante de 10 minutos contém, não só na minha opinião, mas do próprio Jimmy Page, aquele que é considerado um dos melhores solos já gravados por ele em todos os tempos. É melancólico, é denso, é grandioso, e simplesmente atemporal - é tudo isso simultaneamente. Mas não é apenas isso: com um andamento galopante e arrebatador, não muito comum para o Led Zep na época, "Achilles" também revela a genialidade de Page como compositor, arranjador e produtor da banda, pois captar o trabalho estonteante que esse cara teve, balanceando todos os elementos de vocal, baixo, bateria, e as diversas camadas de guitarra rítmica e solo nessa música, de forma tão majestosa, é coisa pra realmente fritar o cérebro de qualquer um.

17 - Tea For One (1976) - assim como a música anterior, também está presente no álbum Presence, de 1976. É basicamente uma retomada do blues lento e reflexivo de "Since I've Been Loving You" (comentada aí anteriormente), só que de forma mais pesada, passional, e com um clima mais decadente. A carreira do Led Zeppelin, mal sabiam eles, estava chegando ao fim, aliás, com a prematura morte de John Bonham.

18 - In the Evening (1979) -  talvez um dos momentos mais realmente memoráveis de um álbum que divide opiniões até hoje, In Through the Outdoor, o último do Zeppelin. Com uma sonoridade mais kitsch e pop, pasteurizada por sons de teclados em excesso e composições menos inspiradas, foi um disco que deixou uma baita incógnita na cabeça de todo mundo sobre qual o som que o grupo iria produzir a partir dali - seriam um pastiche da onda new wave que estava tomando conta de tudo? Se tornariam algo no estilo "hard rock farofa" mais pop, de arena, que muitos grupos da época passariam a praticar? Ou voltariam ao peso e ficariam cada vez mais pesados ainda, aí sim, indo rumo ao estilo heavy metal, cujo rótulo eles mesmos tanto renegavam? Nunca saberemos. Apenas podemos curtir esse último grande momento épico de Page no grupo, direcionando uma música que funciona quase que como um arremedo de blues acelerado e apocalíptico de final de século, com uma guitarra super saturada mandando o riff infernal, e solos bem recheados de overdrive.


Pós Led Zeppelin:

19 - Live in Peace (c/ The Firm, 1985) - como muitos sabem, a carreira de Page depois do fim do Led Zeppelin foi mais calma e sem grandes arroubos, como na época do grupo de suas glórias - "gigantes que caminhavam sobre a Terra". Ele teve um disco solo, teve uma aventura com seu ex-parceiro de banda Robert Plant no projeto Honey Drippers, tocou empolgado em todas as esporádicas reuniões dos remanescentes do Zeppelin para concertos e shows ao vivo, ao longos dos anos, e ainda se reuniu com o vocalista David Coverdale (da antiga banda rival Deep Purple), para um disco em parceria em 1993, e novamente junto com o adorado colega Plant, no projeto Page & Plant, durante alguns discos e turnês nos anos 90 e início dos 2000. Mas foi no zeloso ofício de curador, produtor e remasterizador de toda a obra do Led Zep que Page realmente se debruçou, com seus diversos relançamentos e raridades póstumas, até hoje. Mas... um capítulo a parte, e muito legal, foi esse projeto com o ex-vocalista do Free e Bad Company, Paul Rodgers, no megagrupo The Firm, no início dos anos 80. E o grande hit foi essa "Live in Peace" - música inspiradíssima, de tons pacifistas, bonita balada levada ao piano que logo desagua num solo enlouquecido de Page, típico de seus melhores momentos no Zeppelin. 

20 - Shake My Tree (c/ David Coverdale, 1993) -  buscando reminiscências do blues rural e das camadas de guitarras entrelaçadas dos melhores momentos do Zeppelin, Page faz uma bela releitura do estilo delta entremeado com riffs de pedradas hard como "Travelling Riverside Blues" e "Nobody's Fault But Mine". Faz parte da parceria com David Coverdale que gerou um disco completo em 1993 - e olha, eu juro que em alguns momentos o vocalista parecia estar possuído pelo espírito de Robert Plant.



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