sexta-feira, 26 de abril de 2024

VERA CRUZ: O PROTÓTIPO DO REALISMO NO WESTERN

 

Em 1954, um faroeste com os galãs Gary Cooper e Burt Lancaster seria lançado sob a direção do grande Robert Aldrich, causando estardalhaço e certa polêmica na mídia da época... O porquê? Ao se aprofundar na cobiça e mesquinharia de suas personagens, talvez ele fosse realista demais para muitos aceitarem.

Vera Cruz passou a ser considerado, dessa forma, o precursor de um filão que seria uma das últimas grandes reinvenções do gênero western, alguns anos depois: o western spaghetti (ou 'bangue-bangue à italiana'), os filmes de cowboy produzidos na Itália, por Sergio Leone, Sergio Corbucci e comparsas, visto que neles, a crueza e a malandragem das figuras típicas do cenário épico do Oeste americano eram desvendadas de forma explícita e descarada, sem firulas.

O imaginário dos anos 1950, no panorama cinematográfico ianque, ainda estava acostumado com os tipos altruístas de John Wayne, Henry Fonda e James Stewart, nos diversos faroestes de John Ford e Howard Hawks. Não havia muito lugar, na cabeça das pessoas, para canalhas gananciosos como protagonistas de um gênero pródigo em heróis icônicos, como os mocinhos Tom Mix, Roy Rogers ou o verídico Wyatt Earp.

No enredo do filme, o ex-soldado sulista Ben Trane (Gary Cooper) conhece por acaso o bandidão Joe Erin (Burt Lancaster, impagável) durante um negócio de compra de cavalos, e acabam se envolvendo em um movimento de mexicanos rebeldes que tramam para derrubar o imperador mexicano Maximiliano. No entanto, ao tomarem contato com as forças imperiais, encontram uma oportunidade ímpar de transportar ouro para as mesmas (bem como de afaná-lo), e mudam de lado como quem troca de camisa, se envolvendo com uma condessa pra lá de suspeita que também tem interesse no carregamento, e toda a sorte de perigos e aventuras nessa empreitada. Ambos são ases no gatilho, e uma insólita "amizade" entre eles nasce, motivada por essa ambição pelo ouro - só que mais para frente, as coisas se complicarão. O diretor Robert Aldrich sabe trabalhar muito bem todas essas ambiguidades no relacionamento das personagens, e diversas nuanças vão se revelando ao longo da trama. Filmaço (disponível na Prime Video, aproveite enquanto ainda está).

Como se percebe por esse plot, o vai e vem de situações por conta de pegar o ouro e passar os outros para trás é tão intenso, que realmente é o tipo de situação que veríamos em um sem-fim de filmes de faroeste italiano que só seriam produzidos uma década depois. 

O pistoleiro almofadinha de Lancaster marcaria época, relegando o ator a uma má fama de "cafajeste" da qual ele conseguiria se livrar só muitos papéis depois, graças à sua genial caracterização como um vilão cativante, que sorri o tempo todo, e não mede esforços para obter êxito. Para a lendária crítica de cinema Pauline Kael, o seu Joe Erin é um dos maiores sociopatas da história do cinema americano de ação, de todos os tempos.

E aqui vai uma baita curiosidade: você vai encontrar novinhos, como comparsas do bando de Erin, os célebres George Kennedy (Aeroporto, Corra que a Polícia Vem Aí), Ernest Borgnine (Meu Ódio Será Sua Herança), e ainda, pasmem, um Charles Bronson quase moleque - e o melhor de tudo, já treinando soprar na harmônica muitos anos antes de interpretar seu personagem do mítico Era Uma Vez no Oeste (1968), de Sergio Leone. É um elenco estelar, portanto.

Aldrich era diretor dos bons, cravou a ferro e fogo sua marca de autenticidade na história do cinema americano como um dos primeiros caras mais "autorais" em suas obras, fazendo preponderar em todas as suas tramas características como o egoísmo, a maldade e os instintos vis do ser humano, mas também a sua redenção através dos sacrifícios e da empatia, e consequentemente se tornaria um dos inspiradores da nouvelle vague francesa, e de todo o movimento de renovação do cinema norte-americano, a New Hollywood, das décadas de 60 e 70. Gostava de imprimir o realismo com cores fortes em seus filmes.

Em 1967, Aldrich teria mais um grande êxito em sua carreira, ao reunir um grupo de bandidos irrecuperáveis para uma missão suicida contra os nazistas na Segunda Guerra Mundial: Os Doze Condenados. Clássico absoluto. Mas essa já é uma outra história, que fica para uma outra hora.



--- x ---

Quer fazer parte do nosso grupo de WhatsApp, e receber nossas postagens e matérias fresquinhas, assim que saem, para ver direto no seu celular? Vem, acho que você vai gostar! 

Aqui:   https://chat.whatsapp.com/L3RhRnX6AlxFFY9SmzsiwS 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

10 MOMENTOS 'DESTRUCTION' DO GUNS N' ROSES

  No momento em que este texto é produzido, o estado do Rio Grande do Sul continua sofrendo os abalos do já histórico desastre natural produ...