sábado, 25 de novembro de 2023

CICLOS QUE SE FECHAM (aparentemente)

 

2023 parece marcar o capítulo final de dois preciosos livros da música pop rock, sabe lá se vai ser realmente um desfecho definitivo, mas que tem cara, tem. Beatles e Rolling Stones, as duas mais poderosas e marcantes forças e símbolos culturais do século passado para cá, que pavimentaram o caminho para tudo o que viria a seguir, com porte mastodôntico, finalizam o ano com trabalhos que representam uma síntese de tudo o que viveram e influenciaram com suas notáveis carreiras. Olha que parece até que combinaram as datas para lançarem pareados - como diziam que era feito também na época de suas auroras, década de 1960.

Vamos começar com quem começou primeiro: Hackney Diamonds, trabalho de Jagger/Richards e cia., que viu a luz no final de outubro, foi instantaneamente aclamado como o melhor trabalho do grupo em décadas, e uma despedida e homenagem tocante ao baterista Charlie Watts, membro original da banda que nos deixou em 2021. Apesar de uma parcela da crítica especializada apontar que ocorreu um certo "oba oba" e frenesi exagerados, principalmente por parte dos fãs e redes sociais, ao querer comparar esse trabalho com alguns clássicos da discografia stoniana (Exile on Main Street, de 1972, ou mesmo o mais simples Tattoo You, de 1981), não há como negar que as raízes e o jeitão despojado do grupo, de deitarem o som das caixas, está ali, da mesma forma como sempre fizeram, ainda que numa sonoridade mais modernizada e comprimida para tempos de streaming exacerbado, e envolto em todo o marketing e hype digital dos tik toks e youtubes da vida. Pérolas como  o single de lançamento "Angry", o robusto gospel "Sweet Sounds of Heaven" (que toma emprestado o vozeirão de Lady Gaga), "Mess it Up" e "Live by the Sword" (as últimas gravações do falecido Watts com a banda), mostram que os Stones ainda sabem fazer a coisa do jeito que todo mundo gosta, aquele bom rock quente e viscoso, a despeito da idade avançada. Discretas participações de gente como Elton John e Stevie Wonder estão lá também - mas tem uma que não tem jeito de deixar muito apagada não, até porque se trata de um cara da gangue rival tocando junto com eles: Sir Paul McCartney! O beatle é anunciado e dá o ar da graça com um baixo pra lá de pesado e barulhento em "Byte My Head Off", pra mim disparado a melhor do disco. E os Stones fecham o sarcófago só no violão e voz, aquele blues básico e atemporal saído lá de Muddy Waters, que deu nome à banda, com a sua versão de "Rolling Stone Blues", última faixa. E última tudo.

Agora, os "garotos" de Liverpool: com apenas 2 semanas de diferença, sai em todas as mídias com grande alarde aquela que é anunciada como a última música dos Beatles juntos, aquela que encerra tudo, Now and Then. A obra é um primor sentimental e um triunfo da tecnologia que poucos poderiam imaginar, mostrando como os Beatles sempre gostaram de brincar mesmo com a inovação e o desafio às barreiras e limites técnicos. Originalmente parida em sessões caseiras que John Lennon fazia em seu lendário retiro artístico no edifício Dakota, no final dos anos 1970, para cuidar de seu filho pequeno com a Yoko, Sean Ono-Lennon - e um período no qual mal se sabia se ele um dia iria voltar realmente a querer mexer com música - essa canção de melodia melancólica e letra reflexiva sobre a passagem do tempo era uma coisinha de nada, uma ensaio de balada chutado e cantarolado ao piano, assim como outras que estavam em uma fita cassete demo, entregue por Yoko aos outros 3 beatles ainda nos anos 90, e que continha também "Free as a Bird", "Real Love" e "Grow Old With Me". Dessas citadas, as duas primeiras, muita gente sabe, estavam em melhores condições sonoras, e foram retrabalhadas e lançadas pelos Beatles no famoso projeto Anthology (1994), uma caixa de raridades e relançamentos que comemorava todo o legado do grupo e se gabava de trazer, pela primeira vez, todos os 4 tocando juntos novamente, com o auxílio da tecnologia de gravação digital, aproveitando essas sobras do falecido Lennon. Já "Grow Old With Me" não ficou legal, segundo o produtor Jeff Lynne, e foi descartada. Mas havia ainda essa "Now and Then", que se tornou verdadeira obsessão para Paul, apesar de George Harrison nunca ter gostado muito da música. Pelo fato dela estar cheia de ruídos na fita, e nas piores condições para ser aproveitada, foi engavetada e deixada de lado. 

John Lennon em seu auto imposto 'exílio' do mundo artístico, tocando piano em seu apartamento (1977)

O tempo passa, o tempo voa, como dizia uma antiga propaganda de TV de um velho banco. Eis que chega 2021, e o célebre e oscarizado diretor de cinema Peter Jackson, da famosa trilogia de O Senhor dos Anéis, um confesso e nerdíssimo beatlemaníaco de carteirinha, toma para si e sua equipe de efeitos especiais a responsa de, praticamente, reconstruir a última aventura dos Beatles no celuloide, ocorrida em 1970 com o decepcionante filme Let It Be, um caótico documentário sobre as gravações do último álbum da banda que, apesar de premiado na época, era até hoje meio que refugado até pelos próprios membros remanescentes. De posse de aproximadamente 60 horas de filmagem de vídeo, e 150 horas de áudio gravado da maratona toda na época, contando com a Disney como financiadora e produtora parceira, para levar o projeto a festivais e ao streaming no mundo inteiro, Jackson simplesmente deitou e rolou e, com sua trupe, praticou a mágica de transformar toda essa epopeia em um show de som e imagem de mais de 8 horas, restaurados com a mais perfeita tecnologia, como se os Beatles estivessem gravando num estúdio de hoje, conversando, discutindo, rindo e tocando na cara do espectador com um realismo e pureza estonteantes. Assim nasceu e foi lançado o mega-documentário Get Back. Tudo límpido, e perfeito. Graças à tecnologia de IA (inteligência artificial), utilizada por Peter Jackson e seus asseclas na restauração do material.

A partir daí, e com o estreitamento de contatos entre ele e Paul McCartney, não é difícil imaginar o que aconteceria. 

Paul e Ringo, os dois últimos beatles vivos (George Harrison também já se fora, em 2001), entraram em estúdio para reviver "Now and Then", gravar novas partes, utilizando sobras deixadas também por George, e com a companhia sobrenatural dos agora onipresentes e limpíssimos vocais de John Lennon, retirados e ampliados com magnitude daquela velha fita pelos computadores de Peter Jackson. E finalmente lançar a música, íntegra e terminada pelos quatro! Um trabalho magistral e envolvente - que, se como alguns dizem, não representa a alegria contagiante dos Fab Four do tempo em que ainda existiam realmente como banda, pelo menos traz em compensação a magia da aura do grupo, com suas harmonias sempre bem feitas, destreza no encadeamento envolvente de vocalizações, ritmos e acordes irrepreensíveis e, sim, um grande e apurado senso comercial para fazer acontecer e ter sucesso, por que não? "Now and Then" saiu em um dia, e no outro, já estava no topo das paradas de streaming do mundo inteiro, bem como seu videoclipe incrivelmente inovador ao misturar os Beatles jovens, de imagens raras de arquivo, contracenando diretamente com os dois Beatles velhos e ainda vivos, em um jogo visual de desafio das nuanças do tempo simplesmente atordoante, também burilado e dirigido por Peter Jackson.

Além de ter sido lançada em um single especial com "Love Me Do" em versão remasterizada - a primeira e a última músicas dos Beatles, olha só, o início e o fim de uma história - "Now and Then" também faz parte do pacote de relançamento dos Red and Blue Albums agora em novembro, as duas mais famosas coletâneas da banda, também colocada como faixa final do último disco, a enfatizar que se trata do fim de um ciclo, fechando com chave de ouro a história dos Beatles.

Se são realmente os passos finais desses velhos e hoje respeitáveis senhores, Beatles e Rolling Stones, não dá para saber com certeza, realmente. Pois com caras como Peter Jackson soltos por aí e as IA, vai que alguém sofre mais uma coceirinha e inventa de recuperar, remodelar e lançar alguma coisa, não é? 

Mas, que funcionam como marcos invejáveis de consolidação e conclusão, de duas das maiores carreiras de sucesso na música e nas mídias do globo terrestre, ah... disso ninguém duvida. 


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