sábado, 4 de janeiro de 2025

IRMÃOS SCOTT: MESTRES DO ESTILO

 
Os irmãos Scott: Tony (com o prêmio na mão), e Ridley


* Este texto contém trechos que podem ser considerados gatilhos emocionais por certos leitores e leitoras mais sensíveis. Em caso de problemas, não hesite em buscar ajuda - você é muito importante, talvez apenas não esteja enxergando isso. Ligue 188 - CVD, Centro de Valorização da Vida.


Época de final de ano, com alguns dias de férias e um tempinho disponível para fazer faxina, "tirar a poeira", dar uma organizada nos pensamentos e reviver o passado, com o presente e o futuro juntos; sempre bom fazer isso, e nessas é que eu consegui finalmente rever uma pérola que eu queria assistir novamente fazia tempo: Amor à Queima-Roupa (True Romance, 1993), filmaço hoje já considerado clássico, do grande e saudoso diretor Tony Scott - irmão de outro diretor fera do cinema, o também aclamado Ridley Scott.

Pra começar, a história é um roteiro original todinho do genial Quentin Tarantino (já ouviu falar, né?), que só não assinou a direção também porque estava muito envolvido com aquela obra-prima que o consagraria pelo resto da vida, o filme Pulp Fiction - Tempo de Violência, sensação no Oscar 1994. E então, a tarefa árdua coube ao tarimbado Tony Scott. E é aqui que começa a nossa análise.

Amor à Queima Roupa (1993) - trailer

'True Romance' é uma típica estória tarantinesca de personagens caricatos, diálogos feitos para chocar e memorizar, extrema violência gráfica, e um clima de celebração/gozação dos símbolos pop norte-americanos, com muita citação de Elvis, rock n' roll, séries de TV e filmes antigos, máfia e cheeseburgers, onde o pobre coitado Clarence (personagem vivido por Christian Slater), funcionário de um sebo de quadrinhos, discos e camisetas, e fã de cultura pop (claramente inspirado no próprio Tarantino) vive um tórrido romance com a prostituta boazinha - e doidinha - Alabama (desempenhada com charme e graça por Patricia Arquette), que acaba envolvendo a guarda de uma mala milionária estufada de cocaína pelos dois, e obviamente perseguida por mafiosos sanguinários e policiais de Los Angeles. No meio disso tudo, há um elenco estelar que hoje a gente custa a acreditar que estariam juntos algum dia: Gary Oldman, Dennis Hopper, Brad Pitt, James Gandolfini, Christopher Walken e até Samuel L. Jackson numa pontinha - uma autêntica constelação, valeu? Mas aí nos perguntamos: e o Tony Scott, onde entra com que destaque nessa? 

Tony Scott

Tony desempenhou com esmero uma tarefa que sempre coube a ele e a seu irmão mais velho Ridley, também diretor de cinema: criarem, em cada filme que realizam, um cenário de sonhos e plasticidade linda, verdadeiros mestres de um estilo de filmar que eles desenvolveram desde que eram jovens assistentes cinematográficos na BBC de Londres, e que ambos levaram de bandeja para a indústria do cinemão norte-americano. Para aqueles que não sabem, Tony e Ridley Scott são egressos de uma escola refinadíssima de artesãos britânicos da imagem, um pessoal que trabalhava com publicidade, propaganda e programas revolucionários de TV (como o espetacular 'Monty Python Flying Circus', da célebre trupe humorística) e a nascente linguagem frenética do videoclipe de pioneiros astros de rock dos anos 60 e 70, subvertendo padrões de fotografia e montagem, e acabaram conduzindo toda essa revolução de uma nova linguagem de sons e cores para o cinema: caras como os diretores Terry Gillian, Stephen Frears, Clive Barker e Alan Parker (este também já falecido).

Dirigindo Tom Cruise, no sucesso 'Top Gun' (1984)

Ele se tornaram ícones da Inglaterra, que sempre buscaram a inovação na forma de filmar uma história, alterando e enriquecendo as imagens com o uso de técnicas criativas de filtros e trabalhos com muito contraste de luz e sombras, construindo atmosferas e panoramas belíssimos em seus filmes. Em suma: quando você vê um filme de Tony ou de Ridley Scott, a sensação pode ser a de estar assistindo um longo e bem elaborado videoclip ou propaganda de TV, que nos transportam para outros mundos e universos, com muita imagem e som que induzem à imersão total.

Dentre algumas das melhores obras de Tony Scott, estão outros grandes sucessos do cinema inesquecíveis, como o primeiro Top Gun - Ases Indomáveis (com Tom Cruise, 1984), o cult movie The Hunger - Fome de Viver (com David Bowie, Catherine Deneuve e Susan Sarandon, 1983), Um Tira da Pesada 2 (com Eddie Murphy, 1987) e Dias de Trovão (mais uma parceria com Tom Cruise, em 1990). 

Fome de Viver (1983)

Basta assistir a qualquer um desses filmes para se ter uma noção do apurado senso estético de Tony no trabalho com as imagens (e sempre unidas à música), de forma a criar climas de suspense, ação, desejo romântico, ou simplesmente cenas que aparentemente nem tinham muito a dizer, mas estavam ali cumprindo um firme propósito de prender a atenção do espectador. Pode-se dizer que tanto ele quanto o seu irmão, Ridley, nunca foram realmente cineastas "autores", no sentido de quererem trabalhar mais a caracterização de personagens ou se apropriar de toda a história e seu significado (sempre deixaram isso mais a cargo dos roteiristas e assistentes de direção), mas sim, se aprimoraram no artesanato de construir climas e ambiências em seus filmes. 

Um Tira da Pesada 2 (1987)

A história de Tony Scott chegaria a um triste desfecho em 19 de agosto de 2012, quando ele cometeu suicídio ao pular da ponte Vincent Thomas, uma das maiores pontes pênsil da California, que liga as cidades de San Pedro e Los Angeles, sumindo logo a seguir nas águas geladas daquela noite. Era um cara tímido e fechado, que sempre era visto nos sets de filmagem com o seu surradíssimo bonezinho vermelho de baseball, e estava em seu terceiro casamento. Uma irreparável perda.

Já o seu irmão mais velho, o renomado Ridley Scott (condecorado 'Sir Ridley Leighton Scott' pela Ordem do Império Britânico, em 2003) sempre foi considerado mais agressivo e "pomposo", dono de algumas declarações até polêmicas, e possui uma carreira cinematográfica ainda mais famosa e aclamada do que a de Tony. Basta alinharmos aqui os nomes de películas dele que são consideradas 3 obras-primas incontestáveis da sétima arte, para se ter uma noção: Alien, o 8º Passageiro (1979), Blade Runner, o Caçador de Andróides (1982), e Gladiador (2000). Simplesmente isso. 

Blade Runner (1982)

Mas tem mais, muito mais no currículo de Sir Ridley - que tal dizer que foi ele quem comandou A Lenda (também com Tom Cruise, 1985), Thelma & Louise (1991), Black Hawk Down - Falcão Negro em Perigo (2001) e Robin Hood (com Russel Crowe, 2010)?

Eterno apaixonado pelos gêneros de horror e ficção científica, Ridley também acabaria retornando ao arco de histórias do seu extraterrestre de estimação, visto que demonstrava publicamente a sua insatisfação com os filmes que se seguiram como sequências na franquia de seu multimilionário Alien, o original de 1979 - dirigiu Prometheus (2012), e Alien: Covenant (2017), que funcionariam como uma espécie de "prequela" dos eventos do filme de 1979, e que foram recebidos por público e crítica com certas reservas. Mas ok, Ridley pelo menos cumpriu a visão dos desejos que estavam o atormentando, para tentar dizer algo a mais na série que ele mesmo iniciou. 

Alien (1979)

Nos últimos anos, Ridley entrou numa vibe de filmes mais épicos e históricos, e ele acabou criando e lançando a sua contraditória e altamente criticada versão de Napoleão (2023), com o premiado Joaquim Phoenix no papel-título - adaptação que, ao contrário do que muitos esperavam que se aproximasse de algo mais rebuscado, no estilo do que o lendário Stanley Kubrick faria (leia aqui), acabou se revelando um projeto frio e depreciativo de um britânico cavaleiro "Sir Ridley", com notórias inconsistências históricas, que tinha a insuspeita pretensão de rebaixar a imagem do baixinho conquistador e ditador, numa desnecessária tentativa de exacerbar a já antiquada rivalidade entre ingleses e franceses. Algo que provavelmente faria o Capitão Nascimento (da Tropa de Elite) encarar Ridley e falar que ele é moleque, "é moleque!, não é caveira não"...

Sir Ridley Scott agora tenta se redimir e elevar novamente seu cacife com o recente Gladiador 2 (2024), a impensável continuação do seu oscarizado clássico de 2001, com Russel Crowe. Opiniões se dividem, e confesso que ainda não vi. 


Mas Ridley? Putz, cara... Ridley não está nem aí. 

Quisera eu estar no estágio de um cara desses, gênio que já rendeu absurdo para a arte mundial, e pode fazer o que bem der na telha.


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