sábado, 12 de abril de 2025

ESCASSO

 

Duas horas da manhã, e minha cabeça dói. Algumas pontadas profundas que parecem acompanhar as batidas do coração. Há um profundo cansaço. Cansaço das coisas  desgastantes que nem o sono parece querer levar.

Eu me desfaço em vontades de abandonar pensamentos, mas eles voltam na ciranda mental das soluções almejadas e não conseguidas. Não há mais o que pensar da humanidade. Já me convenci de que todos procuram, de alguma forma, interagir das melhores ou piores formas possíveis, mas geralmente em favor de interesses daninhos. E nisso, a minha credulidade em alguma espécie de altruísmo da raça fica que nem o leite na gamela do gato faminto. Escasso.

Eu ainda não entendi qual é a da raça humana. Sinceramente.

Uma vez, uma funcionária de uma escola estava conversando comigo sobre o jeito que era o relacionamento dos pais dela. Já eram velhinhos e brigavam e caçavam picuinhas um com o outro, até não mais poder. Não houve um dia sequer, na companhia deles, em que ela não os visse resmungando e reclamando de alguma coisa um do outro. Assim continuou até o dia em que ele foi primeiro, faleceu. A mãe dela ficou, mas os meses seguintes foram se passando, e ela foi ficando cada vez mais cabisbaixa, fechada e amuada… Algo parecia não estar certo, e com três meses da partida dele, ela também se foi. O amor se manifesta de formas estranhas nas pessoas.

Eu ando sentindo uma vontade de ficar mais calado, que só eu sei.

Não adianta muito ficar falando, pois o vento e o ser humano levam as palavras da gente por aí do jeito que bem entendem. Mas o desatino que as pessoas sofrem para falar (e algumas muito, mas muito mais do que outras) é intenso. E justamente quando danam a falar com exagero, é que as piores coisas acontecem. Basta olhar por aí. Olhem os Estados Unidos. Olhem o resto do mundo.

Quando eu finalmente resolver me levantar da cama - o que, aliás, não estou com vontade alguma de fazer - provavelmente vou preparar um café bem reforçado para tomar. Dane-se o preço caro, vou meter o pó. 

Se isto me remete à famosa máxima de que “do pó vieste, ao pó retornarás”, apenas posso dizer que, se for para ser parte de um pó de terra boa, que faça nascer a mais bela e frondosa árvore, debaixo da qual alguém cansado como eu possa pegar uma sombra, olha, me arrisco até a dizer que não é má ideia.



(D. Selva - 11/04/2025)




Auto-retrato, de Francis Bacon (1977)



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