Nesse 24 de fevereiro de 2025, faz 50 anos que o Led Zeppelin lançou aquele que é considerado uma de suas obras-primas, e um dos melhores álbuns de rock de todos os tempos: o colossal Physical Grafitti.
Um cinquentenário denota uma passagem de tempo tão avassaladora, em dias atuais, que é absurdo comparar como a indústria da música mudou tanto, de 1975 para cá.
Naquela época, ainda imperava o disco de vinil, como produto fonográfico primordial, e fonte de material para o que seria veiculado nas rádios (outro símbolo do tempo) e nas apresentações ao vivo dos artistas. LP, como gente da minha geração chamava na época, era um troço caro. Era preciso separar caraminguás suados ou estar em data merecedora de presente, para poder levar aquele pedaço de sonho artístico para a sua casa, e para o seu aparelho de som com toca-discos (a "vitrola"). Se comprar um disco só já demandava grana, imagina um álbum-duplo, o preço que era. Música de tudo quanto é tipo e disponível full-time, só em formato virtual e por streaming, tão fácil como temos hoje na internet? - nossa, se você tivesse uma visão profética e dissesse que isso um dia aconteceria, seria chamado de doido.
O grupo composto pelos hoje lendários Jimmy Page (o líder e guitarrista), Robert Plant (vocalista), John Bonham (baterista) e John Paul Jones (baixista e tecladista) passava, nessa ocasião, a entrar para o seleto time de roqueiros que haviam atingido um certo nível na carreira que representava o status-of-the-art de sua produção, com bala na agulha para se aventurar a gravar e lançar um álbum duplo, que era um projeto com 2 discos de uma vez só, uma megaprodução contendo muito material original e diversificado para mostrar, um feito antes relegado a medalhões como The Beatles, Bob Dylan, Jimi Hendrix e Rolling Stones. Agora, o Led Zep tinha um álbum-duplo para chamar de seu.
Assim como em outras vezes, a banda se reuniu em 1974 na inóspita região campestre de Hampshire, na velha mansão Headley Grange, onde já haviam produzido a maior parte das canções do seu disco de 1970, o Led Zeppelin III. Para essa nova empreitada, traziam composições novas, mas também muita coisa que havia sido deixada de fora de trabalhos anteriores, como as pesadas e exuberantes "Houses of the Holy" e "The Rover" (que deveriam ter entrado no disco anterior do grupo) e temas mais ecléticos, como "Down by the Riverside" e "Bron-Yr-Aur" (que deveria ter saído também no terceiro disco, Led Zeppelin 3).
Fazendo parte do material mais novo, estavam a frenética "Trampled Underfoot", com destaque para os entrelaçamentos da guitarra de Page e os teclados de J.P. Jones, o soturno e intenso blues "In My Time of Dying", repleto de viradas e mudanças de tempo e até hoje a mais longa faixa já gravada pela banda, e aquela que rivaliza com o clássico "Stairway to Heaven" como a mais perfeita música já gravada pelo Led Zep, na opinião deles mesmos: a épica e apoteótica "Kashmir", um assalto sensorial e atmosférico inédito na abordagem do grupo, pauleira e ao mesmo tempo inebriada de melodias indianas e místicas. Essa inovadora obra-prima já valeria, por si só, o álbum inteiro.
Porém há mais: a melancólica "Ten Years Gone", repleta de nuanças e camadas sonoras que vão se sobrepondo umas às outras, de forma surpreendente para o desavisado ouvinte, a viajante e progressiva "In the Light", e o ataque frontal de hard rock puro em "Sick Again".
Para a também aclamada e criativa capa do álbum (e isso era um conceito artístico que foi se perdendo com a difusão do CD e da música digital, posteriormente), um trabalho do fotógrafo Peter Corriston, com recortes nas imagens das janelas do prédio, que revelavam nomes, expressões e figuras icônicas e marcantes do mundo pop e da história mundial: o astronauta Neil Artmstrong, a Cleópatra de Elizabeth Taylor, Lee Harvey Oswald (o suposto assassino de John Kennedy), o gorila King Kong, a Virgem Maria, e tantos outros... O prédio decadente retratado era o antigo e tétrico St. Mark's Place, do bairro East Village, de New York - que se tornaria famoso também por ser o cenário do clip de "Waiting on a Friend" (1981), dos Rolling Stones, e por lembrar muito o Edifício Dakota, lar de John Lennon na mesma cidade, e na frente do qual ele foi alvejado, A inspiração inicial foi a capa de um outro disco, Compartments (1972), do violonista latino Jose Feliciano.
Physical também tinha a primazia de ser o primeiro trabalho do grupo lançado sob o seu selo próprio, a Swang Song - uma mania de muitos artistas daqueles tempos, que tentavam com isso (muitas vezes, frustradamente) obter maior controle sobre a sua produção fonográfica sem as interferências dos selos de grandes gravadoras, possuindo um negócio próprio e mais lucrativo - como os Beatles, com a Apple Music, e os Rolling Stones, com a Rolling Stones Records. Como empresários, no entanto, a maioria desses pop stars acabava invariavelmente se revelando excelentes músicos.
O lançamento do álbum deu partida ao que seria uma das mais ousadas e lucrativas turnês do grupo, com datas em vários lugares da Europa e EUA - e até mesmo o Brasil iria rolar na época, pasmem, tentando entrar na era dos megashows internacionais após o sucesso de Alice Cooper por aqui em 1974, sendo que ocorreram tentativas de negociação de promotores locais com a banda, através do seu rotundo e agressivo empresário Peter Grant e do guitarrista Jimmy Page (que chegaram a vir no Brasil!), mas no final das contas não deu certo trazer eles: a exigência de custos e gastos com o transporte de equipamento e o staff da banda foi considerada excessiva pelos ainda inseguros empresários brasileiros, diante da recente ruína do "milagre econômico" do governo militar, e o medo de prejuízos milionários.
O próprio Peter Grant batia o pé e não admitia concessões, conforme noticiado na revista Pop daquele ano, famosa entre os jovens brazucas, e que havia espalhado a notícia de um possível show: "Se viermos, simplesmente fazemos questão de trazer o mesmo show que fazemos em qualquer parte do mundo... O mesmo som, com a mesma potência, os mesmos canhões de luz a laser, a mesma produção de palco. O Led Zeppelin honra os seus fãs e quer oferecer simplesmente o melhor a eles. Não faz parte de nosso jogo enganar a garotada e tomar o seu dinheiro."
Uau.
O Led Zeppelin havia provado que atingira o seu máximo, em termos de criatividade, de recordes de vendas de discos e shows, de popularidade, e no quesito gravações: Physical Grafitti passava a ser considerado um clássico instantâneo a partir do seu lançamento. Era o atestado de superioridade e potência de um grupo que construiu sua fama de modo totalmente diferente do que existia antes para os grupos de rock: sem pagamentos de jabá para rádios e nem babação de ovo para programas de televisão, sem dar moral para os ataques gratuitos da imprensa sempre ranzinza, e galgando seus degraus de popularidade no boca-a-boca dos fãs, lançando seus discos sem nenhum compacto ou música de trabalho calculada para fazer sucesso comercial. Tudo era na base do "grave e caia na estrada pro show", simples assim, "o artista tem que ir aonde o povo está", e do jeito que eles bem entendiam, sem ficar tentando adular ninguém, nenhum veículo da mídia.
Sucesso puro e autêntico, como não se vê mais no meio, há muito e muito tempo.
Como sugere o título de uma excelente biografia escrita sobre eles pelo jornalista Mick Wall, uma das melhores da banda, eles eram "gigantes que caminhavam sobre a Terra".
E neste exato momento do aniversário de um de seus trabalhos mais famosos, o grupo passa também por um novo revival midiático, com o lançamento da primeira cinebiografia oficial, que já é sucesso nos cinemas com tecnologia IMAX no mundo inteiro, e deve estrear no Brasil no próximo dia 27 de fevereiro: Becoming Led Zeppelin, um filme que não deve tratar do período de Physical, em que eles já reinavam, mas que trará entrevistas exclusivas e inéditas de todos os membros da banda (incluindo o falecido batera, John Bonham), e uma análise, ricamente ilustrada visual e sonoramente, do início do grupo e a escalada deles rumo à fama (período entre 1968 e 1971).
Physical Grafitti, por sua vez, foi o seu auge e momento absoluto. Depois disso, viria a fase do sinuoso e trágico declínio. Nunca mais as coisas foram as mesmas para o Led Zeppelin.
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