Fãs da sétima arte no mundo todo ainda se recuperam da perplexidade e do susto mediante a morte - infelizmente ocorrida em ainda misteriosas circunstâncias - do grande ator Gene Hackman, uma das últimas lendas de uma época brilhante do cinema norte-americano.
Encontrado morto junto com a sua esposa e um dos cães do casal, na residência deles em Santa Fé, Novo México, onde o ator estava em vida reclusa e longe dos holofotes, desde a sua aposentadoria em 2004, Hackman era uma daquelas celebridades que detestava falar sobre a sua vida pessoal, concentrando todas as suas falas e esforços tão somente no seu ofício, que ele tanto amava: atuar. Apesar disso, não se furtava de, em algumas entrevistas, relembrar com galhardia o início de carreira ao lado de outra fera, também aposentado, Jack Nicholson, com quem estudou na escola de artes, e contava que ambos gostavam de estar lá mais para ter uma chance de cenas em que beijariam as mocinhas aspirantes a atriz, do que para qualquer outra coisa.
Ainda assim, as atuações pungentes e realistas de Hackman, contidas em certos momentos, e carregadas de maneirismos e arroubos de dramaticidade em outros, elevaram tal métier a um outro status, principalmente na época dos filmes da Nova Hollywood, em que seu trabalho junto a diretores fantásticos e revolucionários, como Coppola, William Friedkin e Arthur Penn, fez a grande diferença. Vindo de uma infância trágica - o pai abandonou o lar ao ir comprar cigarros, literalmente, e a mãe era uma alcoólatra irremediável, falecida em um incêndio provocado por ela mesma - Hackman apostou todas as suas fichas na carreira de ator, e nos entregou performances clássicas e icônicas, que jamais serão esquecidas: o sarcástico policial Jimmy Popeye, de Operação França (The French Connection, 1971, seu primeiro Oscar), o tímido e tenso detetive particular Harry Caul, de A Conversação (The Conversation, 1974), a versão mais narcisista e genialmente megalomaníaca do vilão Lex Luthor, no clássico Superman - o filme, de 1978, e alguns anos depois, o maligno xerife Bill Dagget, no papel que lhe renderia seu segundo Oscar, em Os Imperdoáveis (The Unforgiven, 1992).
Amigos e colegas de trabalho, através das palavras emocionadas de Morgan Freeman no palco, prestaram a ele uma homenagem merecida nessa última noite de cerimônia do Oscar, de 2 de março de 2025. Noite essa, aliás, repleta de outras grandes emoções, e que já entrou na história especialmente para nós, brasileiros.
Mas, antes de chegarmos a esse assunto, não há como deixar de falar da Academia e de suas já muito comentadas e longevas manias, de fazer surpresas e não esconder suas tendências e critérios vergonhosos. Assisti dias antes a notável cinebiografia do início de carreira do icônico cantor e compositor Bob Dylan, Um Completo Desconhecido (A Complete Unknown, 2024), do diretor James Mangold, com um absurdamente ótimo Timothée Chalamet no papel principal.
É um filme delicioso e obrigatório para qualquer fã de Dylan, com uma excelente reconstituição de época, uma Monica Barbaro linda e convincente como Joan Baez, Edward Norton recuperando sua força dramática no papel de Pete Seeger, mas acima de tudo isso, uma performance poderosa de Chalamet como o protagonista! O rapaz se dedicou, por 5 anos, num esforço notável para personificar todos os trejeitos de Dylan em seu modo de falar, andar, cantar e tocar. Um trabalho fantástico, que mereceu a indicação ao prêmio - mas não o mesmo, pois no final das contas, quem ganhou o Oscar de melhor ator foi Adrien Brody, por sua atuação no drama sobre refugiados O Brutalista.
Como bem disse Giancarlo Galdino, do site cultural A Bula (leia aqui), de cara foi uma das maiores injustiças já cometidas pela Academia, visto que Chalamet se empenhou, tem uma atuação caprichada e primorosa no filme, e Brody tem aquela pecha de "queridinho coitado" da Academia para filmes de época, basta se sair um pouquinho melhor em algum papel melancólico de filme lacrimoso, que já ganha a estatueta, reincidente que é: repetiu o feito de 2002, quando levou a estatueta por sua atuação em O Pianista, um filme perceptivelmente melhor do que esse recente que estrelou. E que agora tem um sério agravante, para o qual a Academia vergonhosamente passou pano: as falas de algumas personagens de O Brutalista foram "remixadas/melhoradas" com uso de IA (inteligência artificial), incluindo a voz do próprio Brody, para acentuar os sotaques estrangeiros. Shame on you, Academia! Então quer dizer que você tapa os olhos para essa influência odiável, que foi a causa de uma das maiores greves de profissionais da indústria do cinema em 2022/23, ainda baba ovo e premia esse filme e esse ator, e esnoba um Chalamet jovem, que está dando o sangue para ser reconhecido, e se recusando a usar qualquer ajudinha de sistema de computador? Repito: shame on you, Academia do Oscar, que vergonha.
Injustiças à parte, isso e mais algumas coisas espelham bem o panorama atual de cafajestice que a produção cinematográfica atual vive. Apesar do mais do que merecido Oscar de melhor filme internacional que o Brasil finalmente conseguiu lograr, com Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, a despeito da derrota de melhor atriz de Fernanda Torres para Mikey Madison, do ultra-prestigiado (e talvez, superestimado) Anora, de Sean Baker, existem algumas coisas tristes e ainda incômodas a se considerar sobre o cinema nacional, principalmente.
Obviamente que foi uma noite maravilhosa e de vitória para o Brasil, ainda que Fernandinha não tenha conseguido o Oscar de melhor atriz pra vingar a derrota da mãe dela também, há 26 anos atrás, que concorria por A Central do Brasil, também de Walter Salles, mas que perdeu injustamente na época para a americana Gwynet Palthrow, do filme Shakespeare Apaixonado, dona de uma atuação tão empolgante quanto o recital de um sonâmbulo entupido de Rivotril para um bando de formigas no quintal da casa.
Ou seja, vencemos finalmente um Oscar de muito prestígio para o país? Sim, conseguimos. Mas o Oscar continua sendo bem bairrista em algumas categorias, como essas de atuação. E a produção cinematográfica nacional continua burra, caótica e descontrolada, como bem explica o crítico Jurandir Gouveia, em sua fantástica análise sobre os deslizes e devaneios financeiros do Ministério da Cultura e sua subsidiária Ancine, nessa terra brazuca de Meu Deus, que tem muito, mas muito mais potencial mesmo (como bem atesta a vitória de Ainda...) para fazer e lançar coisa boa e com chances de lucrar ainda mais nos cinemas daqui, concorrer e ganhar prêmios e reconhecimento lá fora, mas fica presa a nichos culturais reducionistas e ideológicos, e não procura fiscalizar e estimular melhor outras linhas e vertentes criativas, que diversificariam (e muito) o cinema nacional, enriquecendo a nossa produção.
Se você é uma pessoa que gosta de verdade de cinema, e gostaria de ver o nosso cenário mudar realmente depois desse êxito carnavalesco no Oscar 2025 (esse é o momento de fazer valer essa chance), tire um tempinho de sua vida para ver o que o Jurandir fala aqui nesse vídeo do seu canal: https://www.youtube.com/watch?v=iMWzKVrMYjc .
E depois volte aqui para comentar comigo se ele não está certo.
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Eu só acho uma pena Um Completo Desconhecido não ter levado nada.
ResponderExcluirIdem ao cubo
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