Neste mês de maio de 2025, faz 40 anos que foi lançado um dos maiores sucessos do cinema de ação até hoje: Rambo 2 - A Missão, filme de George Pan Cosmatos, com o astro Sylvester Stallone como protagonista, reprisando papel que já havia desempenhado três anos antes, no filme Rambo - Programado para Matar (First Blood, 1982).
Hoje, como se tornou fato da mitologia pop e muitos já sabem, o romance original que deu origem ao personagem, lançado pelo autor canadense David Morrell, ainda num distante 1972, retratava um barbudo e quase maltrapilho veterano da guerra do Vietnam chegando a uma cidade no interior do Kentucky (EUA), sendo hostilizado pela população e, principalmente, pela polícia do lugarejo.
Chamado Rambo (o nome John Rambo seria uma invenção do filme, anos depois), ele procura por um bom lugar para descansar e comer, e apesar de carregar as insígnias de um autêntico herói dos campos de batalha, ele é preso e torturado, no que seria considerada uma das mais duras e tocantes críticas à forma como a nação norte-americana passou a tratar aqueles que estavam retornando de um episódio moralmente dúbio e reprovável, a "guerra comprada" de Nixon e seus asseclas políticos, um conflito no qual o Tio Sam se meteu sem precisar, por pura ideologia política, e condenado pela opinião pública, devido aos gastos milionários em uma época de extrema crise social e recessão econômica. Essa reação ao "pária" da guerra, o indivíduo agora considerado vagabundo e desajustado, que não consegue se reintegrar à sociedade normal depois que virou militar bicho do mato, é centralizada na figura do xerife local, Will Teasle. Ele é o antagonista do personagem.
Humilhado e acuado, Rambo então foge da cadeia e revida, voltando a se tornar justamente o bicho do mato selvagem e agressivo que aprendeu a ser nos campos de batalha, na luta pela sobrevivência nas selvas do Camboja: com armas rudimentares, e truques de tática militar e armadilhas, ele enfrenta sozinho toda a força policial, que passa a caçá-lo com cães, helicópteros, e a ajuda da Guarda Nacional, nas regiões de floresta próximas ao local, até conseguir voltar à cidadezinha e enfrentar o xerife em sua própria delegacia, num final violento e apoteótico, mas que traz ao leitor profundas reflexões sobre os horrores psicológicos infligidos pela guerra, o abuso de poder das autoridades, seus preconceitos, e o caos social que advém de tudo isso.
De modo a evitar os sempre indesejáveis spoilers (caso alguém queira ler o livro), pode-se apenas dizer que o final desse livro e do filme que Stallone estrelou em 1982, baseado nele, são muito diferentes. E que, apesar do diretor do primeiro filme do Rambo, Ted Kotcheff, ter declarado em entrevistas posteriores de que gostaria de ter filmado a história de um modo semelhante ao enredo original do livro, ele acabaria revelando que, por sugestão do próprio Sylvester Stallone, algumas coisas tiveram que ser alteradas. O filme fez relativo sucesso, Stallone havia gostado bastante de interpretar o personagem, e achava que ele tinha potencial e chance para que uma sequência mais ambiciosa fosse produzida, algum tempo depois.
É aqui, então, que chegamos ao impacto que Rambo 2 provocou, nas audiências e na mídia do mundo inteiro, quando chegou aos cinemas, naquele ano de 1985. O sucesso e a polêmica andaram lado a lado, e igualmente, na trajetória dessa obra milionária, que faturou de cara 44 milhões de dólares, se tornando um filme icônico, assistido e comentado por toda parte, e que transformou o personagem em uma das três maiores marcas registradas do ator Sylvester Stallone em sua carreira - as outras duas sendo Rocky, o lutador, e em menor escala, o policial do violento filme Cobra (de 1986).
Vejamos o contexto sócio-político em que os EUA se encontravam, em plena gestão do presidente republicano Ronald Reagan (1981-1989), na qual era pungente a preocupação com o resgate de fortes símbolos patrióticos, um maior impulso para reerguer a economia e o protagonismo do país, como um forte e ainda combativo paladino contra a ameaça dos países comunistas, no âmbito da Guerra Fria. Era vital restaurar a sua imagem de hegemonia bélica, se opondo ao papel do Kremlin e da União Soviética (que começaria a ruir a partir daquele ano, com a ascensão de Mikhail Gorbachev ao poder). A serviço de Washington, através de seus dólares e contatos congressistas, Hollywood e as grandes produtoras tinham no cinema uma força perfeita de propaganda e expansão desses ideais.
Comungando com tais princípios, Stallone já estava comprometido a promover um autêntico "resgate" do herói americano imbatível, e incrivelmente se baseando em uma história que havia sido filmada pelo mesmo Ted Kotcheff, diretor do seu primeiro filme como Rambo, Uncommon Valor (no Brasil, De Volta para o Inferno), de 1983, com Gene Hackman no elenco, ele estava disposto a fazer o veterano combatente por quem ele tinha fascínio voltar à ativa, e desta vez, retornando ao Vietnam!
Necessário dizer que, assim como outros artistas daquele período, Stallone estava tão alinhado com as ideias patrióticas em voga, que até mesmo o quarto capítulo de sua famosa saga do lutador de boxe, que sairia ainda no final daquele ano (Rocky IV), aludia à Guerra Fria, e trazia o célebre pugilista enfrentando no ringue ninguém menos que... um russo - Ivan Drago (interpretado por Dolph Lundgren), uma máquina comunista anabolizada para moer na pancada adversários do Ocidente!
Agora, um relutante (mas ainda cheio de mágoa e ódio) John Rambo, ruminando tudo o que viveu, todo o desprezo da sociedade, e toda a tristeza de memórias das pessoas queridas que perdeu na guerra, deveria aceitar a missão de voltar lá, para resgatar companheiros americanos ainda prisioneiros de guerra em acampamentos vietnamitas militares, sobre os quais havia pistas descobertas por um grupo especial comandado pelo seu amigo veterano, o Coronel Trautman (Richard Crenna).
E, sim, é justamente isso que acontece, para quem ainda não viu o filme até hoje: Rambo volta ao Vietnam, liberta e arrebata os prisioneiros americanos, toca o terror geral, e de certa forma, ganha (sozinho) a guerra que seu país não ganhou - conforme várias publicações da época citavam. (Aqui preciso dizer: não há spoiler nenhum em falar isso, pois são públicas e notórias as outras continuações que Rambo teve depois, tornando óbvio que o personagem vence no final desse segundo filme).
No panorama das artes cinematográficas, vivíamos um cenário em que viraram tendência e sensação os filmes protagonizados pelos chamados 'brutamontes' da ação, seres invencíveis que distribuíam murros, tiros e bombas a torto e a direito, e que passavam a ter os astros Sylvester Stallone e Arnold Schwarzenegger como seus luminares máximos. Eram bastante criticados pela imprensa especializada, devido à propalada "capacidade dramática mínima" de suas atuações, e pela enorme quantidade de violência e situações consideradas canhestras ou inverossímeis, nos filmes. Músculos demais, cérebros de menos, porrada e explosão comendo solta pra tudo quanto é lado, e dá-lhe blockbusters e o dinheiro jorrando nas bilheterias, uma época dourada para as produtoras que não volta mais (hoje se compara, talvez, somente aos filmes de heróis de quadrinhos, Marvel e DC - mas até isso já não é como antes).
Necessidades de "suspensão da realidade" à parte, devo dizer que 'Rambo 2 - A Missão', assistido hoje sem os arroubos de emoção e animosidade política do passado, pode ser tecnicamente considerado uma boa película de ação, com cenas de confronto e tensão excelentemente orquestradas, montagem dinâmica, um roteiro bem conduzido com certa eficácia e agilidade, e saídas argumentativas plausíveis e coerentes, superando com tranquilidade muita coisa ruim que vem sendo produzida em termos de filmes de ação e aventura, recentemente. O discurso de Rambo no final do filme, reclamando das desventuras que teve que passar para resgatar os soldados prisioneiros, e quase tendo a sua missão sabotada, foi considerado piegas por muitos. Hoje, eu diria que foi um esforço admirável de Stallone em dar o sangue para rodar uma tomada de cunho mais dramático e emocional, condizente com o tom da mensagem que o filme pretendia passar. Essa entrega, nos filmes de hoje, a gente não vê.
O que pode tornar o filme um pouco incômodo, para certas plateias atuais, detentoras de um olhar mais crítico, é o fato de que, apesar de seus agora 40 anos de idade, ainda pode ocorrer uma identificação ideológica com a sua simbologia pregressa, tendo em vista a atual geração do poder norte-americana.
O recorrente desejo de superação (ou recuperação) dos EUA, na figura de seu atual presidente (também republicano) Donald Trump, acirrando uma verdadeira guerra comercial com os países do restante do mundo, para garantir o sucesso de uma política cambial agressiva (e arriscada) de fortalecimento do mercado interno norte-americano, ao mesmo tempo em que toma frente em campos de batalha externos diversos (como a questão da Palestina e da Guerra da Ucrânia), passa a projetar o país novamente como um mártir libertador do Ocidente e do liberalismo moderno, deixando transparecer o receio de se curvar diante de uma "ameaça" de tons vermelhos, a China emergente, potência nascida como um império comunista, que agora tudo domina, tudo vê, e em tudo se expande e se adapta (IA e tecnologias, principalmente).
Mais uma vez, os EUA se encontram ameaçados. "Oh, quem poderá nos salvar?". Periga não ser o Trump, o Musk, e nem mesmo o Chapolin Colorado.
Em tempos de desespero e ansiedade para retomar a glória e o tempo (dinheiro? bitcoins?) perdido, até que viria a calhar uma espécie de Rambo da geração Z, em uma nova roupagem, alusiva àquela de peitoril malhado, facão e fuzis de outra encarnação, mas que no lugar desses itens, simplesmente lançasse mão de um arsenal vigoroso e absurdo de vírus, fake news, ferramentas de IA e drones, de forma a derrubar e exterminar qualquer sistema de defesa considerado um inimigo da "liberdade".
--- x ---
Quer fazer parte do nosso grupo de WhatsApp, e receber nossas postagens e matérias fresquinhas, assim que saem, para ver direto no seu celular? Vem, acho que você vai gostar!
Nenhum comentário:
Postar um comentário