Rumores de uma nova turnê dos Rolling Stones começam a pipocar na imprensa, por estes dias. É impressionante, os caras não se cansam. Quanto tudo parece apontar para a definitiva aposentadoria deles, algum anúncio surge, e pronto, eles estão gravando ou tocando mais uma vez.
Por mais longeva que seja a carreira dessa lendária banda, aparentemente eles nunca conseguirão sair, ou escapar, do espectro mítico das primeiras fases de sua trajetória como ícones do rock, lá pelos idos da década de 1960. E quando nos referimos a isso, aos seus dias áureos de ousadia e vigor juvenil, é inevitável enxergá-los sob a aura do seu primeiro integrante de destaque, aquele considerado o grande "avatar" da aventura e rebeldia stonianas, e lembrado como o legítimo fundador do grupo: o esteticamente angelical, mas intrinsecamente problemático, Brian Jones.
Lá se foram 55 anos de sua passagem para o além, ocorrida de forma abrupta em 3 de julho de 1969, e sua etérea figura loira e magnética ainda permeia o imaginário coletivo, de fãs dos Stones e do rock clássico, em geral.
Exímio, irrequieto, inovador e criativo na guitarra, Jones vinha de uma sólida base de admiração pelo blues norte-americano, que fascinava tantos garotos na Inglaterra do pós-guerra, e que o levaria a se juntar com outros que comungavam de tal paixão: Mick, Keith, Charlie e Bill - e que adotariam o nome cunhado pelo próprio Jones para a banda - Rolling Stones, baseado na letra de um blues de Muddy Waters, "Rolling stones gather no moss" (pedras rolantes não criam limo). E foi também sob a orientação musical dele, com seus ritmos e riffs se entrelaçando com os de Keith Richards, num dos primeiros grandes trabalhos de duas guitarras na história do rock, que o som do grupo tomou a sua primeira grande forma original.
Em um dos mais recentes documentários sobre a sua vida, The Stones and Brian Jones (produzido pela BBC), destaque é dado ao fato de como, nos primeiros anos de sua rápida carreira, ele era um rapaz fino e calmo, sensível, um autêntico gentleman, mas que com o passar dos anos, sob a influência de diversos fatores ligados à fama, e somados à carência que ele tinha de uma maior atenção de sua família, terminaram por corromper a sua persona original, e o fizeram se afundar cada vez mais e mais na insegurança e nos estupefacientes químicos.
Jagger e Richards foram induzidos (praticamente obrigados) a compor músicas próprias para o grupo. Jones não compunha nada - talvez por insegurança, talvez porque simplesmente não tivesse vontade. E isso foi determinante para que ele perdesse a sua posição de liderança.
Durante um determinado período, compreendido entre 1965 e 1967, Jones ainda faz o que pode para garantir certo protagonismo nos Stones, graças à sua tremenda naturalidade e talento como multi-instrumentista: além da guitarra, o cara sabia tocar aparentemente de tudo, e muito bem. É considerada por muitos como a era artisticamente mais rica e inovadora no som do grupo, e Jones explora o mais que pode - saltério na lírica balada medieval "Lady Jane", marimbas no hit "Under My Thumb", flautas e dulcimer na intrincada e semi-erudita "Ruby Tuesday", e cítara em "Paint it Black" - mostrando que ele e George Harrison dos Beatles estavam lado a lado na predileção pelos sons orientais da Índia.
Mas o progressivo envolvimento com drogas (culminando na fatídica prisão e problemas com a justiça inglesa, em 1967), aliado à piora de suas condições psicológicas, acabam encaminhando Brian Jones para o fundo do poço. Reclusão, neuroses e mania de perseguição, ataques de pânico, e introspecção cada vez mais severa - os episódios depressivos do músico o levam a se esquecer, faltar ou simplesmente se recusar a comparecer a diversos compromissos com a banda dali em diante. Mudanças bruscas de humor e temperamento - passava a ser cada vez mais agressivo com suas namoradas, ao ponto da violência física e comportamentos abusivos. De repente, no instante seguinte, ele já estava chorando arrependido, rastejando e implorando por desculpas, como se tomado por um autêntico conflito de personalidades, ou até mesmo bipolaridade, algo que na época nem era estudado ou bem compreendido pela sociedade.
Tudo isso e diversas crises fizeram com que seu destino em relação aos Stones fosse selado.
No sétimo álbum do grupo, lançado em 1968, o lendário Beggar's Banquet, ainda podem ser ouvidas esparsas contribuições de Jones, mas o produtor do disco, Jimmy Miller, se lembra que ele comparecia esporadicamente ao estúdio para gravar as suas partes, e que um dia, ao chegar tão chapado e aéreo que ele simplesmente insistia em gravar cítara em uma música que não tinha nenhum espaço para esse instrumento, Mick Jagger recomendou a Miller que ele fosse isolado em uma cabine do recinto e deixassem ele tocando o que quisesse por lá, fazendo de conta que ele estava sendo gravado, numa das mais cruéis demonstrações de como ele vinha sendo tratado pelos colegas na época. Sem graça com a situação, Miller pergunta a Jagger o que ele faria se Jones descobrisse a "manobra". Ao que o cantor simplesmente responde, friamente: "Fala pra ele parar de encher o saco e manda ele cair fora daqui logo em seguida".
Na prática, Jones já era um ex-Stone.
Ainda assim, na maravilhosa balada "No Expectations", tida como um dos melhores momentos do álbum, pode ser ouvida a belíssima slide guitar de Jones, uma de suas especialidades, naquele que acabaria sendo de fato o seu último momento mágico na discografia da banda.
1969 chega, e com ele, se agrava a cada vez mais inconstante participação do guitarrista no grupo. Finalmente, em 8 de junho daquele ano, ocorre uma famigerada visita de Mick, Keith e Charlie Watts à propriedade rural onde Jones está morando (Cotchford Farm), para anunciarem que ele está fora da banda, e que os Stones seguirão sem ele. Apesar da tensão inicial do momento, o desligamento é amigável, Jones parecia já prever a situação, e terminam a reunião sorrindo e desejando boa sorte uns aos outros. Por mais louco que parecesse, era isso: o criador dos Rolling Stones fora demitido de sua própria banda.
Apenas alguns dias depois, o jornalista Thomas Beyl, da revista alemã Bravo, consegue aquela que seria a última entrevista de Brian Jones.
Jones então se põe na defensiva novamente: "Diga a eles que estou montando uma nova banda. Estrearei um novo projeto. Eles gostarão! Talvez seja algo mais instrumental, talvez eu só produza. Mas é música de verdade, um novo estilo. Dentro dos próximos dias vamos decidir tudo". Ele saca um LP que está numa caixa próxima da sala onde estão conversando - é o lendário Brian Jones Presents the Pipers of Joujouka, uma experiência com músicos e flautistas indianos que ele gravou no ano anterior, em uma visita a Marrakesh. Durante muitos anos, antes da era do CD e da música digital, esse foi um dos discos mais raros e procurados por colecionadores, no mundo inteiro. "Vou compor e lançar minha própria música nesse estilo. Ficarei rico, assim como Mick e Keith estão agora!", fala Jones com um misto de leve empolgação e amargura, enquanto põe o disco para tocar. Durante vinte minutos de flautas e percussões, Jones elogia e fala sobre aquelas tendências. Ele se exalta e acredita no sucesso daquilo. Mas Beyl não. Ele termina a entrevista, agradece, e sai dali triste e cabisbaixo, com uma persistente impressão de que Jones está indo para um lado muito errado...
Em apenas 3 semanas Brian Jones estaria morto, seu corpo encontrado afogado e inerte na piscina dessa sua imensa propriedade rural. Polêmicas, teorias conspiratórias, e muitas acusações ocorrem, em cima da pessoa de um pedreiro, Frank Thorogood, que havia sido contratado para uma reforma no lugar, e com quem Jones teria se desentendido no dia anterior. A verdade definitiva, mediante um laudo feito às pressas, e as tendências autodestrutivas de Jones com seus vícios, nunca saberemos. Assim como nunca saberemos se as ideias e concepções desse genial músico, para os "sons do futuro" que ele estava a bolar, realmente vingariam.
Dois dias depois, os Stones voltam a tocar ao vivo com o concerto grátis no Hyde Park, de Londres, um recorde de público para a época, e resolvem fazê-lo como uma homenagem ao recém-partido Brian Jones. Ali, eles lacram de vez a primeira fase de suas carreiras no caixão com o seu fundador, e se colocam prestes a iniciar um novo capítulo na saga do grupo.
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