Ainda inspirando mistério e cogitações em torno de qual será a sua próxima - e anunciada como última - produção cinematográfica, um dos mais talentosos e aclamados cineastas norte-americanos contemporâneos, Quentin Tarantino, permanece sendo objeto de estudo e análises de cada vez mais cinéfilos e estudiosos dos cursos de cinema, e amantes da sétima arte.
O universo que ele construiu através de seus célebres filmes - obras como Cães de Aluguel (1992), Pulp Fiction (1994), Kill Bill (partes 1 e 2, 2003), Bastardos Inglórios (2009), Era Uma Vez em Hollywood (2019) e outros, só para citar alguns - concentra a visão genial de um criador e esteta da arte de transportar para as telas personagens muito peculiares, e repletos de características como a verborragia e extrema violência, numa substancial carga de emoções em cenas que são, muitas vezes, citações de outros gêneros e momentos do cinema, sempre ligados a um amálgama da cultura pop que Tarantino tanto revisita, urde, e reinventa, em sua mente.
O cara trabalhou como assistente de videolocadoras durante muitos anos em Los Angeles, meca do cinema, enquanto criava roteiros e mais roteiros que bebiam naquela magistral fonte caótica vinda de uma enxurrada de filmes B, spaghetti westerns, filmes orientais de kung-fu, e grandes clássicos do cinema americano e europeu, dos mais variados, dos quais Tarantino era fã e devorava vorazmente, assistindo repetidas vezes, que foram fervilhando e se misturando num caldeirão de referências, que só podia dar mesmo nas obras tresloucadas que ele passou a posteriormente dirigir.
Hoje vamos abordar aqui algumas dessas obras - a maioria bem obscuras, por sinal - que acabaram sendo (re)descobertas por muita gente, graças ao fato de terem sido referenciadas e servido de inspiração para Tarantino, em momentos marcantes de alguns de seus melhores filmes. É uma pequena coleção que, caso vocês encontrem por aí, nos streamings ou "meuspuloflix" da vida, vale bastante a pena conferir.
Fugindo do Inferno (The Great Escape, 1963)
Esse clássico americano dos filmes de guerra, que enfoca um grupo de prisioneiros tentando escapar de um campo de concentração nazista durante a Segunda Guerra Mundial, tem uma cena retrabalhada digitalmente no filme Era Uma Vez em Hollywood, de Tarantino, para justificar que o personagem de Leonardo DiCaprio, Rick Dalton, teria uma tentativa frustrada de conseguir o papel no lugar do astro Steve McQueen. No mesmo filme, aliás, McQueen também participa da trama, mas desempenhado pelo ator Damian Lewis , incrivelmente parecido com ele.
Django (1966)
Assalto ao Trem Blindado (Inglorious Bastards, a.k.a. Quel Maledetto Treno Blindato, 1978)
Enzo G. Castellari (86 anos) é um dos mais cultuados diretores italianos de filmes de ação de baixo orçamento, autor de "clássicos" da rapinagem que imitavam filmes americanos, e que chegaram a fazer bastante sucesso no Brasil, como Os Guerreiros do Bronx - de 1982, imitação de "Fuga do Bronx", do ano anterior, de John Carpenter, com Kurt Russel - e O Último Tubarão - 1984, picaretagem na onda dos filmes da série "Tubarão", e que alguns engraçadinhos chegaram a lançar aqui na época como se fosse o "Tubarão 4". Mas antes, durante a década de 70, Castellari chegou a rodar alguns filmes brutos bem interessantes e bem classificados, como o faroeste Keoma (1976, com o Django original, Franco Nero), e este exemplar do cinema de guerra e ação que se chamou "Assalto ao Trem Blindado", no Brasil - um dos melhores do gênero já feitos na Itália - e que, sabe-se lá porque, nos EUA, foi batizado de Inglorious Bastards. Fanzaço do filme, que em tempos idos ele deve ter rodado no videocassete até furar a fita, Tarantino rendeu uma homenagem usando somente o mesmo nome para batizar o seu genial filme de guerra de 2009, mas cuja trama, apesar de também ambientada na Segunda Guerra Mundial, é totalmente outra.
Foxy Brown (1974)
Pode-se dizer que a Jackie Brown original, do filme lançado por Tarantino em 1997 - uma obra um pouco menor, em sua filmografia - traz de volta quase a mesma personagem interpretada pela poderosa Pam Grier, musa do cinema blaxploitation de ação dos anos 70, cujas fitas atraíam a marmanjada na base da porrada/nudez/vingança. Neste filme, ela é uma moça que se infiltra em uma rede de prostituição em busca de... (surpresa) vingança!
Vingança na Neve (Lady Snowblood, 1973)
Sabe aquela sequência final de Kill Bill Vol. 1, em que a personagem Noiva (Uma Thurman) enfrenta a guerreira samurai O-Ren (Lucy Liu)? Pois bem: todinha baseada em cenas desse clássico japonês do cinema de ação, um dos mais cultuados e estilizados dos anos 70, com a cantora/atriz Meiko Kaji no papel de uma jovem guerreira vingando a morte de sua mãe.
A Arma Secreta contra Matt Helm (The Wrecking Crew, 1968)
Filme americano da reta final dos anos sessenta que servira de veículo para o ator/cantor Dean Martin, outrora famoso pelos filmes em parceria com o comediante Jerry Lewis, mas que já entrava numa fase mais decadente. O filme explorava aquele filão das fitas de ação e espionagem, tão popular graças à então recente série britânica do agente 'James Bond 007' - na época, ainda com Sean Connery no papel. Mas o grande atrativo deste filme mesmo seria a belíssima e emergente atriz esposa do cineasta Roman Polanski, Sharon Tate - no papel de uma ajudante do espião Matt Helm, interpretado por Martin - que se vangloriava então de ter rodado ela mesma todas as cenas de ação com lutas marciais (com coreografia de, vejam só, ninguém menos que Bruce Lee!), e que estava aparecendo cada vez mais na mídia, numa carreira em que ainda iria brilhar muito. Até que infelizmente aparecessem os maníacos do grupo de Charles Manson na casa dela, e... Este filme e toda a trajetória de Sharon foram mote para o roteiro do, até o momento, último filme de Tarantino, o ótimo Era Uma Vez em Hollywood, e cenas com a Sharon Tate real (que no filme é interpretada por Margot Robbie) chegam a aparecer em alguns trechos.
Até no Inferno Irei à Tua Procura (Dinamite Jim, 1966)
Produção ítalo-espanhola que serviu de referência para o personagem de Rick Dalton (DiCaprio) no filme "Era Uma Vez...", de Tarantino, e sua ida para a Itália para rodar faroestes spaguete e filmes de ação bruta, como uma forma de tentar recuperar sua carreira - a exemplo do que vários atores americanos decaídos e sem boas propostas de trabalho estavam fazendo na época. Esta é bastante obscura, e tem como destaque a canção-tema do popular cantor Nico Fidenco.
O Mestre da Guilhotina Voadora (Master of the Flying Guilotine, 1976)
Os Violentos Vão para o Inferno (Il Mercenario, 1968)
Outro faroeste espaguete, também com o lendário Franco Nero, que inspirou bastante os personagens não só de Django Llivre, mas também de Os Oito Odiados, o outro western de Tarantino, de 2015. Aqui, o plot é um mercenário (personagem de Nero) que planeja um grande atentado contra as forças do governo do México. Muito sangue, violência, e personagens sádicos e cínicos, bem do jeito que Tarantino gosta.
Morte em Fuga (Death on the Run, a.k.a. Moving Target, 1967)
Este é um filme italiano do gênero policial com o ex-astro americano de séries de TV Ty Hardin, que migrou para a Europa para reerguer sua carreira - beeem ao estilo Rick Dalton, do filme Era Uma Vez em Hollywood mesmo - e que possui algumas sequências de perseguição automobilística muito doidas, cujos recortes foram também utilizados por Tarantino em cenas de seu filme, como se o personagem do Leonardo DiCaprio estivesse atuando nelas.
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Tarantino é para mim uma das melhores coisas que surgiram no cinema durante a decada de noventa.
ResponderExcluirConcordo plenamente!
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