domingo, 4 de agosto de 2024

FILME "DE JOVEM"

 
Curtindo a Vida Adoidado (1986)


Já faz um bom tempo que a indústria do cinema, esse bichão comercial e multimilionário, descobriu um dos seus mais rentáveis filões, assim como a indústria da música, aprendendo a criar espetáculos atrativos para um determinado nicho etário. E a isso convencionamos chamar de "filme de jovem", como uma espécie de subgênero que conseguiu gerar produções que, de certa forma, captaram o espírito de uma época, retratando gírias, anseios, modas, manias e estilos de vida de gerações que se encontravam naquele delicado período entre os 16 e 24 anos de idade.

A seguir, uma seleção bem analisada e sucinta de alguns dos filmes "de jovem" que melhor representaram "a galera", na época em que foram produzidos e lançados.


- O SELVAGEM (The Wild One, 1953)

Abrindo a lista no calor daqueles tempos do pós-Segunda Guerra nos EUA, temos ninguém mais, ninguém menos que o "poderoso chefão" da atuação... sim, ele mesmo: para quem ainda não sabe, a lenda Marlon Brando foi a estrela principal daquele que pode ser considerado o primeiro grande filme a atrair a massa jovem para os cinemas, como uma espécie de revolução cultural e de costumes, baseada no culto às motocicletas. Brando interpreta Johnny nesse clássico em preto-e-branco, líder de uma gangue de motoqueiros que invade uma cidadezinha do interior e, para o terror de todos, causa bastante baderna e entra em confronto com uma gangue rival, liderada por um Lee Marvin também ainda bem jovem. Este foi o quinto filme da carreira de Marlon Brando, e em sua biografia lançada em 1994, Canções que Minha Mãe me Ensinou, ele revela que nunca achou que essa produção tenha resistido à prova do tempo, e que foi um produto típico de sua época, em que os jovens procuravam novas maneiras de se afirmar e de desafiar os mais velhos e as autoridades - como ele era conhecido pelo seu estilo mais vigoroso e natural de atuar, desde o teatro, ele acabou sendo escolhido para o papel e foi um grande sucesso. 

- SEMENTES DA VIOLÊNCIA (Blackboard Jungle, 1955)

O "tal rock and roll' estava galgando seus primeiros degraus nas paradas de sucesso, com os seus primeiros grandes ídolos (Elvis Presley, Chuck Berry e Little Richard), justamente como um reflexo da rebelião juvenil que começava a ser sentida na sociedade ainda muito tradicional da década de 1950, e de repente, surge essa película que causou considerável barulho na época, por mostrar uma célebre cena de quebra-quebra de alunos em uma high school, ao som de um dos hinos do estilo: "Rock Around the Clock", um dos primeiros hits nº 1 da origem do rock and roll, executada pelo caipirão Bill Halley e sua banda The Comets, agora convertido a astro do novo gênero. Um dos grandes charmes desse filme (que assim como outros, hoje soa bastante ingênuo) é também o embate entre o professor que tenta conter e manter o respeito da galera de jovens delinquentes na escola, interpretado pelo grande ator Glenn Ford, e o psicótico líder de gangue desempenhado por Vic Morrow, numa das primeiras grandes atuações retratando os jovens confusos e sem rumo daquela geração. Também com destaque no elenco um bastante jovem Sidney Poitier. Talvez a maior importância mesmo de Blackboard Jungle tenha sido o fato de inaugurar a onda de um sem-número de filmes de baixo orçamento, mas que faturavam altíssimo nas bilheterias da época, simplesmente por contar com fiapos de história recheados com uma  trilha sonora de sucessos roqueiros da época - isso quando não havia também a participação especial dos próprios cantores e artistas, como Jerry Lee Lewis, Gene Vincent, Eddie Cochran e outros, executando seus hits.

Sinal do tempos e febre da época: Eddie Cochran toca seu sucesso "Twenty Flight Rock" em apresentação no filme The Girl Can't Help It - no Brasil, 'Sabes O Que Quero' (1956)

- JUVENTUDE TRANSVIADA (Rebel Without a Cause, 1955) 

O filme-síntese da revolta juvenil de toda uma geração da década de 1950, estrelado pelo seu maior símbolo, James Dean. Originário da expressão "rebelde sem causa", esse filme fez tanto sucesso, que logo diversas outras cópias e imitações, com jovens astros tentando emular a naturalidade e estilo de atuação de James Dean, surgiram depois, sem a mesma força do original. Ali também estavam estrelas muito jovens que se tornariam lendas do cinema americano, como Natalie Wood, Sal Mineo, e um quase adolescente Dennis Hopper, muitos anos antes de ser um 'easy rider' doidão. Esse clássico retrata a história de Jim Stark, um garoto que se vê incompreendido pelos pais, não se encaixa nos ambientes em que convive, e é aficionado em rachas de carro e velocidade. O filme fez de Dean um ícone da garotada da época - e um ícone trágico e de carreira curtíssima, assim que ele espatifou seu Porsche Spider branco em uma estrada de Salinas, Califórnia, em outubro daquele mesmo ano. Morria o homem, nascia o mito.


- A PRAIA DOS AMORES (Beach Party, 1963)

Já no início da década de 1960, a primeira grande geração do rock and roll e as fitas com histórias de rebeldes, festas, motos e carros possantes havia arrefecido, perdendo sua força original e já se esgotando no gosto do público. Mesmo Elvis, que já havia se convertido a astro de cinema e dera uma amornada na sua carreira como cantor, entrava no ritmo mecânico e repetitivo das comédias de praia. E ao som de muito Beach Boys e bandas de surf music, era assim que aquela nova geração, já seguinte à anterior, ia curtir filmes no cinema: histórias açucaradas e meio bobinhas, cheias de rolos e desencontros entre jovens e seus namoricos, com os apresentadores juvenis de TV Frankie Avalon e Anette Funicello, celebridades de então, que iniciavam uma longuíssima série com o que passou a ser conhecido como "filmes da turma de praia", sendo esse Beach Party o primeiro deles, de grande êxito nas bilheterias. Uma modinha de época, e que preencheu muitas sessões da tarde na televisão a partir dos anos 60 e 70 - mas que assistidos hoje, podem simplesmente induzir ao sono em menos de cinco minutos. 

Frankie e Anette - ídolos teen da turminha de praia do início dos anos 1960


- OS REIS DO IÊ IÊ IÊ (A Hard Day's Night, 1964)

Aí sim. Um fenômeno jovem a nível global como a beatlemania não poderia deixar de ter o seu grande momento cinematográfico, e este veio embutindo toda a novidade e sensação de frescor, modernidade e inovação que a própria música dos Beatles trazia. Reunindo uma equipe criativa que se dedicava a fazer algo totalmente diferente dos filmes de Elvis e turma de praia conhecidos até então, e utilizando a metalinguagem como mola mestra para quebrar as convenções dos musicais caretas que ainda eram o padrão, esse filme é marcado tanto pelo cineasta Richard Lester, no seu ápice criativo para dirigir uma história louca, acelerada, e tão non sense e alucinada quanto o própria dia a dia dos Beatles, quanto o bom humor e a irreverência dos próprios, interpretando eles mesmos durante a rotina de gravações e shows do grupo. Foi um êxito estrondoso, e mostrava que a partir daí rock e cinema poderiam formar sim uma parceria milionária, e sempre em sintonia com as novas gerações. Não era preciso ser beatlemaníaco para curtir esse filme - mas muita gente que não era se tornou, depois que assistiu.

A famosa sequência do trem com 'I Should Have Known Better' (1964)

- A PRIMEIRA NOITE DE UM HOMEM (The Graduate, 1967)

Hoje um tanto ultrapassado, esse clássico fez grande sucesso na época empurrando para o alto a carreira de Dustin Hoffman, e se estabelecendo como filme-símbolo cultural e social da revolução sexual e de costumes dos jovens da época, ao contar a história de um rapaz recém-formado que se envolve com uma mulher mais velha e com a sua filha também. Para os produtores de Hollywood, a tônica da coisa ainda se devia ao forte casamento entre rock e cinema, conforme se tornara a regra do sucesso: a trilha sonora era toda baseada firmemente nas canções da dupla Simon & Garfunkel, que traziam comentários adicionais à trama. "Sound of Silence" abria o filme nos créditos iniciais, e "Scarborough Fair" e "Mrs. Robinson" permeavam a história e estouravam nas paradas.

O frenético trailer de The Graduate (1967)


- SEM DESTINO (Easy Rider, 1969)

É ainda inesquecível a sequência de abertura com a dupla de motoqueiros interpretada por Peter Fonda e Dennis Hopper, com suas Harley Davidson envenenadas e entupidas de "bagulho" em compartimentos secretos, e deslizando pelas estradas da América ao som do petardo "Born to Be Wild", do Steppenwolf. O filme que se tornou o retrato de uma geração desvairada e incerta sobre que rumos tomar, Easy Rider retratava a decadência dos conservadores, ao mesmo tempo que contemplava a sua antipatia pelas novas gerações; os hippies desiludidos com o fim do sonho, e os inconformistas e sem lugar na sociedade, que buscavam estabelecer novas crenças e estilos de vida, mas acabavam perseguidos e rechaçados (foco no personagem de Jack Nicholson como o advogado pinguço, perfeito!). A trilha sonora tem munição da pesada, com o melhor da época: Jimi Hendrix Experience, com a delirante "If Six Was Nine", The Band com a clássica "The Weight", e The Byrds com a onírica "I Wasn't Born to Follow", entre outras pérolas. Olhando superficialmente, é um belo road movie que inaugurava o filão de filmes marginais e independentes do movimento cultural que viria a ser a nova Hollywood. Mas observando de forma mais profunda, é uma intensa viagem psicológica pelas visões e angústias de personagens que anseiam por um lugar numa sociedade em parafuso, que não os entende, e não os aceita. Obra-prima.

A clássica sequência de abertura de Easy Rider, com 'Born to be Wild' (1969)


- LOUCURAS DE VERÃO (American Graffiti, 1973)

Talvez muitos não saibam, mas existe vida na filmografia de George Lucas além de Star Wars - e bem antes. Lançado em 1973, este é o primeiro grande sucesso comercial do cineasta, que pega carona numa onda de revival dos anos 50 que tomou conta dos Estados Unidos na época, com roupas, músicas e muitos eventos culturais relembrando aquela era de ouro do início do rock and roll. Tanto é que a trilha sonora do filme, recheada de sucessos do período, com Buddy Holly, Little Richard, The Coasters e outros, vendeu feito água. Ambientado numa noite de loucuras de jovens da época que saem para farrear, sempre tirando racha em carrões possantes para impressionar e ganhar as garotas, o filme trazia ainda um Harrison Ford rapazinho fazendo ponta no elenco, como um tipo meio caipira, além dos astros da época Richard Dreyfus, Paul LeMat, e o futuro diretor Ron Howard. É considerado o grande precursor das comédias românticas e frenéticas de turminhas jovens que fariam a fama de gente como John Hughes e John Landis, na década seguinte.


-  EMBALOS DE SÁBADO À NOITE (Saturday Night Fever, 1978)

Se nos anos 60 tivemos os filminhos de surf music, a beatlemania, e o desbunde lisérgico dos filmes com a geração hippie, chegava a vez agora, no final dos anos 70, da febre do movimento discotéque. E não há como ninguém negar que, quando começa aquela música "Stayin' Alive" dos Bee Gees, com o gritinho em falsete no refrão, a primeira imagem que vem na cabeça é do símbolo da época, o galã Tony Manero (papel que imortalizou John Travolta), girando e fazendo acrobacias 'disco' dançantes no salão, repleto de gente e com aquele enorme globo luminoso e giratório no teto. Dirigido por John Badham, o filme tem um roteiro não lá essas coisas, que acompanha a vida do jovem e batalhador Tony, que assim como milhares de rapazes na época, vinha de origem latina e humilde em um bairro pobre de Manhattan, dava o duro na semana, mas tinha o seu grande momento de superação e reconhecimento se esbaldando nas pistas de dança do sábado à noite. Acabava, no entanto, se apaixonando pela pessoa errada e comendo o pão que o diabo amassou. Por conter esse comentário social, com forte apelo para a molecada da época se identificar com a trama, e também por ter uma trilha sonora repleta de sucessos da disco, capitaneada pelos Bee Gees, Kool & the Gang, The Trammps e outros, é que o filme se tornou um fenômeno. 


- SELVAGENS DA NOITE (The Warriors, 1979)

Quase na mesma época em que Embalos de Sábado foi lançado, pouco tempo depois, o competente diretor Walter Hill jogaria a realidade dos jovens do final da década em cheio nas telas, mas por um outro viés, mostrando a realidade bruta, nua e crua da violência urbana. The Warriors é uma atualização dos antigos filmes de gangues de briga nas ruas e motocicletas, dos anos 50 e 60, mas aqui a barra é bem pesada, e mostra uma juventude rude e desiludida que prenunciava tudo o que iria rolar nos guetos, becos e favelas das grandes cidades, nos anos seguintes. Com belíssimas atuações de um elenco de atores jovens e com pouca experiência, que quase não se sobressaiu depois do filme (exceção talvez ao protagonista Michael Beck, que depois estrelou o musical Xanadu, ao lado de Olivia Newton-John), este filme não abre concessões e mostra a realidade da juventude americana pobre do período, dividida em gangues e afundada numa trajetória de brigas, drogas e falta de perspectivas.


- O CLUBE DOS CINCO (The Breakfast Club, 1985)

O "filme de jovem" por excelência do início da década de 80, Breakfast Club revelou toda uma nova geração de rostinhos que se tornariam atores mais ou menos bem sucedidos, mas que seriam apelidados de the bratpack (algo como 'turma de pirralhos') - estavam ali Andrew McCarthy, Judd Nelson, Ally Sheedy, Molly Ringwald, Anthony Michael Hall e Emilio Estevez (irmão de Charlie Sheen). Ao lado de gente como Patrick Swayze, Matt Dilon, Rob Lowe e um ainda desconhecido Tom Cruise, esse pessoal se tornaria a nata de um grande número de filmes e comediazinhas com a temática do adolescente que quer superar obstáculos e achar seu lugar ao sol. Já neste filme, o foco eram a revolta e as incertezas de um grupo de cinco jovens presos no colégio durante um final de semana, para fazer um trabalho de recuperação, e mais uma vez ocorreu a conexão com jovens da época, resultando no sucesso da fita - que também continha hits new wave típicos do período, como "Don't You Forget About Me", dos Simple Minds.


- CURTINDO A VIDA ADOIDADO (Ferris Bueller's Day Off, 1986)

E fechamos a lista com aquele que é considerado, até hoje, o clássico máximo de "filme da sessão da tarde" no Brasil, mas que vai bem mais além disso: é o mais perfeito exemplo de comédia juvenil de todos os tempos, com timing, roteiro e elenco afiadíssimos, sob a batuta de John Hughes (o mesmo diretor de Clube dos Cinco). Acompanha um dia na vida de Ferris Bueller, um esperto e popular estudante que cabula aula para levar seu melhor amigo e a namorada para um passeio inesquecível, antes de se despedirem para ter que enfrentar a faculdade. É o desempenho da vida do ator Matthew Broderick - é quase impossível pensar em outro ator para o papel de Bueller. Destaques honrosos para Jeffrey Jones, no papel do diretor que persegue Ferris Bueller, para o apoteótico "show" com "Twist & Shout" dos Beatles, em um desfile no Central Park, e a antológica sequência na delegacia com o loucaço Charlie Sheen e Jennifer Grey, no papel da histérica irmã de Bueller. Um daqueles filmes que pode passar o tempo que for, a gente não se cansa de rever.



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