No decorrer da década de 1970, um subgênero dos filmes de western se estabeleceu e fez sucesso, baseado em narrativas com a premissa de demonstrar como se deu o fim da era lendária dos cowboys desbravadores, grandes fazendeiros e foras-da-lei, na empreitada de desbravamento do grande oeste americano. Essa tendência, repleta de filmes reflexivos e que davam um tom bem mais realista ao gênero - em muito herdado da onda dos faroestes espaguete, da Itália - passou a ser chamada de "faroeste outonal". Ou seja, faroestes que mostravam a decadência da época de ouro dos pistoleiros, com o nascimento das primeiras grandes cidades, o progresso que chegava, e as mudanças no sistema político e social que levaram ao estabelecimento definitivo da civilização, onde antes havia só índios e pradarias.
Por conseguinte, esses filmes versavam sobre a própria decadência do gênero western, visto que agora novas tendências mais modernas no cinema, e de blockbusters, já surgiam e chamavam mais bilheteria. Isso até uma nova reinvenção dos filmes de faroeste, que só aconteceria na virada dos anos 80 para os 90.
A seguir, vamos comentar sobre seis exemplares que representam bem esse subgênero, e que foram grandes sucessos na época em que foram lançados, se tornando filmes sintomáticos do final da era dos clássicos, e que ficaram gravados para sempre na mente dos amantes do bangue-bangue.
- MEU NOME É NINGUÉM (Il mio nome e Nessuno, 1973)
O melhor representante dessa tendência, na modalidade de faroestes da terra da pizza, é esse filme - que simplesmente junta o clássico e o moderno, o velho e o novo, passado e futuro, num duelo tão cômico quanto emotivo: Henry Fonda, grande lenda dos filmes de John Ford, ao lado de Terence Hill, o "Trinity", a sensação do gênero spaghetti daquela década. Dirigido por Tonino Valerii, o filme tinha simplesmente no roteiro e produção um de seus melhores amigos: Sergio Leone, do épico Era Uma Vez no Oeste. Ou seja, tinha que ser clássico. Leone, aliás, dirigiu várias cenas, ainda que não creditado como co-diretor, e isso pode ser percebido no clima do filme e em certos enquadramentos. A trama versa sobre o tradicional tema do pistoleiro cansado de duelos, que tem que encarar os novos tempos e sabe que está ficando velho, quer se aposentar (Fonda), mas que precisa novamente empunhar sua arma em um novo desafio - proposto, justamente, por um bisonho voluntário a aprendiz chamado... Ninguém (Hill)! Em alguns momentos, soa bizarra a combinação do sério e sisudo Fonda, icônico, com a galhardia das caras e bocas de Hill, histriônico como sempre. Mas o ágil roteiro consegue costurar a combinação, e ainda render algumas sequências memoráveis, como o desafio do velho pistoleiro contra a "gangue dos 150". Para inteirar, a trilha sonora marcante, uma das mais difundidas em bangue-bangues até hoje, é do mestre Ennio Morricone. Precisa mais?
- DUELO DE GIGANTES (The Missouri Breaks, 1974)
Uma das mais exóticas e estranhas interpretações de 'deus' Marlon Brando está nesse filme de Arthur Penn, que trabalha habilidosamente com uma trama sobre os últimos tempos dos grandes criadores de cavalo e gado do Missouri, das famílias ricas e tradicionais devastadas pela própria cobiça e desespero em passar a perna uns nos outros. No meio de tudo isso, um desempenho excepcional e magnético de Jack Nicholson como protagonista, no papel de um dos ladrões de gado que tem que se safar em uma trama de ódio e vingança contra os seus comparsas, além de acabar cutucando a onça com vara curta ao se envolver com a herdeira de uma das grandes fazendas... Tido como um faroeste satírico e irregular na época de seu lançamento, e muito devido à desvairada participação de Brando como o caçador de recompensas, este filme cresceu muito em conceito com o passar dos anos, e hoje é um belo exemplar dos westerns outonais e de vanguarda dos anos 70.
- O ÚLTIMO PISTOLEIRO (The Shootist, 1976)
O mítico e emocionante último filme do gigante John Wayne, o "Duke", um homem que por si só já era a própria tradução do cowboy clássico norte-americano, é também a sua despedida dos tipos honrosos e determinados que ele sempre interpretou, e que outro lendário, o cineasta John Ford, o ajudou a cunhar durante anos da era de ouro dos westerns. Ford já havia morrido, mas aqui a direção é de outro craque das câmeras - Don Siegel, amigo pessoal de Clint Eastwood e diretor de seus melhores filmes, além de figura também da turma clássica de Hollywood, também íntimo dos momentos icônicos do faroeste nos anos 50 e 60. No papel de John Books, Wayne é um famoso pistoleiro que procura um lugar para descansar em paz, já sabedor da doença que carrega e que não tardará a ceifa-lo (câncer, assim como o do próprio ator). Ainda assim, terá que conviver com as sombras do passado, e enfrentar um último desafio, enquanto assiste as luzes modernas do século XX a chegarem, e tenta ensinar algumas lições a um jovem admirador (Ron Howard, futuro cineasta, aqui novinho!), filho de uma viúva com quem ele se envolve (a diva Lauren Bacall, sempre fascinante). Como participação mais do que especial, outra lenda do gênero: o eterno "bom moço" James Stewart, no papel do médico que atende Books. Um filme belíssimo, e imperdível - uma das mais lindas homenagens ao gênero faroeste e, por conseguinte, ao próprio John Wayne.
- CAVALGADA DOS PROSCRITOS (The Long Riders, 1979)
Aplicado pupilo do mestre Sam Peckinpah, e grande artífice do cinema de ação dos anos 80, Walter Hill estudou e aplicou com afinco, aqui, aquele estilo de violência em câmera lenta e os grandes ângulos dramáticos de cavalgadas e tiroteios, para recontar a história dos irmãos Frank e Jesse James e seu bando de assaltantes. Curiosamente, o filme também é desempenhado por irmãos: os famosos David, Keith e Robert Carradine. Um bem novo Dennis Quaid também aparece, como um dos bandidos do grupo. E do início ao fim, o que vemos é um pequeno grande clássico do gênero, um dos melhores faroestes a fechar com chave de ouro a década.
- O PORTAL DO PARAÍSO (Heaven's Gate, 1980)
Notório por ser uma famigerada empreitada de orçamento estourado, com um retorno comercial vergonhoso, que praticamente quebrou os estúdios da United Artists, e fruto da megalomania e pretenciosismo do cineasta Michael Cimino - em alta na época por ter ganho os Oscars de melhor filme e melhor diretor por "O Franco Atirador" (1978) - é um western reflexivo e de ritmo lento, que exige bastante do espectador (3 horas e 40 minutos de duração). Tem seu grande atrativo, entretanto, no elenco repleto de astros (Kris Kristofferson, John Hurt, Christopher Walken, Isabelle Adjani, Jeff Bridges, entre outros), e no trabalho de fotografia, belíssima, para contar a história da disputa por terras de imigrantes e grandes fazendeiros da região do Wyoming em 1890, nos últimos anos do século XIX. Cimino era um visionário, cabeça de "autor", um daqueles colegas loucos da Nova Hollywood de Friedkin, Coppola e Scorcese, que tinha ideias fixas sobre explorar os limites da arte, e certamente ia longe demais, às vezes. 'Portal' foi acusado de ser o "faroeste que matou os faroestes", mas injustamente. É apenas uma obra diferente e ousada, que foi ganhando adeptos com o tempo, e hoje pode ser vista como um daqueles momentos em que o cinema assume certos riscos e transcende. Justamente por não ser convencional, e apontar novos caminhos, pode também ser considerado um western outonal, que fecha ciclos. Exemplares renascidos do gênero, como o também ambicioso e oscarizado Dança com Lobos (1990), de Kevin Costner, beberiam em sua fonte.
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