quarta-feira, 12 de junho de 2024

O NASCIMENTO (E O RENASCIMENTO) DO SOM DO SILÊNCIO

 

Há dois meses atrás, um dos maiores hinos da música pop completou 60 anos de sua criação. Mas no dia 15 de junho próximo, também lá se vão 59 anos que essa mesma música, por assim dizer, "renasceu", como resultado de uma das melhores jogadas da indústria fonográfica já realizadas. Penso eu que, todo mundo com um mínimo de interesse musical, já ouviu essas primeiras linhas cantadas aqui, em algum lugar:

'Hello , darkness, my old friend... I've come to talk with you again'

(Olá, escuridão, minha velha amiga... Eu vim para falar com você novamente)

Se lembrou? Se não, ouça só:


Originalmente gravada pela célebre dupla Simon & Garfunkel, em 1964, "The Sound of Silence" (e que, originalmente, saía nos discos deles como Sounds of Silence, no plural) se tornou canção símbolo de uma geração, atravessou décadas, e chegou aos nossos tempos até como tema de memes e tik toks da vida, a "musiquinha da tristeza", e outras dessas loucuras que aparecem na web e redes sociais todos os dias. Mas a sua força criativa e emocional, evocando imagens mentais e poéticas, com a beleza de sua harmonia e a letra marcante de Paul Simon, continua firme e onipresente.

Inspirado pelo assassinato do presidente John Kennedy, ocorrido no ano anterior em Dallas, nos EUA, em 1964 Paul Simon era ainda um universitário na reta final do seu curso de Letras, diletante de poesia e compositor semiprofissional nas horas vagas, que já havia conseguido vender algumas de suas canções para serem gravadas por artistas de pequenas gravadoras de New York. 

Paul Simon

Ele mesmo conta, em uma das diversas entrevistas sobre uma de suas maiores criações, que "Silence" nasceu de acordes e harmonias com as quais ele já vinha trabalhando fazia um bom tempo, mas que foi em uma manhã meio chuvosa, dentro do banheiro com seu violão, ouvindo as gotas pingarem e sob uma atmosfera de certa tristeza e melancolia no ar, que as palavras vieram, e foram se encaixando automaticamente em sua cabeça sobre a melodia, como mágica.

Ao concluir a canção, e toca-la repetidas vezes, Simon ficou tão empolgado, que imediatamente chamou seu amigo de longa data, Art Garfunkel, com quem a sua voz combinava bastante e ele já havia cantado e gravado algumas músicas sob o nome "Tom & Jerry", para mostrar o que ele compôs. Fascinado pela música, Garfunkel vocalizou por cima e deu sua fantástica contribuição segurando as notas mais altas, para logo em seguida dizer a Simon que eles tinham ali uma joia nas mãos. Aquilo estava predestinado a ser um hit.

Art Garfunkel

Com esta e mais algumas canções na sacola, através de contatos em comum eles conseguiram chegar a Tom Wilson, que na época era um dos mais renomados produtores da Columbia Records, nos EUA. Um cara que já havia simplesmente trabalhado com o astro que todos reverenciavam naquele momento, na cultura popular - ninguém menos que Bob Dylan. Todo mundo queria ser autoral e folk, criar temas reflexivos, sociais e profundos como Dylan criava, e trilhar os mesmos caminhos do "mestre", que se tornara uma espécie de porta-voz daquela nova geração.

Nem é preciso dizer que Wilson também ficou vidrado na música, e logo descolou um contrato de gravação para Simon & Garfunkel na Columbia. O disco, lançado em outubro daquele mesmo ano, se chamaria Wednesday Morning 3 a.m., e contaria com alguns covers e composições próprias da dupla, dentre elas, a tão elogiada "Silence". 

Wednesday Morning 3 A.M., o álbum de estreia de Simon & Garfunkel (1964)

Acontece que... o disco não aconteceu. Os motivos são diversos: primeiro, que as canções folk só no formato tradicional em voz e violão, mais rústico, e que eram então o lance da dupla, já estavam começando a ficar ultrapassadas, com as novas tendências do rock que estavam surgindo, principalmente vindo da Inglaterra - e eis aí, entramos no inegável fato de que, naquela reta final de 1964, não se falava nos EUA (bem como em outras partes do mundo) de outra coisa que não fosse a Beatlemania. A "invasão britânica" havia começado com tudo, e a turminha de John, Paul, George e Ringo contaminara de forma tão severa as paradas de sucesso e a música pop, que tudo agora parecia se encaminhar para a batida provocada por uma banda, os ritmos mais quentes e mais rápidos, a tríade guitarra/baixo/bateria colaborando para uma nova era de sensações e cores sonoras. Além disso (e devido a isso), houve certo desânimo da própria Columbia Records em promover melhor o disco de Simon & Garfunkel, e ele foi um fracasso.

Beatles no Ed Sullivan Show da TV americana, em 1964: tem início a Invasão Britânica

Decepcionados com a má performance de sua primeira empreitada, cada um foi para um lado: Simon viajou para a Inglaterra, visando aprofundar seus estudos literários e ainda fazer alguns bicos como ghost composer para pequenos selos de música, enquanto Garfunkel permaneceu e voltou para terminar seu curso na Universidade de Columbia.

Nesse meio tempo, o mundo foi mudando e girando com uma rapidez revolucionária, que fez as bandas inglesas aportarem de vez nos EUA e influenciarem novos sons e tendências. Frente a isso, bandas americanas, como The Byrds e Buffalo Springfield, reagiram simplesmente pegando uma grande parte do tradicional repertório de folk, country e rythim n' blues do Tio Sam, e o eletrificando, e fazendo grande sucesso nas paradas com essa modernização, do mesmo modo que Dylan pioneiramente fizera, com o suporte dos rapazes do The Band.

The Byrds


Bufflo Springfield

Foi nesse clima que Tom Wilson - aquele, do primeiro contrato de Simon & Garfunkel com a Columbia - teve a ideia de, sem consultar nenhum deles, simplesmente pegar aquela canção bonitinha, e injetar peso e ritmo nela, com um fundo imponente de 'power trio': chamou os músicos de estúdio Al Gorgoni (guitarra), Bob Bushnell (baixo) e Bobby Gregg (bateria), mixou e adicionou efeitos, e um novo acompanhamento à música. Pronto. Agora estava no jeito para ser consumida por um público mais jovem e antenado.

Lançada em compacto, no dia 12 de setembro de 1965, "Sound of Silence" foi um desses casos de música que grudam feito chiclete na memória do ouvinte e não saem do dial da rádio. O impacto da música é ressaltado pelo fato de que ela consegue atingir, simultaneamente, as camadas mais populares, devido à inovação e frescor que o seu som retrabalhado como folk rock traz para a massa jovem, bem como por se sobressair na forma de poema lírico, que fascina os grupos mais intelectuais e eruditos da mídia cultural, em versos como "And the people bowed and prayed / For the neon gods they made" (E as pessoas se ajoelharam e rezaram / Para os deuses de neon que elas criaram - denotando uma crítica pungente ao materialismo e o crescente culto à imagem e aos símbolos, algo não muito diferente do que vemos hoje em dia!). Foi exaustivamente regravada, e em vários países do mundo  - no Brasil, como não poderia deixar de ser, ganhou  até mesmo a sua versão na onda do sertanejo, nos anos 90 ("É Por Você que Choro", de Leandro e Leonardo).

Scarborough Fair


The Boxer

Quando souberam que aquela esquecida canção estava subindo nas paradas feito foguete, apesar da sensação estranha de que fora retrabalhada por músicos que eles sequer conheciam, Simon & Garfunkel logo trataram de retomar a dupla, e viram que todas as portas da mídia estavam agora finalmente abertas para a sua carreira. O que se segue é um desfile de êxitos, com gravações, shows lotados, e hits como "I Am a Rock", "Feelin' Groovy", "Homeward Bound", "Scarborough Fair", "The Boxer" e tantos outros. Eles se tornam artistas quintessenciais do som daquela década, passando a gerar músicas e lançar discos com instrumentações cada vez mais arrojadas e interessantes, não tendo medo de experimentar, e flertando com música medieval, latina, jazz, e tudo o mais que rolasse.

"Sound of Silence" vai parar na trilha sonora de The Graduate (1967 - no Brasil, A Primeira Noite de um Homem), clássico filme de Mike Nichols, com Dustin Hoffman, que marca toda aquela geração do final dos sixties - é o tema de abertura, e se ligando cada vez mais aos produtores de cinema a partir dessa película, Simon & Garfunkel também compõem e lançam "Mrs. Robinson" para fazer parte da louca sequência conclusiva do filme. Se torna outro sucesso avassalador.

A Primeira Noite de um Homem (1967)


Mrs. Robinson

Por divergência de interesses e rumos artísticos, não demora a começarem os desentendimentos - Simon queria experimentar mais, se aprofundar em outros formatos com banda e música étnica, enquanto Garfunkel discordava e pensava cada vez mais em se dedicar a uma carreira de ator. E o rompimento ocorre logo após o marcante álbum de 1970, Bridge Over Troubled Water - do qual a música-título é, simplesmente, uma das mais belas releituras já feitas pelo 'rei do rock', Elvis Presley, em sua versão inesquecível. O que mostra, mais uma vez, a força e a importância de Simon & Garfunkel como artistas modernos.

Apesar da separação e dos atritos, os dois passam a se reencontrar várias vezes, ao longo das próximas décadas, para shows de revival e apresentações especiais, que maravilham os fãs, e que nos fazem pensar... em toda essa força que, muitos anos depois, ainda ecoa no som do silêncio.

Apresentação na TV onde Simon & Garfunkel tocam a música no formato folk acústico, em que foi originalmente concebida


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