sexta-feira, 16 de maio de 2025

PAUL E MARIANNE - E O CRUEL SINAL DOS TEMPOS...

 

Foi no início deste já complicado ano de 2025 que duas situações diversas, mas de certa forma intrinsecamente conectadas, nos deram um panorama geral de como a passagem do tempo é algo complexo e delicado, e capaz de gerar algumas reflexões que deixam a gente meio perplexo, meio entristecido, meio baratinado... Meio diversos estados, dependendo do momento e do grau de humor em que você se encontra.

São duas situações ligadas às duas maiores bandas de todos os tempos, e que volta e meia são prezadas e referenciadas aqui nas postagens do blog, como muitos já podem ter percebido: Beatles e Rolling Stones.

Primeiramente, a passagem de Marianne Faithfull, em 30 de janeiro, uma das mais representativas figuras do agitado movimento Swingin' London dos anos 60. Ao lado da cantora Lulu, ela era uma das vozes femininas símbolos da geração pop inglesa daquela década, dona de uma personalidade forte e marcante, e que para muitos, será para sempre lembrada como "a namoradinha cantora do Mick Jagger", musa e parceira dos Rolling Stones - estourou nas paradas com a regravação de uma baladinha célebre deles, "As Tears Go By", e se tornou uma das primeiras mulheres "empoderadas" da contracultura, capaz de fazer frente ao poderio de figuras como Alain Delon (com quem estrelou filmes na época) e o próprio Jagger, mas nunca abaixando a cabeça - escolhia seus projetos sem admitir interferências dos "caras", não admitia que seu nome fosse grafado menor ou debaixo dos de artistas homens, e adorava arriscar e apostar no insólito, no diferente e no inesperado. Ousada, já com 51 anos, meteu a voz, cara e coragem na música "Memory Remains", do Metallica, pesadão - se fazendo conhecer por uma nova geração que não fazia nem ideia de quem era ela.

A partida de Marianne nos deixa a incômoda sensação de extinção dos talentos autênticos, daqueles que já não se vê mais, construídos e trabalhados com tempo e dedicação, pois a danada já era multimídia antes da existência dessa palavra, e atacava em diversas áreas com muito talento: assim como outros(as) artistas da época, atuava, performava, e cantava com maestria. E que voz! Diferente e robusta, de um tom mais grave e tratada na base dos Scotch e cigarros,  contrastava com a belíssima imagem de loirinha angelical que ela tinha. 

Hoje, peça para algum(a) influencer que já sai espirrando de YouTube pra Big Brother, e de Big Brother pra novela de TV e streaming (ou mais vídeo de YouTube), pra ver se faz com respeito o que ela fazia... Sem chance. 

Não precisam, pois o algoritmo acolhe e promove toda essa gente meio sem jeito pra ter jeito com o que fica pra sempre na alma.

Um monte de "arte" que se diz arte, feita de modo corrido, mal produzido, automático, empurrado, e meio sem coração hoje em dia.

Quase que simultaneamente à morte de Marianne, apenas 5 dias antes, um de seus bons e velhos conhecidos - que já havia frequentado muita badalação com ela e os Stones em tempos áureos - ninguém menos que o ex-beatle Sir Paul McCartney, concedeu uma senhora entrevista à BBC de Londres, que deu o que falar.

Na boa, e com aquele jeito seu de tiozão simpático sempre de olho nas esquinas, Paul chamou a atenção para as propensas mudanças na legislação inglesa relativa a direitos autorais, que passariam a permitir a implementação de diversas tecnologias de IA (inteligência artificial) na produção de músicas, passando a utilizar conteúdos autorais de compositores como "modelos" para a criação de novas músicas, e sem pagar nada aos legítimos autores - e aí a gente esbarra numa questão polêmica, que é a possibilidade dos primeiros casos de plágio musical digital de IA prestes a surgir por aí!

"Quando éramos crianças em Liverpool, encontramos um emprego que amávamos, mas que também nos ajudava a pagar as contas. Por favor, fiquem atentos, não deixem a inteligência artificial roubar os artistas!" - asseverou Paul.

Eis o choque de que falamos no início. 

O mundo vai mudando, e em muitos aspectos, é para melhor, bem melhor. As novas tecnologias que vieram já salvam muito mais vidas, facilitam a comunicação, a economia, os transportes, e uma enormidade de outras situações. Mas elas também podem servir, e muito, às más intenções. Não agem sozinhas - há  impulsos muito humanos (e mesquinhos) por trás delas. E nesses aspectos piores, elas nos afligem, e nos assustam. 

Quando conduzidas irresponsavelmente, e de forma a sufocar, confiscar ou  adulterar as matrizes do pensamento e da criatividade humanas, se tornam uma ameaça nefasta para gente dessa geração de Paul e Marianne. E, por conseguinte, para todos nós - que, afinal, estamos caminhando para ser uma geração como a deles também.




E agora, finalmente... O nosso PODCAST!

Neste mês, finalmente estreia o podcast promovido por nosso blog, em parceria com os Estúdios Merlin: 'Era um Garoto que Como Eu Amava os Beatles e os Rolling Stones', uma produção em áudio, onde serão abordados os principais fatos, curiosidades, e principalmente as músicas, dessas que são consideradas as duas maiores e mais influentes bandas de rock de todos os tempos, que fizeram história (e ainda fazem!). Sinta um pouquinho da experiência dando play no radinho que segue logo abaixo:


 



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sexta-feira, 2 de maio de 2025

RAMBO 2: ANIVERSÁRIO E SIMBOLOGIA NO MUNDO ATUAL

Neste mês de maio de 2025, faz 40 anos que foi lançado um dos maiores sucessos do cinema de ação até hoje: Rambo 2 - A Missão, filme de George Pan Cosmatos, com o astro Sylvester Stallone como protagonista, reprisando papel que já havia desempenhado três anos antes, no filme Rambo - Programado para Matar (First Blood, 1982).

Hoje, como se tornou fato da mitologia pop e muitos já sabem, o romance original que deu origem ao personagem, lançado pelo autor canadense David Morrell, ainda num distante 1972, retratava um barbudo e quase maltrapilho veterano da guerra do Vietnam chegando a uma cidade no interior do Kentucky (EUA), sendo hostilizado pela população e, principalmente, pela polícia do lugarejo. 

First Blood (no Brasil, 'Primeiro Sangue'), romance do escritor canadense David Morrell, que daria origem ao personagem Rambo

Chamado Rambo (o nome John Rambo seria uma invenção do filme, anos depois), ele procura por um bom lugar para descansar e comer, e apesar de carregar as insígnias de um autêntico herói dos campos de batalha, ele é preso e torturado, no que seria considerada uma das mais duras e tocantes críticas à forma como a nação norte-americana passou a tratar aqueles que estavam retornando de um episódio moralmente dúbio e reprovável, a "guerra comprada" de Nixon e seus asseclas políticos, um conflito no qual o Tio Sam se meteu sem precisar, por pura ideologia política, e condenado pela opinião pública, devido aos gastos milionários em uma época de extrema crise social e recessão econômica. Essa reação ao "pária" da guerra, o indivíduo agora considerado vagabundo e desajustado, que não consegue se reintegrar à sociedade normal depois que virou militar bicho do mato, é centralizada na figura do xerife local, Will Teasle. Ele é o antagonista do personagem.

Os personagens de John Rambo (Stallone) e xerife William Teasle (Brian Dennehy), do primeiro filme, First Blood (no Brasil, 'Rambo - Programado para Matar'), de 1982

Humilhado e acuado, Rambo então foge da cadeia e revida, voltando a se tornar justamente o bicho do mato selvagem e agressivo que aprendeu a ser nos campos de batalha, na luta pela sobrevivência nas selvas do Camboja: com armas rudimentares, e truques de tática militar e armadilhas, ele enfrenta sozinho toda a força policial, que passa a caçá-lo com cães, helicópteros, e a ajuda da Guarda Nacional, nas regiões de floresta próximas ao local, até conseguir voltar à cidadezinha e enfrentar o xerife em sua própria delegacia, num final violento e apoteótico, mas que traz ao leitor profundas reflexões sobre os horrores psicológicos infligidos pela guerra, o abuso de poder das autoridades, seus preconceitos, e o caos social que advém de tudo isso.

De modo a evitar os sempre indesejáveis spoilers (caso alguém queira ler o livro), pode-se apenas dizer que o final desse livro e do filme que Stallone estrelou em 1982, baseado nele, são muito diferentes. E que, apesar do diretor do primeiro filme do Rambo, Ted Kotcheff, ter declarado em entrevistas posteriores de que gostaria de ter filmado a história de um modo semelhante ao enredo original do livro, ele acabaria revelando que, por sugestão do próprio Sylvester Stallone, algumas coisas tiveram que ser alteradas. O filme fez relativo sucesso, Stallone havia gostado bastante de interpretar o personagem, e achava que ele tinha potencial e chance para que uma sequência mais ambiciosa fosse produzida, algum tempo depois.

É aqui, então, que chegamos ao impacto que Rambo 2 provocou, nas audiências e na mídia do mundo inteiro, quando chegou aos cinemas, naquele ano de 1985. O sucesso e a polêmica andaram lado a lado, e igualmente, na trajetória dessa obra milionária, que faturou de cara 44 milhões de dólares, se tornando um filme icônico, assistido e comentado por toda parte, e que transformou o personagem em uma das três maiores marcas registradas do ator Sylvester Stallone em sua carreira - as outras duas sendo Rocky, o lutador, e em menor escala, o policial do violento filme Cobra (de 1986).


Vejamos o contexto sócio-político em que os EUA se encontravam, em plena  gestão do presidente republicano Ronald Reagan (1981-1989), na qual era pungente a preocupação com o resgate de fortes símbolos patrióticos, um maior impulso para reerguer a economia e o protagonismo do país, como um forte e ainda combativo paladino contra a ameaça dos países comunistas, no âmbito da Guerra Fria. Era vital restaurar a sua imagem de hegemonia bélica, se opondo ao papel do Kremlin e da União Soviética (que começaria a ruir a partir daquele ano, com a ascensão de Mikhail Gorbachev ao poder). A serviço de Washington, através de seus dólares e contatos congressistas, Hollywood e as grandes produtoras tinham no cinema uma força perfeita de propaganda e expansão desses ideais.

'De Volta para o Inferno' (1983), com Gene Hackman: 
filme que seria a síntese para o segundo episódio da saga Rambo

Comungando com tais princípios, Stallone já estava comprometido a promover um autêntico "resgate" do herói americano imbatível, e incrivelmente se baseando em uma história que havia sido filmada pelo mesmo Ted Kotcheff, diretor do seu primeiro filme como Rambo, Uncommon Valor (no Brasil, De Volta para o Inferno), de 1983, com Gene Hackman no elenco, ele estava disposto a fazer o veterano combatente por quem ele tinha fascínio voltar à ativa, e desta vez, retornando ao Vietnam!

Necessário dizer que, assim como outros artistas daquele período, Stallone estava tão alinhado com as ideias patrióticas em voga, que até mesmo o quarto capítulo de sua famosa saga do lutador de boxe, que sairia ainda no final daquele ano (Rocky IV), aludia à Guerra Fria, e trazia o célebre pugilista enfrentando no ringue ninguém menos que... um russo - Ivan Drago (interpretado por Dolph Lundgren), uma máquina comunista anabolizada para moer na pancada adversários do Ocidente!

Rocky 4

Agora, um relutante (mas ainda cheio de mágoa e ódio) John Rambo, ruminando tudo o que viveu, todo o desprezo da sociedade, e toda a tristeza de memórias das pessoas queridas que perdeu na guerra, deveria aceitar a missão de voltar lá, para resgatar companheiros americanos ainda prisioneiros de guerra em acampamentos vietnamitas militares, sobre os quais havia pistas descobertas por um grupo especial comandado pelo seu amigo veterano, o Coronel Trautman (Richard Crenna).

E, sim, é justamente isso que acontece, para quem ainda não viu o filme até hoje: Rambo volta ao Vietnam, liberta e arrebata os prisioneiros americanos, toca o terror geral, e de certa forma, ganha (sozinho) a guerra que seu país não ganhou -  conforme várias publicações da época citavam. (Aqui preciso dizer: não há spoiler nenhum em falar isso, pois são públicas e notórias as outras continuações que Rambo teve depois, tornando óbvio que o personagem vence no final desse segundo filme).

No panorama das artes cinematográficas, vivíamos um cenário em que viraram tendência e sensação os filmes protagonizados pelos chamados 'brutamontes' da ação, seres invencíveis que distribuíam murros, tiros e bombas a torto e a direito, e que passavam a ter os astros Sylvester Stallone e Arnold Schwarzenegger como seus luminares máximos. Eram bastante criticados pela imprensa especializada, devido à propalada "capacidade dramática mínima" de suas atuações, e pela enorme quantidade de violência e situações consideradas canhestras ou inverossímeis, nos filmes. Músculos demais, cérebros de menos, porrada e explosão comendo solta pra tudo quanto é lado, e dá-lhe blockbusters e o dinheiro jorrando nas bilheterias, uma época dourada para as produtoras que não volta mais (hoje se compara, talvez, somente aos filmes de heróis de quadrinhos, Marvel e DC - mas até isso já não é como antes).

Necessidades de "suspensão da realidade" à parte, devo dizer que 'Rambo 2 - A Missão', assistido hoje sem os arroubos de emoção e animosidade política do passado, pode ser tecnicamente considerado uma boa película de ação, com cenas de confronto e tensão excelentemente orquestradas, montagem dinâmica, um roteiro bem conduzido com certa eficácia e agilidade, e saídas argumentativas plausíveis e coerentes, superando com tranquilidade muita coisa ruim que vem sendo produzida em termos de filmes de ação e aventura, recentemente. O discurso de Rambo no final do filme, reclamando das desventuras que teve que passar para resgatar os soldados prisioneiros, e quase tendo a sua missão sabotada, foi considerado piegas por muitos. Hoje, eu diria que foi um esforço admirável de Stallone em dar o sangue para rodar uma tomada de cunho mais dramático e emocional, condizente com o tom da mensagem que o filme pretendia passar. Essa entrega, nos filmes de hoje, a gente não vê.

John Rambo retorna ao Vietnam e toca o terror

O que pode tornar o filme um pouco incômodo, para certas plateias atuais, detentoras de um olhar mais crítico, é o fato de que, apesar de seus agora 40 anos de idade, ainda pode ocorrer uma identificação ideológica com a sua simbologia pregressa, tendo em vista a atual geração do poder norte-americana.

O recorrente desejo de superação (ou recuperação) dos EUA, na figura de seu atual presidente (também republicano) Donald Trump, acirrando uma verdadeira guerra comercial com os países do restante do mundo, para garantir o sucesso de uma política cambial agressiva (e arriscada) de fortalecimento do mercado interno norte-americano, ao mesmo tempo em que toma frente em campos de batalha externos diversos (como a questão da Palestina e da Guerra da Ucrânia), passa a projetar o país novamente como um mártir libertador do Ocidente e do liberalismo moderno, deixando transparecer o receio de se curvar diante de uma "ameaça" de tons vermelhos, a China emergente, potência nascida como um império comunista, que agora tudo domina, tudo vê, e em tudo se expande e se adapta (IA e tecnologias, principalmente). 

Mais uma vez, os EUA se encontram ameaçados. "Oh, quem poderá nos salvar?". Periga não ser o Trump, o Musk, e nem mesmo o Chapolin Colorado.

Em tempos de desespero e ansiedade para retomar a glória e o tempo (dinheiro? bitcoins?) perdido, até que viria a calhar uma espécie de Rambo da geração Z, em uma nova roupagem, alusiva àquela de peitoril malhado, facão e fuzis de outra encarnação, mas que no lugar desses itens, simplesmente lançasse mão de um arsenal vigoroso e absurdo de vírus, fake news, ferramentas de IA e drones, de forma a derrubar e exterminar qualquer sistema de defesa considerado um inimigo da "liberdade".




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O SUBTEXTO PRECIOSO DE UM CLÁSSICO DO HORROR

  Quando foi originalmente lançado, em dezembro de 1973, O Homem de Palha ( The Wicker Man ), parecia ser apenas mais um exemplar do vigoro...