Eu não assisti a tão comentada série da Prime Video, Tremembé (2025). Lançada agora em novembro, e que romantiza os casos da vivência diária de criminosos célebres brasileiros, como Suzane Von Richthofen, os Nardoni, Elize Matsunaga, e outros, na também célebre prisão paulista.
Não vi, e penso que tampouco vou querer ver.
Andei lendo algumas coisas a respeito, sobre a opção pela visão artística "excêntrica" adotada pela obra, e achei melhor gastar o meu cada vez mais esparso tempo com outras formas de entretenimento, mais interessantes. A gente vai aprendendo a ficar mais seletivo com a idade, e em decorrência de tantas coisas que as mídias modernas vão oferecendo. Assim, acaba não tendo jeito mesmo de acompanhar tudo.
Venho sempre me lembrando de uma coisa muito curiosa: como que o mundo das artes adora alterar ou subverter a realidade dos fatos, em suas adaptações. Tem um depoimento deveras interessante do grande psiquiatra forense Dr. Guido Palomba (sou admirador) no podcast Inteligência Ltda., falando justamente a respeito disso, alguns dias após toda a celeuma e hype gerados pelo lançamento da série, e que é bem interessante de se ponderar a respeito. Dá só uma olhada:
Nunca nos enganemos: a grande verdade por trás de toda e qualquer adaptação de fatos reais para o mundo da arte acaba resvalando em um fator extremamente preponderante - e que se chama lucro, dinheiro. O negócio é chamar atenção e atrair o espectador. Às vezes, a verdade não é tão interessante para abrilhantar ou causar a expectativa que circunda o espetáculo - e espetáculo é algo que as plateias querem, mais até do que a verdade. Isso se torna um agravante para quem procura fidelidade, verossimilhança, ou o mínimo de bom senso em histórias que deveriam, primordialmente, retratar a realidade.
Dois casos bem interessantes de adaptação subversiva me vem à memória imediatamente, e que pessoalmente acompanhei na exata época em que ocorreram, ambos gerados pela megalomaníaca mídia de Hollywood nos idos da virada entre as décadas de 1980 e 90, do século passado. Ambos abordando grandes estrelas do rock, de eras diferentes, mas retratadas com toda a fleuma de mudanças e liberdades artísticas que caracterizam tanto esses tipos de empreitada: os filmes (e sucessos de bilheteria) La Bamba (de 1987), e The Doors (de 1991).
'La Bamba' (1987), com Lou Diamond Philips no papel de Ritchie Valens
O primeiro caso, a cinebiografia do cantor e compositor descendente de mexicanos Ritchie Valens - que pertenceu à geração inicial do rock and roll do final da década de 1950, e faleceu no trágico acidente aéreo que também vitimou os astros da época Buddy Holly e Big Bopper - veio embalado em todo o revival de rockabilly e músicas das antigas que os EUA viviam no período entre 1985 e 1989, com filmes como Stand By Me (Conta Comigo) e Dirty Dancing (Ritmo Quente) retratando aqueles "anos dourados" e com trilhas sonoras saudosistas, unindo a isso o fato do diretor Luis Valdez - fã de Valens e sua lendária versão rock para a canção folclórica "La Bamba", de 1958 - ter conseguido convencer os estúdios da Columbia Pictures a bancar o seu roteiro sobre a história de Valens e sua família, que ele ficou conhecendo e entrevistou ao longo dos anos anteriores, de forma a retratar a sua meteórica trajetória e morte precoce.
A verdade é que Valdez aproveitou todo o clima de celebração em torno dos dourados anos 50, aquele clima de oldies que estava em voga em Los Angeles, na época, e maquiou e "exagerou" alguns aspectos da história real, que hoje, graças à internet e todos os meios de pesquisa e comunicação de que dispomos, são fáceis de descobrir. Mais "cheinho" e com um aspecto latino bem mais acentuado na vida real, o verdadeiro Ritchie Valens nunca teve o sex appeal demonstrado pelo seu intérprete nas telonas, o ator Lou Diamond Phillips (fato bastante comentado, alguns anos depois), a sua relação com o irmão rebelde Bob (papel de Esai Morales) não era tão conturbada na vida real, e o seu romance com a jovem estudante Donna (Danielle Von Zerneck) também não foi tão longo e nem passara por contratempos tão dramáticos como no filme, apesar dos pais da moça realmente terem se mostrado contra o namoro. Obviamente, ocorreu toda uma "romantização" mais intensa da história de Valens, para mostrá-la mais dramática, e assim comover mais e obter maior aproximação com o público que lotou os cinemas na época.
O verdadeiro Ritchie Valens, em foto de 1957
Atualmente, se fala na possibilidade de uma nova adaptação cinematográfica da história de Ritchie Valens, e que seria (pretensamente) mais próxima da realidade dos personagens. Será?
Já no caso de The Doors, do célebre cineasta Oliver Stone, versão para os cinemas da vida e carreira do vocalista e letrista da banda, o mítico Jim Morrison, a coisa ficou um pouco mais grave, pois Stone colocou no papel de Morrison um ator que, incrivelmente, se transformou nele, vivendo uma caracterização e simbiose tão extrema com o personagem, que muitos na época chegaram até a confundir a sua voz cantando as músicas dos Doors: o excelente, e já falecido, Val Kilmer.
Val Kilmer como Jim Morrison, no filme 'The Doors' (1991)
Apesar de Kilmer ter ficado idêntico ao cantor, em visual e interpretação, o que na época ensejou muitas pessoas a dizerem que ele mereceria até concorrer ao Oscar, algumas críticas à forma como o filme foi feito choveram pesado.
Aqui, o grande problema da adaptação reside na maneira com que o roteiro trabalhou a persona do protagonista: pessoas íntimas, amigos e parceiros de banda do cantor, na vida real, reclamaram desde o primeiro instante sobre o caráter altamente fantasioso da personalidade de Morrison e de todos os acontecimentos envolvendo o grupo, no enredo do filme.
A comparação entre a sessão de fotos original feita pelo verdadeiro Jim Morrison, em 1967, e a reprodução por Val Kilmer para o filme de Oliver Stone, em 1991
Ray Manzarek, tecladista e companheiro do vocalista desde o início do grupo, foi o primeiro a levantar a voz, em entrevista na época do lançamento do filme: "Cara, aquele filme mexe com energias muito pesadas. Alertamos Stone sobre o que ele estava fazendo com a imagem do Jim. Eu conheci o verdadeiro Jim Morrison e sim, ele tinha seus momentos malucos e era capaz de fazer todas aquelas loucuras que estão retratadas no filme, mas ele não era nunca, absolutamente, o cara insano 24 horas direto que Oliver Stone quer que as pessoas vejam ali, não mesmo. Ele apenas tinha seus momentos, mas Jim era um cara extremamente doce, gentil, muito humano, e tímido até, na maioria das vezes. Aquele homem no filme não é o Jim Morrison que eu conheci."
Revoltado, Ray acabaria bancando e filmando pouco tempo depois um documentário próprio seu, The Soft Parade (1992), onde ele contava a sua própria versão da história de Jim Morrison e os Doors.
Jim Morrison
John Densmore, baterista dos Doors, também testemunharia contra: "Oliver Stone mandou o roteiro para todos nós lermos, antes de começar a filmar. Chegamos a relatar coisas para ele sobre a época, situações que vivemos, em shows, na estrada, e demos uma espécie de consultoria. Pessoalmente, acho a visão de Stone para as coisas brilhante, ele é um dos melhores cineastas da atualidade, na minha opinião. Então, é óbvio que se você me perguntasse, eu preferia mais que ele fizesse esse filme do que qualquer outro cineasta, que poderia ter um enfoque medíocre. Mas o problema é que ele simplesmente exagerou em certas coisas."
Pior é a opinião de Patricia Kennealy, jornalista e "sacerdotisa" de uma seita da época em Los Angeles, uma das muitas ex-amantes de Jim Morrison, e que também é retratada no filme: "Fiquei decepcionada quando vi o corte final. Apesar de eu estar na trama, não concordo com o que vi ali. Não mostra o Jim poeta, o homem intelectual, erudito, e apaixonado. É só Jim, o escroto, o tempo todo."
Bem, talvez não tenha sido culpa exclusivamente do Oliver Stone. O mundo das artes tem dessas coisas: sabe lá se algum produtor mais mala ou algum revisor de roteiro espertalhão foi lá e leu alguma coisa, ou assistiu alguma cena para avaliação, e disse "nossa, mas isso aconteceu assim mesmo? Isso está chato demais, o público vai abrir a boca de sono, ninguém vai gostar!" - pois é, perigos de ter que enfrentar o que a vida real é, muitas das vezes, não? Chata mesmo (rs).
Paradoxalmente, em certos momentos mais recentes, Hollywood parece querer se desculpar desses "arroubos" de licença artística do passado, e andam aparecendo algumas cinebiografias que prezam mais pela autenticidade dos fatos.
O caso mais recente é o aclamado e oscarizado Oppenheimer (2023), de Christopher Nolan, que levou a cobiçada estatueta para casa, bem como o intérprete do personagem (pai da bomba atômica), o talentoso Cillian Murphy. Cineasta técnico e super detalhista, Nolan se preocupou em buscar a máxima verossimilhança com os fatos reais, tal qual ocorreram - ainda que, em alguns pequenos momentos, de importância não muito considerável, ele também tenha dado algumas mexidinhas nos fatos. Mas de forma a privilegiar a narrativa, claro.
De qualquer forma, me tornei bastante restritivo em relação a adaptações.
Tem que ser muito bem feitas, e espelharem muito bem a realidade - sob o risco de que as novas gerações (e as próximas, que virão), tomem o que está ali como verdade absoluta e irrefutável dos fatos apresentados, o que demonstra uma inevitável responsabilidade histórica que a arte pode ter, em certos momentos.
Atualmente, entre uma adaptação cinematográfica (por melhor que seja), e um bom documentário, o que prefiro? Acho que nem preciso dizer.
Robert Oppenheimer: à esquerda, o verdadeiro.
À direita, interpretado por Cillian Murphy, no filme de 2023.
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Cultura pop - incluindo música, literatura e cinema - tecnologia, atualidades e críticas sobre costumes e sociedade em geral: temas que nosso blog tem abordado, desde o seu início.
Diriam alguns: eis a pergunta de 1 milhão de dólares.
Diante de todas as dificuldades da vida, dos tantos contratempos, das coisas que se mostram arrasadoras e desanimadoras de nossos sonhos, é realmente uma pedra maciça do questionamento e da consciência: por que continuar? O que nos faz seguir? O que nos move e motiva, apesar de todas as intempéries?
Isso em todos os sentidos. Mas, por hora, vou me ater a esta atividade específica aqui, de persistir em escrever para um blog. Em ainda tentar disseminar e agradar através de uma arte em franco declínio, que é a arte da escrita.
Parei por uns três meses, período sabático mesmo. De descanso e reflexão. Ponderando se valia a pena continuar tocando isso aqui. As pessoas não leem mais, fui recomendado por várias pessoas amigas e conhecidas a tentar migrar para a "coisa do momento", criar canal no YouTube, partir pro lance de ser um influencer, batalhar views, likes e engajamento, entrar naquela selva pantanosa de produzir incessantemente, ficar doido de burnout e driblar direitos de som e imagem, ah mas que droga, eu que nem gosto muito da minha imagem em vídeo, ia ter que criar equipe, arrumar equipamento bom (inevitável a partir de certo momento, se a coisa surte efeito), ficar inventando umas pautas que dependem de MUITO trabalho de edição, me proteger dos haters e strikes, e tudo o mais, blá-blá-blá, e blá-blá-blá.
Quer saber?
Dane-se. Não animei.
Quem quiser ler, seguir, e continuar acompanhando este humilde blog aqui, do jeito que ele é, que continue. Quem não quiser, prazer, foi bom te conhecer, segue com Deus e cada um no seu caminho. Eu vou continuar nesse meu aqui, não importa quantos leiam ou deem moral.
As pessoas hoje estão muito acomodadas. Querem saber só de ficar vendo e ouvindo vídeo, na leseira, e estão esquecendo dessa coisa boa que é LER. Simplesmente ler, se deleitar com um bom texto, algumas boas fotos, e tal.
Quando me falaram que os jornais impressos estavam entrando em decadência com o advento dos sites de notícias na internet, lá pelo início dos anos 2000, eu não imaginava que o buraco ia se encompridar tão mais pra baixo. A coisa tá feia. O nível intelectual do povo desceu muito a ladeira, e eu francamente atribuo isso ao fato das pessoas andarem largando de ler. LER, ler mesmo! Pegar a palavra escrita e abstrair a partir dela, trabalhar a mente, exercitar o tutano.
Há uma estimativa de que, no Brasil, a proporção de leitores na população brasileira caiu para 47% (em 2024), uma redução em relação aos 52% registrados em 2019, de acordo com a 6ª edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil (divulgada em 2024, comparando dados com a edição de 2019). Isso relacionado a livros e impressos periódicos, mas que também pode ser aplicado a sites em geral. Um dos fatores que contribuem para essa queda, segundo a coordenadora da pesquisa, Zoara Failla, é que a internet e as redes sociais estão "roubando o tempo do livro", sendo usadas como principal atividade no tempo livre, especialmente entre as camadas mais ricas e com ensino superior. Olha só que escabroso.
Eu não vou contribuir para aumentar esses números tristes (e graves). Continuarei valorizando a escrita e a leitura, por meio desta simples mídia que é o BLOG, que pode ter todas as suas mazelas e deficiências, mas que eu ainda prezo muito.
E se você está lendo isso aqui, e está gostando, que bom, que privilégio ter você aqui comigo! Eu te saúdo, e te convido a continuar. Demos uma reformulada visual no blog, com a intenção de deixá-lo com uma cara mais leve, limpa, e mais convidativo, e continuarei produzindo e postando aqui, no meu tempo e conforme minhas possibilidades, mas é sempre um prazer muito grande saber que você está aqui comigo, e me prestigia. Sigamos.
Obrigado!
- - - E DÁ-LHE MAIS BEATLES NO CRÂNIO! - - -
Iahuu! Pois é, tá vendo só, como são as coisas hein?
Lá em novembro de 2023, quando começamos neste espaço - ou seja, há exatamente dois anos atrás - o assunto da postagem era como os então recentes lançamentos de Beatles e Rolling Stones pareciam cravar o adeus definitivo de ambos os lendários grupos, em termos de novidades no universo pop. Os Beatles, com mais um single contando com a participação virtual e post mortem de John Lennon, favorecida pela tecnologia ("Now and Then"), e os Stones, com o álbum Hackney Diamonds.
Pois então, não foi bem assim.
Eis que já surgiram recentemente novos rumores de (mais uma!) turnê mundial dos Rolling Stones, e os Beatles relançam agora, ainda no final deste mês, o célebre projeto Anthology, remasterizado e todo renovado como parte de seu catálogo em parceria com a Disney, onde será exibido em episódios, tal qual fora quando originalmente idealizado e lançado, lá nos idos de 1995, nos canais de TV do mundo inteiro.
É aquele famoso e detalhado documentário que conta a história da trajetória completa da banda, através de depoimentos dos seus próprios integrantes, e que trazia acoplado ao seu lançamento um conjunto de discos (e agora, faixas de streaming), com diversas versões e gravações inéditas ou alternativas de seus sucessos.
Eu, que presenciei e vivi o frenesi todo da coisa naquela época dos anos 90, já fiquei embasbacado só de ver o teaser e alguns trechos já divulgados trazendo novas cenas, novas faixas, e tudo com uma qualidade digital absurdamente maravilhosa, que deixa comendo poeira a versão antiga, presente em já obsoletos DVDs e fitas de vídeo que eram colecionados a tapa por fãs.
Novamente, a magia de se reviver uma era de ouro do rock e da música pop se faz presente, e com a qualidade preciosa que a melhor tecnologia de som e imagem atuais podem oferecer.
E sabe por que é que isso ainda agita o cenário musical? Por que cargas d'água que uma banda antiga, que fez sucesso há mais de sessenta anos, ainda provoca tanto frisson assim no mercado, ao anunciar mais um lançamento?
A lamentável e deprimente realidade teima em nos mostrar: porque pra quem gosta de música boa de verdade, feita com alma e coração, e não se dispõe a procurar por ela nos recantos alternativos da web e demais mídias por aí, a coisa tá feia, e só resta se apegar ao passado mesmo.
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Ainda inspirando mistério e cogitações em torno de qual será a sua próxima - e anunciada como última - produção cinematográfica, um dos mais talentosos e aclamados cineastas norte-americanos contemporâneos, Quentin Tarantino, permanece sendo objeto de estudo e análises de cada vez mais cinéfilos e estudiosos dos cursos de cinema, e amantes da sétima arte.
O universo que ele construiu através de seus célebres filmes - obras como Cães de Aluguel (1992), Pulp Fiction (1994), Kill Bill (partes 1 e 2, 2003), Bastardos Inglórios (2009), Era Uma Vez em Hollywood (2019) e outros, só para citar alguns - concentra a visão genial de um criador e esteta da arte de transportar para as telas personagens muito peculiares, e repletos de características como a verborragia e extrema violência, numa substancial carga de emoções em cenas que são, muitas vezes, citações de outros gêneros e momentos do cinema, sempre ligados a um amálgama da cultura pop que Tarantino tanto revisita, urde, e reinventa, em sua mente.
Quentin Tarantino
O cara trabalhou como assistente de videolocadoras durante muitos anos em Los Angeles, meca do cinema, enquanto criava roteiros e mais roteiros que bebiam naquela magistral fonte caótica vinda de uma enxurrada de filmes B, spaghetti westerns, filmes orientais de kung-fu, e grandes clássicos do cinema americano e europeu, dos mais variados, dos quais Tarantino era fã e devorava vorazmente, assistindo repetidas vezes, que foram fervilhando e se misturando num caldeirão de referências, que só podia dar mesmo nas obras tresloucadas que ele passou a posteriormente dirigir.
Hoje vamos abordar aqui algumas dessas obras - a maioria bem obscuras, por sinal - que acabaram sendo (re)descobertas por muita gente, graças ao fato de terem sido referenciadas e servido de inspiração para Tarantino, em momentos marcantes de alguns de seus melhores filmes. É uma pequena coleção que, caso vocês encontrem por aí, nos streamings ou "meuspuloflix" da vida, vale bastante a pena conferir.
Fugindo do Inferno (The Great Escape, 1963)
Comparação das cenas entre os dois filmes, com DiCaprio e McQueen
Esse clássico americano dos filmes de guerra, que enfoca um grupo de prisioneiros tentando escapar de um campo de concentração nazista durante a Segunda Guerra Mundial, tem uma cena retrabalhada digitalmente no filme Era Uma Vez em Hollywood, de Tarantino, para justificar que o personagem de Leonardo DiCaprio, Rick Dalton, teria uma tentativa frustrada de conseguir o papel no lugar do astro Steve McQueen. No mesmo filme, aliás, McQueen também participa da trama, mas desempenhado pelo ator Damian Lewis , incrivelmente parecido com ele.
Damian Lewis
Django (1966)
De um dos mais violentos faroestes espaguete de todos os tempos, narrando a história de um lacônico pistoleiro que chega a uma inóspita cidade tomada por facínoras em busca de dólares e vingança, e que marcou época, Tarantino usou a inspiração tão somente para o nome de seu espetacular filme com Jamie Foxx e Christophe Waltz nos papeis principais, Django Livre, de 2013. Mas em seu filme onde Django é um ex-escravo, que busca recuperar sua esposa de uma fazenda de escravagistas, e também cavalga sob o estigma da vingança, Tarantino reservou, além da bela (e grudenta) canção-tema, uma pequena participação especial do ator que interpretou o Django original, Franco Nero, em algumas cenas marcantes.
Jamie Foxx e Franco Nero em 'Django Livre'
Assalto ao Trem Blindado (Inglorious Bastards, a.k.a. Quel Maledetto Treno Blindato, 1978)
Cartaz original nos EUA
Enzo G. Castellari (86 anos) é um dos mais cultuados diretores italianos de filmes de ação de baixo orçamento, autor de "clássicos" da rapinagem que imitavam filmes americanos, e que chegaram a fazer bastante sucesso no Brasil, como Os Guerreiros do Bronx - de 1982, imitação de "Fuga do Bronx", do ano anterior, de John Carpenter, com Kurt Russel - e O Último Tubarão- 1984, picaretagem na onda dos filmes da série "Tubarão", e que alguns engraçadinhos chegaram a lançar aqui na época como se fosse o "Tubarão 4". Mas antes, durante a década de 70, Castellari chegou a rodar alguns filmes brutos bem interessantes e bem classificados, como o faroeste Keoma(1976, com o Django original, Franco Nero), e este exemplar do cinema de guerra e ação que se chamou "Assalto ao Trem Blindado", no Brasil - um dos melhores do gênero já feitos na Itália - e que, sabe-se lá porque, nos EUA, foi batizado de Inglorious Bastards. Fanzaço do filme, que em tempos idos ele deve ter rodado no videocassete até furar a fita, Tarantino rendeu uma homenagem usando somente o mesmo nome para batizar o seu genial filme de guerra de 2009, mas cuja trama, apesar de também ambientada na Segunda Guerra Mundial, é totalmente outra.
O casca grossa Fred Williamson, junto a Bo Svenson e outros astros do cinema de ação dos anos setenta, arrebenta com tudo no 'Bastardos Inglórios' original (1978)
Foxy Brown (1974)
Pode-se dizer que a Jackie Brownoriginal, do filme lançado por Tarantino em 1997 - uma obra um pouco menor, em sua filmografia - traz de volta quase a mesma personagem interpretada pela poderosa Pam Grier, musa do cinema blaxploitation de ação dos anos 70, cujas fitas atraíam a marmanjada na base da porrada/nudez/vingança. Neste filme, ela é uma moça que se infiltra em uma rede de prostituição em busca de... (surpresa) vingança!
Vingança na Neve (Lady Snowblood, 1973)
Sabe aquela sequência final de Kill Bill Vol. 1, em que a personagem Noiva (Uma Thurman) enfrenta a guerreira samurai O-Ren (Lucy Liu)? Pois bem: todinha baseada em cenas desse clássico japonês do cinema de ação, um dos mais cultuados e estilizados dos anos 70, com a cantora/atriz Meiko Kaji no papel de uma jovem guerreira vingando a morte de sua mãe.
A Arma Secreta contra Matt Helm (The Wrecking Crew, 1968)
Filme americano da reta final dos anos sessenta que servira de veículo para o ator/cantor Dean Martin, outrora famoso pelos filmes em parceria com o comediante Jerry Lewis, mas que já entrava numa fase mais decadente. O filme explorava aquele filão das fitas de ação e espionagem, tão popular graças à então recente série britânica do agente 'James Bond 007' - na época, ainda com Sean Connery no papel. Mas o grande atrativo deste filme mesmo seria a belíssima e emergente atriz esposa do cineasta Roman Polanski, Sharon Tate - no papel de uma ajudante do espião Matt Helm, interpretado por Martin - que se vangloriava então de ter rodado ela mesma todas as cenas de ação com lutas marciais (com coreografia de, vejam só, ninguém menos que Bruce Lee!), e que estava aparecendo cada vez mais na mídia, numa carreira em que ainda iria brilhar muito. Até que infelizmente aparecessem os maníacos do grupo de Charles Manson na casa dela, e... Este filme e toda a trajetória de Sharon foram mote para o roteiro do, até o momento, último filme de Tarantino, o ótimo Era Uma Vez em Hollywood, e cenas com a Sharon Tate real (que no filme é interpretada por Margot Robbie) chegam a aparecer em alguns trechos.
Acima: a Sharon Tate real, no filme 'Matt Helm' (1968), e a interpretada por Margot Robbie
Até no Inferno Irei à Tua Procura (Dinamite Jim, 1966)
Produção ítalo-espanhola que serviu de referência para o personagem de Rick Dalton (DiCaprio) no filme "Era Uma Vez...", de Tarantino, e sua ida para a Itália para rodar faroestes spaguete e filmes de ação bruta, como uma forma de tentar recuperar sua carreira - a exemplo do que vários atores americanos decaídos e sem boas propostas de trabalho estavam fazendo na época. Esta é bastante obscura, e tem como destaque a canção-tema do popular cantor Nico Fidenco.
O Mestre da Guilhotina Voadora (Master of the Flying Guilotine, 1976)
Épico caricatural do cinema de kung fu e artes marciais dos anos 70, foi daqui que saiu a figura do velho mestre que treina a Noiva, personagem de Uma Thurman, em Kill Bill - é o próprio! As cenas de lutas e os nomes dos personagens - unidos à hilária dublagem em inglês, bastante fora da sincronia, como de costume - fazem a delícia dos admiradores deste gênero, em um filme que, com certeza, também serviu de inspiração para aquela impagável comédia satírica dos anos 90, Kung Pow!
Os Violentos Vão para o Inferno (Il Mercenario, 1968)
Outro faroeste espaguete, também com o lendário Franco Nero, que inspirou bastante os personagens não só de Django Llivre, mas também de Os Oito Odiados, o outro western de Tarantino, de 2015. Aqui, o plot é um mercenário (personagem de Nero) que planeja um grande atentado contra as forças do governo do México. Muito sangue, violência, e personagens sádicos e cínicos, bem do jeito que Tarantino gosta.
Morte em Fuga (Death on the Run, a.k.a. Moving Target, 1967)
Este é um filme italiano do gênero policial com o ex-astro americano de séries de TV Ty Hardin, que migrou para a Europa para reerguer sua carreira - beeem ao estilo Rick Dalton, do filme Era Uma Vez em Hollywood mesmo - e que possui algumas sequências de perseguição automobilística muito doidas, cujos recortes foram também utilizados por Tarantino em cenas de seu filme, como se o personagem do Leonardo DiCaprio estivesse atuando nelas.
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Se foi o Príncipe das Trevas, em 22 de julho de 2025. Morreu John Michael Osbourne - Ozzy Osbourne, o grande e lendário vocalista original e membro fundador do Black Sabbath, o famigerado e polêmico ícone solo do heavy metal que ajudou a alastrar ainda mais os domínios do gênero a partir dos anos 80, o inesperado astro de reality show da MTV, o mais tresloucado personagem da cultura pop dos últimos tempos, o pai supremo do rock pauleira.
Ozzy Osbourne is dead. Long live Ozzy.
O surpreendente é que, apenas 17 dias antes, participara do Back to the Beginning, evento agora já histórico, em sua terra natal (Birmingham, na Inglaterra), e anunciado como sua despedida definitiva dos palcos, ao lado dos seus companheiros de Black Sabbath (os originais mesmo: Tony Iommi na guita, Geezer Butler no baixo, e Bill Ward na bateria), e sendo também homenageados por várias bandas famosas presentes, que tocaram covers do grupo, num formato de festival que durou uma tarde inteira.
E acabou sendo de fato uma despedida definitiva.
Ozzy com o Black Sabbath: passado e presente
Era notório que estava perto de acontecer, devido ao debilitado estado de saúde do cantor. Mas com a tal da morte é assim, o baque da notícia é sempre inevitável, e o mundo ficou atordoado quando ela ecoou em todos os veículos midiáticos nesse dia. Ozzy, além de lendário, era uma figura muito querida, e absurdamente simpática, apesar (ou até por causa) de todos os exageros e nuanças caricaturais que permeavam a sua trajetória.
De tão diabólico, se tornou amável. Pois as coisas são assim, no fundo todos sabemos (com exceção dos fanáticos e extremistas) que tudo faz parte do show, é a magia pop da imagem. E ele tinha um carisma e tanto. Ozzy é dessas figuras que se tornaram parte indissociável do folclore do rock e que povoam o imaginário coletivo, mesmo caso de Elvis, John Lennon, Freddie Mercury e Raul Seixas (no Brasil).
O jovem Ozzy (foto de 1971)
Em 1983
Se torna lugar muito comum começar a citar e repetir aqui tudo que já se sabe, e que já tem sido falado e escrito - ainda mais agora, com sua passagem - sobre o mítico e inesquecível Ozzy Osbourne. Poderíamos ficar escrevendo um monte de coisas aqui, que ainda nem chegaria na metade de tudo que há para se falar, de tantos lances irados que pontuaram a vida do cara. A repercussão de sua partida apenas reforçou o quanto Ozzy se tornou emblemático para o heavy metal, o rock, e a música em geral, no mundo inteiro, extravasando em muito a imagem mais simples que existia dele lá nos confins dos anos 70, quando ainda era apenas o crooner carismático do Sabbath, ou na sua transição para a carreira solo, já no decorrer dos anos 80/90, repleta de altos e baixos, momentos sinuosos e incertezas, mas que acabou o consolidando como um grande e inabalável artista, bastante profícuo até, apesar das já folclóricas narrativas sobre exageros com substâncias e polêmicas envolvendo pequenos animais.
Pensamos que neste blog, talvez, a melhor forma de lembrar e homenagear esse ídolo inconteste seja mesmo ouvindo novamente e comentando alguns momentos significativos de sua extensa obra, em nossa humilde opinião - afinal, além de tudo, ele era um cantor, e com certeza, é assim que gostaria de ser mais lembrado: pela sua arte.
Na trindade barulhenta do início dos anos setenta, que estabeleceu as bases para tudo o que viria depois, enquanto Robert Plant (do Led Zeppelin) era o cara mais bluesy e blasé, de tom refinado e trinados bem calculados, e Ian Gillan (do Deep Purple) se apoiava na potência e virtuosismo vocal modulados com o instrumental arrojado de sua banda, devemos lembrar que Ozzy era o menos privilegiado tecnicamente falando, mas o quão genial ele foi ao transformar isso em vantagem, com milhares de pontos a seu favor na medida em que foi capaz de criar um estilo de cantar tão característico, tão seu e marcante, de forma que nunca, jamais aquelas músicas originais do Black Sabbath soariam tão bem, se não fossem com ele. Era como se os seus vocais fossem impressões digitais - ou é daquele jeito, ou nada feito.
E o que era mais admirável: Ozzy era um músico prático. Ele não tinha teoria, o conhecimento musical erudito, sequer sabia ler partituras ou compor usando cifras e notas. Se guiava pela intuição, cantando o que vinha em sua mente e o que sentia que seria melhor para cada composição. Mesmo assim, firmou parcerias formidáveis, com músicos estupendos - basta lembrar da sequência de guitarristas que vai de Tony Iommi, passando por Randy Rhoads até Zakk Wylde - e criou ele mesmo, de cabeça, algumas das maiores melodias do heavy metal.
Em 1981: shows históricos com Randy Rhoads
Então, para celebrar a vida e obra admiráveis desse fantástico artista, vamos ao que realmente interessa: vamos ouvir e comentar algumas músicas de Ozzy Osbourne, em sua carreira com o Sabbath e em sua fase solo. E já vou cravando aqui que essa é uma seleção de 20 músicas altamente subjetiva, do meu gosto pessoal mesmo - resolvi deixar de fora o óbvio, todas aquelas coisas mais manjadas que todo mundo colocaria em uma lista, por pura obrigação histórica (tipo "War Pigs", "Paranoid" ou "Mr. Crowley", por exemplo). O critério aqui foi: quais foram aquelas músicas que, pela primeira vez que eu ouvi, pensei "putz, não daria nunca pra ficar melhor na voz de outro cara, essa é do Ozzy mesmo"!
Eis então as músicas com os vocais mais marcantes do Ozzy, na minha opinião.
No Black Sabbath:
Black Sabbath (disco 'Black Sabbath' - 1970)
Quando o "disco com a capa da bruxa" foi lançado, numa plena sexta-feira 13, de fevereiro de 1970, o mundo nem sequer imaginava o choque e impacto de uma faixa, logo na abertura, em que o clima era de um perfeito filme de terror, com sinos, sons de tempestade, ritmo, e o riff mais sinistro já tocado até então, aliados a uma vez lúgubre, anasalada e chorosa, que de tanta carga emocional e pavor, passava a ecoar urros desesperadores, à medida que a canção alternava para a cadência galopante do heavy metal que seria imitada, copiada, retrocopiada, e regurgitada de tudo quanto é jeito, até hoje. Senhoras e senhores, este era o Black Sabbath, metendo o pé na porta com a sua canção título e símbolo.
Wicked World (compacto c/ 'Evil Woman' - 1970)
Música que originalmente não estava no LP de estreia do grupo, e saiu em um single na Inglaterra com "Evil Woman", se destaca por realçar um estilo vocal que seria regra para Ozzy, em vários momentos de sua carreira: os tons mais graves e nervosos, repletos de tensão, cantados ao longo da letra, evoluindo para notas mais agudas e atmosféricas, assim que as estrofes progrediam ou passavam para o refrão. Com o advento do CD e da música digital, passou a ser incluída nos relançamentos do primeiro disco da banda.
Ozzy com sua primeira esposa, a inglesa Thelma Riley (1972)
N.I.B. (disco 'Black Sabbath' - 1970)
Outro momento icônico do primeiro álbum da banda, essa é a música que deixou fãs e estudiosos do rock por décadas com grilos na cabeça a respeito da origem da sigla no nome - que nada mais era do que uma brincadeira envolvendo a semelhança do formato da barba de Bill Ward com a ponta de canetas esferográficas. Mas possui um dos ganchos melódicos mais reconhecíveis da história do metal, introduzido pelo baixo de Geezer e acompanhado pela guitarra de Tony Iommi, e sobre o qual Ozzy apoia toda a condução vocal da faixa, apenas alterando e subindo o tom de maneira maravilhosamente melancólica na hora do épico refrão. O exemplo perfeito de como Ozzy e o Sabbath conseguiam transformar o simples e o básico em algo grandioso e insuperável.
Electric Funeral (disco 'Paranoid' - 1970)
Assim como na faixa anteriormente comentada, este petardo do álbum Paranoid tem a performance de Ozzy toda apoiada nas melodias de baixo e guitarra guiadas por Geezer e Tony, mas aqui a ambientação é bem mais soturna e cavernosa, praticamente dando luz ao estilo 'doom metal', um novo gênero do metal que permearia também todo o disco seguinte da banda (o Master of Reality). Muito interessante notar como Ozzy consegue fazer sua voz soar ainda mais sinistra e aterradora do que em outras músicas, interpretando a letra de uma forma quase teatral e usando apenas um mínimo de efeitos de estúdio (um reverb quase imperceptível), ou seja, o cara fazia a coisa na raça mesmo, e estava sem saber criando um estilo de cantar que muitos tentariam emular depois. Sem o mesmo resultado, obviamente.
Botando pra quebrar ao vivo com o Black Sabbath, em 1970
Solitude (disco 'Master of Reality' - 1971)
Aqui, a coisa rola um pouco diferente. "Solitude" é uma faixa diferenciada, que começa a mostrar novas nuanças no som do Black Sabbath, demonstrando que a banda possuía lirismo musical e buscava mostrar que a intensidade de suas músicas também podia se basear em elementos folk medievais, até mesmo de inspiração celta. Para isso, Ozzy utiliza pela primeira vez uma interpretação suave e inebriante, que muitos até duvidaram na época que fosse realmente dele, e que casa muito bem com as flautas e acordes de guitarra desta mística faixa.
Changes (disco 'Volume 4' - 1972)
Também numa vibe diferente de seu estilo habitual e mais agressivo, Ozzy entrega aqui aquela que, para ele mesmo, era uma de suas melhores interpretações da época do Sabbath - mas que a banda raríssimas vezes executou, por achar que se tratava de uma canção muito lenta e melosa para as tradicionais performances bombásticas da banda em suas turnês, e que tinha sido feita mesmo na base de uma "experiência" musical, para inclusão no repertório do quarto disco (influenciada pelo 'pó branco' de Tony Iommi ao piano, e a dolorosa separação de Bill Ward de sua esposa, na época). A questão é que, com a entrega simples e melancólica da voz de Ozzy, e um refrão pegajoso que até hoje povoa a programação de todas as rádios de flashback do globo terrestre, a balada "Changes" catapultou o nome do Black Sabbath para novas audiências, onde eles jamais imaginariam antes chegar.
Supernaut (disco 'Volume 4' - 1972)
Uma das mais poderosas e inovadoras pauleiras já criadas e executadas pelo grupo, "Supernaut" é o resultado da entrega cada vez mais furiosa de riffs pesados e intensos de Iommi, perfeitamente encadeados com uma cozinha sonora acachapante e arrasadora proporcionada por Geezer e Ward. E Ozzy, por sua vez, começando a explorar a sua extensão vocal de formas cada vez mais ambiciosas também, numa época em que eles simplesmente consumiam a "COCA cola" o dia inteiro, compondo e gravando freneticamente numa mansão luxuosa de Bel Air, Los Angeles (conforme está na própria contracapa do LP, zoeira pura): o resultado é uma verdadeira locomotiva sônica passando por cima do ouvinte, e acabando com tudo e todos. É um dos pontos altos e mais lembrados do quarto álbum da banda.
Looking for Today (disco 'Sabbath Bloody Sabbath' - 1973)
Essa música pertence a uma fase em que Ozzy já estava, assim como no disco anterior, quebrando barreiras e ultrapassando todos os seus limites como vocalista, chegando a atingir aquelas que seriam, talvez, as notas mais altas de sua carreira, como pode se notar pelo refrão. Muito disso se deve em parte a, como ele mesmo disse certa vez, o fato de todos os caras da banda estarem muito "doidões" e indo a mil na criação de novas músicas, turbinadas não só pelo vigor ainda natural da juventude, como também todo o coquetel de estupefacientes que eles consumiam... De qualquer forma, é uma performance vigorosa de Ozzy cantando essa letra sobre confusão mental e a passagem do tempo, provavelmente refletindo o ritmo alucinante em que estavam gravando e excursionando na época, em um disco que também demonstrava um substancial flerte com o rock progressivo.
Sympton of the Universe (disco 'Sabotage' - 1975)
O Sabbath chega em 1975 numa tremenda ressaca de cinco anos de loucura, entrando no primeiro grande hiato de sua carreira ao descobrirem toda a podreira de roubos e desvios financeiros que vinham sofrendo de seu empresário, Patrick Meehan. O clima ficou tão pesado e deprê, que a vida do grupo virou um imenso vai-e-vem de audiências nos tribunais, e o álbum Sabotage (cujo nome já diz tudo, se sentiam detonados pelo cara em quem confiavam) ganhou as ruas sendo aclamado como um dos mais pesados e agressivos trabalhos feitos pela banda, reflexo de toda essa frustração e neura que estavam sofrendo. Assim sendo, não é de se estranhar que faixas como essa sejam uma porrada acelerada e tão mastodôntica, que seja considerada a precursora do thrash metal: os vocais de Ozzy são agonizantes, berrados e caóticos mesmo, o "yeaaah" gritado por ele soa como se fosse o último urro de vida de um condenado à insanidade eterna, primal e cheio de raiva.
Megalomania (disco 'Sabotage' - 1975)
Outra faixa do Sabotage, outro petardo épico, essa longa viagem onírica pelo reino da desilusão contém alguns dos vocais mais bem elaborados de Ozzy em seu período sabático - ele passeia com desenvoltura pela melodia melancólica da primeira parte da música, mais lenta, e depois desembesta no frenesi de um estilo vocal rascante e mais alto, da segunda parte em diante, chegando a um clímax memorável, mediante a saraivada de solos homicidas de Tony, e a pancadaria de baixo e bateria promovida por Geezer e Bill. Uma das melhores músicas do Black Sabbath desde sempre, no meu parecer.
Air Dance (disco 'Never Say Die' - 1978)
Na reta final de sua fase com o Sabbath clássico, Ozzy nos delicia com uma interpretação sensível e comovente, bastante caprichada nos agudos, para contar uma história alusiva aos sonhos frustrados de uma dançarina, em um embalo bem exótico para o Sabbath, que beira o jazz rock e elementos mais pop no som do grupo - Never Say Die, o último trabalho do cantor com a banda antes de sair em carriera solo, foi considerado por muitos anos um álbum inferior, mas a sua importância e influência vem sendo revisitadas em avaliações mais recentes, emoldurando o seu caráter eclético e diferenciado na discografia do Sabbath, e fazendo com que seja redescoberto por toda uma nova geração de fãs.
Em carreira solo:
Crazy Train (disco 'Blizzard of Ozz' - 1980)
Ozzy embarca em sua carreira solo com tudo, pilotando alucinadamente o "trem doido", que se tornaria uma das marcas registradas de seus shows, e um de seus maiores sucessos. O famigerado estilo vocal desenvolvido com sua banda anterior se torna aqui mais fluído, limpo e dinâmico, se encaixando também no som de sua nova banda, que passa a receber, inicialmente, o mesmo nome do disco de estreia solo ('Blizzard of Ozz', um trocadilho com o nome do célebre 'Wizard of Oz', O Mágico de Oz). Era o início da onda de metal rápido, poderoso e repleto de virtuosismo técnico dos anos 80, que vinha com as bandas Van Halen, Iron Maiden, e os discos mais recentes do Judas Priest, dando vigor para a rápida expansão mundial do gênero, e que no caso de Ozzy, tinha no exímio e precoce talento do jovem guitarrista norte-americano Randy Rhoads o seu principal representante. Rhoads, antes um tímido professor de violão clássico e fã de música erudita, que começara tocando guitarra na banda Quiet Riot, seria de fundamental importância para a criação das primeiras composições de Ozzy e o desenvolvimento de um estilo próprio para ele, nos princípios de sua carreira solo (como o cantor mesmo declararia, diversas vezes depois). E apesar de toda a imagem satânica que acompanhava e estigmatizava o cantor, desde o Black Sabbath e que agora passaria a ser mais explorada ainda pela mídia, as letras de suas canções continuavam dando deixas de que o negócio do cara era passar uma mensagem positiva, e muitas vezes falar sobre o amor, ainda que na maioria das vezes fosse mal interpretado (vide o trecho que diz: "talvez não seja tarde para aprender a amar, e se esquecer de como odiar").
Com Randy Rhoads em 1980: novos rumos
Revelation (Mother Earth) (disco 'Blizzard of Ozz' - 1980)
Esta subestimada balada, também do primeiro disco solo de Ozzy, é um dos momentos mais melancólicos da nova fase do cantor, com vocais e letra inspiradíssimas, além de pioneiras: em pleno início dos anos 80, pode ser considerado o primeiro grande hino ecológico, profetizando a ruína do planeta e as mazelas da destruição da natureza. Enquanto Ozzy realiza verdadeira imprecação dolorosa e cheia de apelo, cantando sobre o iminente fim da raça humana, o perfeito entrosamento melódico entre Randy Rhoads e o tecladista Don Airey (outro fera da banda de Ozzy) prenuncia muito do que o prog metal faria anos depois, num trabalho genial e cheio de feeling. Uma obra-prima, sem dúvida.
You Can't Kill Rock n' Roll (disco 'Diary of a Madman' - 1981)
Se tem uma música que se tornou praticamente uma elegia à carreira e à figura de Ozzy, naquela sua primeira fase solo com Randy Rhoads, podemos dizer que essa é a mais forte candidata. Declaração pungente de amor ao gênero musical que fez com que ele fosse salvo de uma vida desprezível como operário no bairro pobre de Aston, em Birmingham, e ganhasse o mundo, essa música tem Ozzy entregando uma de suas melhores e mais emotivas performances, com Rhoads e banda fazendo misérias no instrumental. Olha o nome também: "você não pode matar o rock n' roll". Tristemente, o que se seguiu ao lançamento e turnê deste disco, todo mundo já sabe: em março do ano seguinte, devido a um dos mais estúpidos acidentes da história do rock, causado por um louco fazendo gracinhas em um passeio de helicóptero desgovernado, Randy Rhoads perderia tragicamente a vida, deixando uma tremenda lacuna na vida e na carreira de Ozzy.
So Tired (disco 'Bark at the Moon' - 1983)
Bark at the Moon é a retomada da locomotiva doida. Era o madman Ozzy recolhendo os cacos do baque causado pela partida de Rhoads e tentando reconstruir tudo, com a ajuda de um novo guitarrista (Jake E. Lee, também muito bom!), e agora remodelando o seu som rumo ao estilo que passaria a dominar na época: o hair metal (ou glam metal), com muita roupa colorida espalhafatosa e laquê no cabelo, os clipes da MTV passando a dominar geral e ditar moda para uma nova geração de jovens roqueiros, gente como Def Leppard, Motley Crue e Bon Jovi tomando conta da área, e um Ozzy de cabelos loiros, platinado e fanfarrão, com cara de tio gordo e pinguço, também voltando a cair na estrada, com a turnê que traria o nosso herói pela primeira vez ao Brasil, algum tempo depois (em janeiro de 1985), para o primeiro e mitológico Rock in Rio! Dessa época, é óbvio que as rádios FM iriam escolher a 'baladinha' do disco mais recente do cantor para tocar até furar nas paradas - e nisso, "So Tired" passou a rodar direto no dial. Uma música que Ozzy, na verdade, nunca gostou muito, dizendo que foi imposição da gravadora para dar um destaque mais pop ao álbum, mas que falemos a verdade: é uma bela composição sobre relacionamentos amorosos, tem alguns versos bem bacanas como "eu fiquei em casa permanecendo verdadeiro, enquanto você fazia o que bem entendia", e linhas vocais super grudentas e legais do Ozzy. Tocou até não poder mais, e introduziu e elevou o nome do cantor para muita gente que ainda não o conhecia.
Killer of Giants (disco 'The Ultimate Sin' - 1985)
Continuando a empreitada do disco anterior, mas de forma ainda mais exagerada e conectada com o universo estético, sonoro e visual do glam, o disco The Ultimate Sin é hoje uma pérola meio esquecida na discografia de Ozzy, ele mesmo não era muito chegado em executar as músicas do álbum em suas últimas turnês antes de ficar doente, mas não há como negar que "Killer of Giants" é uma pequena obra-prima, uma emocionante e anti-bélica power ballad que possui alguns dos melhores momentos vocais dele, já pendendo para uma tonalização mais grave e sombria, e que discute os terrores do futuro da humanidade diante da ameaça atômica - um tema predominante no disco e que, volta e meia, se torna atual de novo, infelizmente.
Shot in the Dark (disco 'The Ultimate Sin' - 1985)
O principal single de Ultimate Sin, esse petardo pop metal é mais uma prova de que Ozzy estava perfeitamente conectado ao seu tempo - é impressionante, ele nunca saía de moda, se adaptava a todos os estilos de rock pesado e dava certo em tudo. Com um impactante trabalho instrumental, e uma entrega vocal perfeita, Ozzy fazia frente a medalhões da época como Whitesnake e Journey. E não decepcionava.
Mr. Tinkertrain (disco 'No More Tears' - 1991)
Início da nova década: anos 90, e toda uma nova geração de bandas chega para dominar o cenário. O grunge de Seattle está em franca ascensão, as únicas bandas pregressas dos 80 que ainda conseguem se manter são os Guns N' Roses e Metallica (justamente por serem mais radicais, fora da casinha), e de repente um estilo de rock mais cru e direto, bebendo direto de fontes setentistas, é o que passa a se tornar a nova regra. Após um período de tempo se limpando dos vícios, se reinventando (inclusive visualmente, voltando ao visual magro e cabelos naturais, no tom original), e agora montando uma nova banda mais de olho nas altas sonoridades, eis que ressurge o Príncipe das Trevas, justamente o cara que era símbolo de uma daquelas bandas esquecidas dos primórdios, e que agora voltava a ser uma das mais cultuadas: o Black Sabbath. E como que ele faz isso? Simplesmente lançando aquele que é considerado, até hoje, o mais glorioso e bem acabado álbum da fase mais recente (e final) de sua carreira: o legendário No More Tears. Nisso tudo, há reminiscências do velho Randy Rhoads - elevado à categoria de novo mestre das guitarras de Ozzy e fiel parceiro, está outro jovem talento americano, o também louríssimo e sagaz Zakk Wylde, uma fera nas seis cordas, sem precedentes. E abrindo os trabalhos, a faixa cujo clipe contaminou a MTV da época, e já anunciou a nova febre de Ozzy Osbourne que viria a partir de então: a bluesy, assombrosa, e tonitruante "Mr. Tinkertrain". Artilharia sonora de respeito, as velhas artimanhas e peripécias vocais agora ainda mais aprimoradas, e produção perfeita, som com peso e melodias certeiras, tudo vingando e se tornando um grande sucesso. Como diria a personagem de Mrs. Moneypenny em 007 - Skyfall: "cachorro velho, truques novos". E que truques.
Hora do chá, com Slash (Guns N' Roses), em 2008
No More Tears (disco 'No More Tears' - 1991)
A faixa-título do disco, é uma assombrosa e inovadora tour épica à paranoia e às declaradas influências dos Beatles na carreira de Ozzy (ouça o tecladinho na virada da música que alude a "Strawberry Fields Forever"), e um de seus melhores e mais criativos trabalhos vocais de sempre, sem dúvida alguma. Com o baixo de Bob Daisley predominante na gravação, dando o tom para uma chuva de guitarras e tecladeira que aproximam o metal e o progressivo de forma magnética e estarrecedora, Ozzy deita a voz atmosférica com seu lirismo típico e lancinante, tão característico. Em entrevistas e relatos que fazem parte de cenas do documentário de 1992, Don't Blame Me (que registrava os bastidores das gravações do álbum), Ozzy baixou a retaguarda e contou, emocionado, como o conjunto de excessos dos anos anteriores já o atingiam, fazendo com que ele tivesse que se esforçar muito para que conseguisse atingir as notas mais altas da música. O trabalho duro foi recompensado com aquela que é uma das melhores e mais lembradas canções de Ozzy Osbourne, para sempre.
Mama, I'm Coming Home (disco 'No More Tears' - 1991)
Uma das 4 composições para o álbum feitas em parceria com o amigo de longa data Lemmy - outro figuraça também já falecido, líder do Motorhead - essa é a música que provavelmente ficará na lembrança de todos como a elegia final de Ozzy, interpretada por ele de forma extremamente emocionante e pungente no show do Back to the Beginning, de 05/07/2025, e fechando o setlist de sua carreira solo na apresentação. Uma balada lindíssima, calcada no country, com uma pegada acústica de fazer as lágrimas rolarem, e segunda parte com solo inspiradíssimo de Zakk Wylde. Os vocais do 'madman' atingem aqui a sua máxima maturidade e plenitude: é Ozzy explorando todas as regiões na responsa e com a melhor qualidade, pra ninguém botar defeito. E detalhe: ao contrário do que muitos pensam, a "mama" do título não é uma referência à progenitora do cantor, mas sim, à sua esposa Sharon, que ele chamava dessa forma e a quem ele dedica essa canção. Quem ouve essa e não se emociona, é porque já parou o batimento cardíaco e saiu dessa vida, há muito tempo.
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