sexta-feira, 28 de março de 2025

ALGUMAS DEUSAS - MAIS ESQUECIDAS AINDA! - DO CINEMA*

 

* Este post é uma espécie de continuação do artigo publicado em 16/10/2024, 'Algumas Deusas Esquecidas do Cinema'. Se você não leu, confira aqui.


Atrizes lindas e cinema é uma combinação que sempre vai dar certo. No ato instintivamente voyeur que é ser fã de cinema, observando e analisando as histórias e vidas de pessoas que antes não conhecíamos, e que passam a ser parte de nossos pensamentos (eis aí a grande magia de se ver filmes), a presença de musas e divas pode fazer filmes bons ficarem melhores ainda - e, às vezes, filmes ruins nem serem tão ruins assim - pois a plasticidade e estética inerentes às produções audiovisuais agradecem, e muitas vezes realçam, personagens femininas cativantes não só no texto e no enredo, mas essencialmente atraentes também.

Nossa intenção aqui, no entanto, é ir um pouco mais a fundo no jogo da memória cinéfila, e tentar relembrar - sobretudo, para gente felizarda da minha geração - algumas grandes beldades do período compreendido entre o final dos anos 70 e meados dos anos 80, e que, de repente, desapareceram de uma maneira quase absurda, sem deixar pista nenhuma. 

Hoje, com a web, dá pra saber um pouco mais do paradeiro dessas marcantes atrizes. E não vamos abordar aquelas mais famosas e que, mesmo após alguns hiatos, conseguiram voltar e restabelecer suas carreiras de maneira até surpreendente, quando ninguém mais esperava: caso de estrelas como Daryl Hannah, Michelle Pfeiffer, e a poderosa Demi Moore, que até a um Oscar recente concorreu.

Não. O buraco aqui é mais embaixo.

Vamos explorar e relembrar um pouquinho de algumas deusas 'mais esquecidas ainda' do cinema, que sumiram mesmo, e deixaram saudade nos seus inúmeros fãs.


Tanya Roberts

Em terras brasileiras, Tanya sempre será lembrada pela icônica personagem que interpretou no filme de 1984, Sheena - A Rainha das Selvas, um dos campeões de reprises da TV Globo na década de 1990, e que explorava a beleza estonteante de sua protagonista como uma versão feminina do Tarzan. Filme esse que, aliás, fez muito mais sucesso aqui entre os brazucas do que lá fora, que ficavam babando nas formas da moça, generosamente exibidas em trajes sumários ao longo do filme. Mas a carreira da loira já havia começado bem antes, ainda no final da década de 70, como uma das 'Charlie's Angels' do popularíssimo seriado de TV As Panteras - ela participara de um concurso para ganhar o papel de Julie Rogers, no que seria a última temporada do programa. Também teve um papel de grande destaque como a bond girl Stacey, no último filme estrelado por Roger Moore como o agente James Bond, 007 Na Mira dos Assassinos (A View to Kill, de 1985). Entretanto, a partir do final dos anos 80, a carreira de Tanya entrou numa espiral descendente, devido a erros na escolha de papéis para o cinema e contratos duvidosos, o que a levou a fazer filmes eróticos de baixo orçamento para a televisão paga nos EUA, especialmente os da série Hot Line - a galerinha empolgada que se exercitava por aí nas madrugadas da Band TV, no Brasil, deve se lembrar de muitos deles passando no famoso 'Cine Privé'. Infelizmente, Tanya não se encontra mais entre nós: ela foi caindo cada vez mais no ostracismo, e faleceu em 2021, aos 65 anos, em decorrência de uma infecção urinária.

Sheena, a Rainha das Selvas


Sybil Danning

Outra rainha da garotada com espinhas na cara dos anos 80, Sybil é de origem austríaca, e se especializou desde o final da década de 1970 em estrelar filmes B de terror, ficção científica, e comédias insanas de baixo orçamento e apelo erótico. Ela se tornaria uma estrela dos estúdios New World, do rei dos filmes B americanos, Roger Corman. Emendando uma série de produções do cineasta, ela teve destaque como uma das atrizes principais de Batalha Além das Estrelas (Battle Beyond the Stars, de 1980), que fez bastante sucesso em exibições antigamente, na TV brasileira. Também estrelou filmes populares entre a galera "trasheira", como Hércules (1983, antigo campeão de reprises no SBT) e Grito de Horror 2 (The Howling II, 1985), em que interpreta uma vampirona muito doida, e pra lá de afoita - se você bem me entende. No início dos anos 90, Sybil acabou tendo sua carreira prejudicada por uma série de problemas relacionados a uma hérnia de disco, que fizeram ela se afastar por um bom tempo. Retornaria no início dos anos 2000, com várias participações especiais em pequenos filmes e séries de TV, mas já sem o mesmo pique. Desde 2010, está praticamente aposentada da carreira artística.

Richard Thomas ao lado da guerreira Sybil, em cena do clássico 'Batalha Além das Estrelas'



Jennifer Beals


Pra quem tinha a música no pé nos saudosos anos 80, era impossível não dar umas gingadas ou ao menos balançar a cabeça, com fascínio, ao ver as irresistíveis cenas de dança protagonizadas por Jennifer Beals no memorável filme Flashdance - Em Ritmo de Embalo (1983), do diretor Adryan Line, que virou uma febre da época com aquele refrão grudento da música de Irene Cara ("What a feeling..."), enquanto Jennifer fundia balé clássico com dança contemporânea, em uma frenética coreografia defronte o corpo de jurados de um concurso de dança, no emocionante final da fita. O filme acabou sendo o realmente único grande momento dela na sétima arte, o que é uma pena, pois demonstrava ser uma atriz excepcionalmente carismática, e que tinha um belo futuro pela frente, caso oportunidades (roteiros e papéis) melhores tivessem aparecido para ela. Apesar de depois já ter trabalhado em um grande número de filmes para cinema e TV, ela acabou tendo um maior destaque apenas como co-protagonista junto ao célebre cantor/ator inglês Sting, no filme de suspense pop A Prometida (The Bride), uma versão feminina pra lá de exótica da história de Frankenstein, rodado dois anos depois de Flashdance.

Jennifer Beals e Sting, em 'A Prometida' (1985)



Meg Ryan


Ela tinha tudo para ter dado muito certo, e ter sido uma estrela de primeira grandeza. Era uma grande promessa feminina do cinema, durante boa parte da década de 80. Chegou a ser chamada de "a nova namoradinha da América", e uma grande parte da bilheteria dos filmes de que participava se devia a ela, que perfilava charme, beleza juvenil e boas atuações em fitas como Viagem Insólita (Innerspace, de 1987) - filme em que conheceu seu marido de longa data, o também ator Dennis Quaid, com quem esteve casada por 10 anos - e no impagável Harry e Sally - Feitos um para o outro (When Harry Met Sally, 1989), ao lado do genial Billy Crystal. Começara bem a carreira com um pequeno papel dramático no primeiro Top Gun - Ases Indomáveis, de 1986, em que chamou a atenção como a jovem viúva do personagem Goose, o grande amigo de Maverick (Tom Cruise) na trama do filme. 

Com o ex-marido Dennis Quaid, na comédia de ação 'Viagem Insólita' (1987)

Também seria destaque em filmes como a cinebiografia musical The Doors (1991, com Val Kilmer), a comédia romântica Sintonia de Amor (1993, com Tom Hanks), e o drama Prova de Vida (2000), que seria o começo da descida aos infernos para Meg: com a união entre ela e Dennis Quaid já em crise, começou a ser alvo dos paparazzi e dos esquemas de boataria da imprensa marrom, de que ela e seu companheiro de elenco, Russel Crowe, estariam tendo um caso, bem debaixo do nariz de Quaid, no que pode ter sido uma das campanhas chauvinistas mais desmoralizadoras da época. Meg saiu com a imagem meio arranhada da situação, e foi tentando reerguer sua carreira nos anos seguintes, mas sem as mesmas chances de bons papéis, e com a popularidade já um tanto abalada. Hoje, ainda buscando destaque em produções menores, se regozija de estar assistindo o crescente sucesso de seu talentoso filho com Dennis, Jack Quaid, que vem seguindo com êxito a mesma carreira dos pais.


Com Tom Cruise, no clássico 'Top Gun', de 1986



Jack Quaid, sensação emergente de Hollywood no filme 'Novocaine', é filho de Dennis e Meg Ryan


Phoebe Cates

Tida até hoje como uma das mais belas atrizes da primeira metade da década de 80, nos EUA, e que chamava a atenção por sua beleza simples e angelical, com cara de 'menininha' mesmo, Phoebe despontou com tudo em sucessos de bilheteria da época, como a comédia Picardias Estudantis (Fast Times at Ridgemont High, 1982) e o fenômeno de horror e humor Gremlins (1984). Seguiu atuando durante todo o restante da década, em filmes que vez ou outra exploravam a sua sensualidade com algumas cenas de nudez, até que na produção de Te Amarei Até te Matar (I Love You to Death, 1990), onde faria uma ponta, conhece o renomado ator Kevin Kline (16 anos  mais velho), por quem se apaixona, e se casam. 

Desde então, Kline, ciumento que só ele, passaria a ir proibindo várias propostas de papéis para Phoebe, visto que sempre tinham certo apelo erótico, e aos poucos ela vai deixando o ramo da atuação, para se dedicar mais à família - seu último trabalho seria em 2001, no drama Aniversário de Casamento. Podemos dizer que essa realmente praticou a notória "renúncia por amor".

Phoebe e Kevin Kline, na época do casamento


Lucinda Dickey

Tirando alguns filmes meio mequetrefe que havia feito explorando seus dotes como dançarina profissional, seu primeiro ramo de atuação antes de se arriscar como atriz, Lucinda acabou marcando mesmo sua carreira ao tirar o fôlego de muito marmanjão metido a Bruce Lee, que ficava obcecado assistindo as coreografias kung-fu da célebre 'Trilogia Ninja', promovida pelo famigerado Canon Group, o estúdio de filmes B mais picareta que já existiu, comandado pelos israelenses Menahem Golan e Yoram Globus, na selvagem Hollywood dos anos 80. Ninja 3 - A Dominação (1985) foi o terceiro e último filme da série, que em comum com os outros, acaba tendo apenas a participação do grande mestre das artes marciais Sho Kosugi, importado do Japão pra arrepiar geral na catana, e conferir certa legitimidade a tanta cascata com orçamento barato. Mas Lucinda dá bem conta do recado, convence como a inocente garota telefonista que se vê repentinamente tomada pelo espírito vingativo de um ninja moribundo (cenas no estilo 'O Exorcista'), e passa a tocar o terror na vizinhança, até ser confrontada pelo mestre ninja do bem, interpretado por Kosugi. Essa fita também foi campeã de reprises na TV aberta, e algumas cópias das locadoras chegaram a derreter de tanto rodar no videocassete da garotada, que delirava ao ver Lucinda nas lutas ninja e em alguns momentos mais sexy - logo depois disso, ela simplesmente tossiu e sumiu.







Meg Tilly

Considerada uma das atrizes mais bonitas e promissoras da geração anos 80, notável por sua beleza exótica e de nuanças orientais (é filha de um comerciante de carros sino-estadunidense com uma professora americana), chamou a atenção desde nova por seu talento com a dança. No entanto, uma problema nas costas a impediu de seguir profissionalmente na carreira, mas acabou a levando a desenvolver também a arte dramática, e logo Meg já estava sendo cotada para atuar em produções famosas da época, como no musical Fama, de 1980, e nos filmes O Reencontro (The Big Chill, 1983), onde não fez feio contracenando com um elenco de feras como William Hurt, Kevin Kline e Glenn Close, e na continuação do clássico de suspense Psicose 2, também do mesmo ano, ao lado de Anthony Perkins. A consagração viria em 1986, com a indicação ao Oscar de melhor atriz coadjuvante pelo papel de uma jovem e perturbada noviça em Agnes de Deus (Agnes of God), filme de Norman Jewison com Jane Fonda no papel principal - Meg não levou a estatueta, mas foi agraciada com o Globo de Ouro por sua atuação. Ainda apareceria com destaque no drama de época Valmont (1989), de Milos Forman. Meg, entretanto, acabou se cansando dos holofotes e, assim que se casou e teve filhos, em 1995, aproveitou o pé de meia que fez com o cinema, e foi morar no Canadá, onde já havia sido criada desde nova. Hoje, vive tranquila como dona de casa e eventual escritora (tem dois romances publicados).

Com Jane Fonda, em Agnes of God (1986)



Elizabeth McGovern

Lembrada por seus exuberantes olhos azuis e uma beleza clássica comparada à de uma famosa diva, xará sua (Elizabeth Taylor), essa Elizabeth se destacou pelas suas atuações em filmes que marcaram época, como Gente Como a Gente (Ordinary People, 1980), Ragtime (1981), e a grande e última obra-prima do cineasta Sergio Leone, Era Uma Vez na América (Once Upon a Time in America, 1984), com Robert DeNiro e James Woods no elenco, já citada aqui. Depois disso, foi ficando meio sumida em produções um tanto irregulares ao longo dos anos 90 e início dos anos 2000 - fez participações especiais nos sucessos Kick-Ass - Quebrando Tudo, e a refilmagem de Fúria de Titãs, ambos de 2010. Mas pode se dizer que é a única desta lista que continuou mais na ativa, e com um bom destaque, depois de certa idade: até 2015, atuou na popular série de TV britânica Downtown Abbey, como a condessa Cora Crawley.




Mathilda May

Esta escultural atriz francesa se tornou muito conhecida no Brasil devido ao seu impressionante papel de alienígena devoradora de "energias" humanas no clássico de ficção científica dos anos 80, Força Sinistra (Lifeforce, 1985), do diretor Tobe Hopper. Durante as exibições desse filme - que foram várias, na TV brasileira - ocorria uma concentração severa de olhares masculinos observando atentamente Mathilda que, por ser originada do continente europeu e ter passado a maior parte de sua vida estrelando produções de lá, não dominava o idioma inglês, e não falava quase nada durante o filme inteiro - a colocando como uma extraterrestre, o roteiro a privilegiou. Mas o seu corpo falava por ela, e como! Nuazinha em pelo, no decorrer da fita toda, ela vai atacando e matando um monte de pobres terráqueos, que cedem às suas investidas inicialmente amorosas, mas mortais (engana só pra atacar), deixando um rastro de humanos transformados em zumbis, logo pulverizados, reduzidos a puro pó. A salvação da lavoura será um astronauta maluquete que, fascinado pela criatura, vai fazer de tudo para cair nos braços dela, e preparar uma cilada... E daí em diante não vamos falar mais nada, que já é spoiler pra quem é mais novo, não viu, e tem interesse. O filme é muito bom e marcou época, mas depois dele, tirando o destaque no filme alemão Colette - Diário de uma Paixão (1991), Mathilda foi se envolvendo apenas com produções menores de sua terra natal, até o início dos anos 2000, quando foi já gradualmente se aposentando do meio artístico.

A belezura que ficavam as vítimas da alien Mathilda May, no filme





Ornella Muti

Vinda da Itália, essa belíssima atriz iniciou a sua carreira ainda bem novinha, quase adolescente, no começo dos anos 70, e foi ganhando espaço no cinema europeu, até chegar ao cinema americano com um dos maiores clássicos kitsch de todos os tempos: a versão para as telonas do herói espacial Flash Gordon, muito popular nas HQs e cine-séries dos anos 30 e 40, e que foi remodelado para um longa metragem em 1980, na esteira das mega produções de 'Star Wars' e 'Superman' que haviam estourado nas bilheterias. Ornella interpretou com competência a princesa Aura, mas mal imaginava que estava estrelando uma produção até hoje lembrada como uma das mais cafonas e absurdas do cinema de ação, apesar da boa vontade do elenco (com Sam Jones e Max Von Sydow), e da trilha sonora (não muito inspirada) da banda Queen. 

Flash Gordon (1980)

Se tornou um cult movie, já reprisado também diversas vezes nas sessões de filmes do SBT, e hoje assistido entre baldes de pipoca e risadas, pela galera que gosta de curtir obras cinematográficas excêntricas por aí... Mas debaixo de todo o figurino espalhafatoso, a beleza de Ornella é uma das melhores coisas a se conferir, realmente. Teve destaque em mais algumas produções internacionais renomadas nos anos seguintes, como Crônica de um Amor Louco (1981), A Garota de Trieste (1982), e Casanova (1987), dentre outras, sempre explorando a sua sensualidade. A partir de meados dos anos 90, volta a estrelar apenas produções em sua maioria direcionadas ao mercado italiano, onde continua atuando até hoje, de forma mais esparsa.  






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quinta-feira, 20 de março de 2025

VENHA PARA O MUNDO DA MAGIA... DO URIAH HEEP!

 

Houve um período, na década de 80 e meados dos anos 90, do século 20, em que para os jovens, era a coisa mais 'in' estar inserido em um grupo de jogadores de role playing game - o popular RPG. A famosa série da Netflix Stranger Things, em sua icônica quarta temporada (de 2022), retratou essa febre adolescente na figura da galerinha liderada pelo metaleiro Eddie (papel de Joseph Quinn), um mestre do jogo, em meio a tabuleiros que sempre vinham cheios de cenários e peças, com bonecos e cartas caracterizando os personagens, suas peculiaridades e poderes, que deveriam ser encenados durante as partidas - epopeias que, às vezes, poderiam se estender por dias, meses, até anos.

Rolou o RPG com a galerinha de Stranger Things (2022)

Com o passar dos anos, os RPG se popularizaram cada vez mais, se transmutaram, e até se modernizaram, como os modernos e inúmeros jogos de estratégia online que estão em voga, mas ainda existem muitos grupos de adoradores old school, da velha guarda, que estão por aí, jogando pessoal e presencialmente, da mesma forma tradicional, que polemizava bastante na mídia da época: para pais mais conservadores, era um perigo ver os filhos se infiltrando em personas de guerreiros bárbaros ou magos, perfis violentos e agressivos que poderiam levá-los a atos criminosos; para os mais liberais, era interessante perceber como seus filhos poderiam desenvolver dons para a arte e a interpretação dramática, e até outros tipos de atividades mais formais que dependiam da criatividade e da tomada de decisões estratégicas, no acirrado mercado de trabalho.

A Caverna do Dragão

Seja como for, o RPG é tendência que marcou época, e continua influenciando muitos adeptos. E o seu masterpiece, o jogo que eternizou tudo isso, foi o mítico Dungeons & Dragons, originalmente lançado nos EUA em 1974. Só para se ter uma ideia, esse jogo virou até desenho animado: nada mais, nada menos que o popular A Caverna do Dragão (título no Brasil), outra febre sem precedentes para toda uma geração.

E mediante todo o seu contexto de castelos, espadas e feitiçaria, não era raro ver a molecada jogando Dungeons & Dragons, com a sua trilha sonora mais apropriada tocando ao fundo: os discos Demons and Wizards (1972) e Magician's Birthday (1973), do grupo britânico de hard rock progressivo Uriah Heep

Uriah Heep

Par de álbuns esses, aliás, que tiveram as suas capas criadas pelo lendário ilustrador Roger Dean - o fera por trás das icônicas capas dos discos do grupo progressivo Yes, naquele mesmo período.

Confesso que nunca fui muito envolvido com RPG, mas gostava de ouvir o som do Uriah, e sua abordagem altamente mística de todo aquele universo. Retirado de um personagem do clássico da literatura David Copperfield (1850), de Charles Dickens, o nome do grupo sempre motivou debates cá entre os brasileiros, devido à sua pronúncia correta - que, vinda do inglês, é "iuraia rip".




A banda surgiu em todo aquele boom de grupos 'protometal' do final dos anos 60 na Inglaterra, seguindo as pegadas da trindade básica do rock pauleira (Led Zeppelin, Deep Purple e Black Sabbath). O Uriah, entretanto, nunca escondeu uma forte tendência para os sons mais neo-clássicos, misturando muito peso com passagens virtuosas de cunho erudito, e o entrelaçamento bem concatenado entre teclados e guitarras, bem ao estilo do Deep Purple - lançaram álbuns iniciais que elevaram bastante o nome do grupo em toda a Europa, como o primeiro Very 'Eavy Very 'Umble (1970), e os petardos seguintes, Salisbury e Look at Yourself, de 1971, apostando em suítes e longas passagens climáticas e melódicas.

Assim como diversos combos da época, tiveram numerosas trocas de formação, mas em seu line-up mais clássico, contavam com o "garganta de ouro" David Byron (vocais), Mick Box (guitarra), Lee Kerslake (bateria), Gary Thain (baixo) e o multi-instrumentista - tecladista, guitarrista, co-vocalista e compositor da maioria das músicas - Ken Hensley, praticamente o líder da banda, e que se manteve em todas as formações.

Easy Livin' (1972)

Em 'Demons and Wizards', até hoje considerado a obra-prima do Uriah, os vocais principais que se sobressaem na épica "The Wizard" são de Hensley, dando largada num álbum espetacular que vai adentrando cada vez mais no território de  temas sobre magia e dragões, mas que servem também como metáforas da loucura na sociedade moderna - seguem a batida acelerada de "Easy Livin'", um dos maiores hits do grupo, e pedradas como "Circle of Hands", "Traveller in Time" e "Rainbow Demon", onde guitarras envenenadas e encharcadas de wah-wah, em muitos momentos, duelam vigorosamente com teclados inebriantes, ante a cozinha ensandecida da batera e baixo, todos fazendo cama para a voz operística de David Byron - injustamente, um dos mais subestimados e esquecidos vocalistas do rock pesado de todos os tempos. Com um alcance elevadíssimo, e dono de uma extensão vocal vigorosa, raramente vista nos grupos daqueles tempos, Byron mostra nesse disco porque não ficava devendo nada para outros virtuosos do gogó como Ian Gillan e Robert Plant (do Purple e Zeppelin, respectivamente).

Echoes in  the Dark (1973)

O álbum seguinte, 'The Magician's Birthday', é considerado por alguns levemente inferior se comparado a 'Demons...", mas eu discordo: na minha opinião, apenas possui uma tonalidade mais melancólica e contemplativa, mas nem por isso menos envolvente, entregando intensidade com peso e melodias atmosféricas também, em sons como "Sunrise", "Echoes in the Dark" e na faixa-título que encerra o disco, viagem das mais poderosas, convocando o ouvinte a 10 minutos e tal de uma jornada acachapante aos confins medievais do mundo onírico.

Depois dessas duas pérolas do hard rock setentista, o Uriah seguiria com regularidade fazendo bons discos, alguns mais e outros menos criativos, até que sentiria a perda de certo grau de sua popularidade com o advento do movimento punk no final dos anos 70, o que ocasionaria a decadência de muitos dos dinossauros do rock do período (em que o Uriah se incluía), e a lamentável despedida do vocalista Byron, que deixou o grupo para seguir uma errática carreira solo marcada pelo ostracismo e o agravamento do alcoolismo que o acometera. Ele faleceria em 1985, devido a complicações de uma cirrose. E o Uriah acabou sendo relegado a uma estante de "segunda classe" das grandes bandas pesadas dos anos setenta - algo injusto também, dada a alta categoria de sua obra e de seus músicos.

David Byron

O Uriah Heep, após diversas trocas de membros, mas se mantém até hoje, é uma das mais longevas bandas do gênero, e sua agenda de shows é sempre grandiosa e constante, saciando a vontade de fãs daquele bom e velho hard rock "mágico" e progressivo, em ver a performance dos veteranos. Apesar da idade, não gostam de falar em aposentadoria, e prometem uma próxima turnê para este ano de 2025, que deve passar pelo Brasil, onde já tocaram anteriormente. 

Que as bruxas e magos do rock saiam de suas torres!





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domingo, 16 de março de 2025

UMA NOVA VERSÃO PARA AS CHACINAS DE CHARLES MANSON

 

Já é consenso há muito tempo que as horríveis chacinas provocadas pelo maníaco Charles Manson (falecido aos 83 anos, em 2017), em Los Angeles (EUA), no ano de 1969, constituem um dos mais tristemente célebres e sombrios acontecimentos da cultura pop, na era contemporânea.

Charles Manson

Para quem ainda não se recorda (ou não tem conhecimento), Manson era desde tenra idade um delinquente e ex-presidiário, com aspirações a se tornar compositor e cantor de sucesso no advento da geração flower power dos anos 60, mas mediante suas tentativas fracassadas, acabaria se convertendo em uma espécie de guru hippie, que formaria um culto muito sinistro com um grupo apelidado de 'A Família', repleto de jovens perdidos e desajustados, a maioria fugidos de casa, e regado a muito sexo e drogas - um verdadeiro séquito de adoradores do papo delirante de Manson, repleto de simbologias absurdas que misturavam passagens da Bíblia, teorias próprias sobre guerras raciais e fim do mundo, e até mesmo interpretações distorcidas de letras das músicas dos Beatles.

Membros da 'Família Manson'

Em certo momento, se apoderaram de um local inóspito nas redondezas de Los Angeles, que fora usado anos antes para filmagens de faroestes - o Spahn Ranch - e lá formaram sua base local, onde Manson doutrinava garotas e rapazes com suas pregações absurdas e orgias lisérgicas. Caso tudo continuasse apenas dessa forma, assim como ocorreu com várias outras seitas e grupos místicos e existenciais formados nos loucos tempos ripongas, tudo bem. Mas a personalidade destrutiva, manipuladora, e repleta de ódio de Manson, logo fez as coisas descambarem para uma das mais assustadoras tragédias de que se tem notícia.

Sharon Tate

No dia 9 de agosto, alguns membros da 'Família', a mando de Manson, invadiram uma casa localizada nas encostas de Cielo Drive, nas imediações de Hollywood, então pertencente ao célebre cineasta Roman Polanski e sua esposa: uma atriz em ascensão, considerada uma das mulheres mais bonitas do mundo na época, Sharon Tate, e que estava grávida de oito meses. Ali, estavam Tate e alguns amigos, que se tornaram as primeiras vítimas dos bárbaros atos de violência dos seguidores de Manson... Mortes cometidas com requintes de crueldade e indícios ritualísticos, com dezenas de facadas e uso de cordas para enforcamento, num banho de sangue macabro, que terminaria com o sangue de Tate (após implorar para que não fosse morta) sendo utilizado pelos assassinos para escrever palavras nas paredes da casa. 

Roman Polanski e Sharon Tate

No dia seguinte, 10 de agosto, mais chacina: os seguidores de Manson invadiram também a mansão do casal Leno e Rosemary LaBianca, prósperos comerciantes locais de Los Angeles, e repetiram a dose com os dois, utilizando o mesmo modus operandi na execução das vítimas, e também espargindo o sangue das mesmas com mensagens bizarras nas paredes. 

Manson durante as sessões de julgamento: a certa altura, desenharia a faca uma cruz, depois convertida em suástica, em sua própria testa

Descoberta a autoria dos crimes, e efetuadas as devidas prisões - incluindo a de Charles Manson - após um longo período de investigações da polícia de Los Angeles (que demorou bastante para ligar os fatos), a amarga sensação que os crimes da família Manson deixaram em toda a sociedade da época foi a de que, repentinamente, todos os ideais de "paz e amor" da geração hippie tinham sido desmascarados e exterminados, mostrando que, mesmo aqueles jovens que alardeavam uma nova filosofia de vida, mais comunitária e menos agressiva e capitalista, poderiam ser verdadeiros lobos em pele de cordeiro. "O sonho acabou", como disse John Lennon.

Um Roman Polanski desolado vê a inscrição "pig", escrita a sangue, na porta da casa

Durante muito tempo, as motivações para tanta selvageria seriam objeto de intensa especulação por parte da grande mídia. O que, afinal, teria levado Manson a induzir moços e moças aparentemente tão pacatos a cometer tais homicídios? E o que chamava mais a atenção: como que ele fez isso através das mãos deles, ordenando tudo, e sem ele mesmo ter tocado um dedo fisicamente sequer em todo esse massacre? 

As teorias mais bem aceitas até hoje partiam das argumentações do promotor do caso, Vincent Bugliosi, que ficou famoso na época por conseguir a condenação de Manson à prisão perpétua, e lançou um livro sobre o caso que se tornaria um best-seller: Helter Skelter, de 1974, onde ele sustentava que, na mente alucinada de Manson, ele próprio se via como uma espécie de segundo messias, e que após um conflito racial de escalas sem precedentes, entre negros e brancos, todos morreriam, e ele e seus seguidores se tornariam os representantes de uma nova sociedade, uma nova ordem mundial. 

Os assassinatos, então, teriam sido estimulados por Manson em seus adeptos, e cometidos de forma a que a polícia acreditasse que fossem obra dos negros, desencadeando a guerra entre os Panteras Negras e as autoridades a partir de Los Angeles, e dali, em todos os Estados Unidos - daí as inscrições nas paredes, se referindo a pigs ("porcos", que era o jeito como os tiras eram chamados nos guetos e no submundo) e death to pigs ("morte aos porcos"). Todas essas expressões, assim como helter skelter (gíria para "montanha russa"), também escrita a sangue nas paredes das casas, faziam referência direta a nomes de músicas dos Beatles com os mesmos nomes, encontradas no famoso White Album (de 1968), reafirmando a obsessão torpe de Manson pelo grupo - assim como trechos da Bíblia, ele interpretava muitas das músicas dos garotos de Liverpool como se fossem profecias ocultas.

Mas... Com o excelente documentário lançado neste mês pela Netflix, Caos: Os Assassinatos de Manson (Chaos: The Manson Murders, 2025), dirigido por Errol Morris, e utilizando como base o livro 'CHAOS: Charles Manson, the CIA, and the Secret Story of the Sixties' (de Tom O'Neill e Dan Piepenbring), uma nova versão para as chacinas de Charles Manson começa a ser discutida, e toma forma.

Diversas informações antes despercebidas (talvez propositalmente) pelo inquérito original mostram que, antes de tudo, havia uma contenda sobre uma malsucedida venda de drogas, realizada por um dos membros da Família, Bobby Beausoleil, figurinha famigerada como 'pusher' (fornecedor) no meio musical e marginal daquele período - havia tentado a sorte como guitarrista na banda Love (de Arthur Lee), não deu certo, e assim como Manson, se tornara um loser que descambou para o submundo hippie. Essa transação desastrosa de Bobby, que teria vendido ácido adulterado e de má qualidade para uma gangue barra pesada, ocasionou uma briga de traficantes - na qual Manson precisou intervir, para impedir que futuras investigações policiais chegassem até as suas atividades com a Família. Beausoleil seria preso após ser pego dormindo no carro de um dos envolvidos na venda da droga - que ele matou a facadas, na mesma noite. 

Bobby Beausoleil

Isso ocorreu em 6 de agosto de 1969. Apenas 3 dias depois, os assassinatos determinados por Manson começariam a acontecer. Para o autor do livro, Tom O'Neill, entrevistado no documentário, fica muito evidente a intenção de Manson de tentar desviar a atenção da polícia para outras ocorrências e, também, para fazer as autoridades acreditarem que as chacinas seriam cometidas pelos traficantes negros locais, que estavam em sua cola por causa do negócio com drogas ruins - não como uma forma de criar uma contenda racial, mas sim, pelo receio de que Bobby Beausoleil começasse a "abrir a boca" na prisão, entregando Manson e todo mundo da Família que estava na jogada.

E de onde viria o descomunal poder de persuasão de Manson sobre todos aqueles jovens?

Dr. Jolly West

Aí é que as novas teorias se tornam cada vez mais interessantes: praticamente ninguém sabia, mas em uma das diversas clínicas para drogados e delinquentes custeadas pelo governo dos EUA na época, no famoso bairro hippie de Haight-Ashbury (San Francisco), atuou um certo Jolly West - não por acaso, um dos mais renomados psiquiatras que participara do projeto MK Ultra, da CIA: o polêmico e até hoje acobertado programa de controle mental de cidadãos, através do uso de substâncias químicas e processos hipnóticos indutores de gatilhos. Durante as suas passagens por essa clínica, Manson - já reincidente por vários crimes, e sempre enviado como forma de reabilitação social - era estranhamente liberado após poucos dias, com o aval dos médicos responsáveis regularmente constando em sua ficha...

Haight-Ashbury, nos anos 60...

Teria Charles Manson sido, secretamente, mais um dos experimentos de manobra mental da CIA? Teriam as sementes da ira e do extermínio sido plantadas em sua psique, como uma forma da CIA cumprir uma agenda de desmistificação e criminalização da juventude contracultural e libertária, em toda a sociedade da época??? O filme traz referências diretas aos Experimentos CHAOS, da CIA, e COINTELPRO, do FBI, nesse sentido.

"Caos: Os Assassinatos de Manson" é um ótimo programa para quem curte obras true crime, e resolve tudo em apenas uma hora e meia. Não é série dividida em episódios, é conciso, direto no ponto e instigante, como toda obra assim deveria ser. 

E para quem souber enxergar e entender todos os sinais, vai deixar o ponto de interrogação necessário, na cabeça de muita gente: até onde o poder institucionalizado pode ir, para conduzir ou desviar os rumos e destinos de toda uma geração, e de toda uma sociedade?




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ALGUMAS DEUSAS - MAIS ESQUECIDAS AINDA! - DO CINEMA*

  * Este post é uma espécie de continuação do artigo publicado em 16/10/2024, 'Algumas Deusas Esquecidas do Cinema'. Se você não leu...