sexta-feira, 20 de junho de 2025

MARCOU A MINHA GERAÇÃO: FAITH NO MORE

 

E o Mr. Bungle volta a tocar no Brasil, em outubro. Além de abrir alguns shows para o grupo Avenged Sevenfold, em Curitiba e São Paulo, tem data marcada para uma apresentação solo, em 5 de outubro, na Fundição Progresso, Rio de Janeiro. 

Mas, para quem não sabe, o que é o Mr. Bungle? É uma banda. E que banda é essa? É a banda do ex-vocalista do Faith No More, o Mike Patton. Que foi convidado faz pouco tempo para uma turnê de revival do Faith No More. E que não aceitou, porque parece que tem alguma coisa nele que o engasga, magoa e o afasta de seu antigo grupo. O que é, afinal, uma pena. Porque o Faith No More foi uma tremenda banda, um projeto genial, os caras tinham talento e cacife pra danar, e fizeram uma parte legal da vida de muita gente. Incluindo este aqui, que vos escreve.

Faith No More

Faith No More, naquela viradinha mágica do início dos anos 1990, quando novos sons estavam surgindo, e a década estava nos preparando para a grande avalanche do movimento grunge e a última revolução histórica do rock que aconteceria (até hoje), era "o grupo", a banda mais quente do momento, caras que vinham de San Francisco, na California (terrinha também do Metallica), e aportaram por aqui abalando violentamente as estruturas do segundo Rock in Rio, de 1991, quase destronando os temíveis e lendários Guns N' Roses. Eu disse 'quase' - pois convenhamos, Axl e cia. estavam naquele senhor auge. 

Mas arranharam bem, e chegaram perto de se tornar os imperadores do som pesado na época. Alguns desvios de percurso (intencionais, como veremos) os afastaram dessa rota, tão almejada por muitos. Mas sim, por alguns meses, os caras do Faith No More foram os reis do mundo. King for a day, fool for a lifetime, como no título de um dos próprios álbuns deles. 

Não eram exatamente uma banda novinha, quando estouraram mundialmente em 1991. Eles já faziam parte de uma revolução bagunçada de bandas que vinham experimentando a fusão de vários estilos musicais como o funk, rap, pop e heavy metal, na metade dos anos 80, numa mesma onda de grupos como os Red Hot Chilli Peppers (com quem eram inicialmente comparados), Primus e Living Colour. 

Em sua fase inicial, a clássica formação que contava com Billy Gould (baixo), Jim Martin (guitarra), Roddy Bottum (teclados) e Mike Bordin (bateria) se escorava nos vocais meio rap, meio excêntricos do doidão Chuck Mosley, com quem chegaram a gravar seus dois primeiros álbuns: We Care a Lot (1985), e Introduce Yourself (1987). Ali, em algumas músicas, já se percebia a gênese de uma revolucionária mistura de gêneros que era, simplesmente, resultado de uma tentativa de conciliar os diversos gostos musicais de todos na banda: Gould era fã dos estilos de som soul and funk da Motown, Bottum era um tecladista que puxava tanto para o jazz quanto para o progressivo e lounge music, Martin era o headbanger alucinado que fazia sua guitarra soar ainda mais pesada do que as do Metallica, e Bordin ia acompanhando na batida a vibe insana de todo mundo. 

Chuck Mosley

Aqueles foram discos que não fizeram grande sucesso, apenas garantiram certa repercussão local para o grupo - no final de 1988 é que ocorreria a grande virada, a partir do momento em que Mosley, já pirado demais por problemas com as "substâncias" e faltando a compromissos e shows da banda, é dispensado, e no seu lugar, entra o cara que iria mudar o jogo com a banda: Mike Patton, que além de trazer uma performance mais teatral nos palcos, e um modo de cantar mais eclético e potente, com modulações vocais variadas, encoraja a banda a ir cada vez mais adiante nas experimentações instrumentais com diversos gêneros. 

Mike Patton

Para se ter uma ideia, já em meados de 1989, em shows ocorridos antes da gravação do seu disco seguinte, e já com Patton nos vocais, o FNM desafiava a incredulidade das plateias, entremeando trechos de "Pump Up the Jam" (do Technotronic) entre as músicas, além de começar a ousar nas covers, tocando de "War Pigs", do Black Sabbath, até "Easy" (que se tornaria muito famosa ainda na versão deles), do Lionel Richie & Commodores. Zoeira pura para azucrinar os fãs? Podia ser, mas começou a dar muito certo. Com a salada musical que era a mistureba de som da banda, o ano de 1990 traria uma consagração monumental que eles provavelmente nem imaginavam.

A obra-prima The Real Thing, disco que marca a estreia da formação com Patton como vocalista, dissemina o grupo como uma das mais criativas promessas do novo cenário noventista, em que o rock mais direto, pesado e vigoroso passava a invadir o mainstream e invadir as paradas radiofônicas, antes tão tomadas pelas nuanças mais pop dos sons new wave e eletrônicos. Esse petardo trazia o casamento perfeito entre a instrumentação maciça e coesa da banda - uma criatura transmorfa entre o mais puro heavy metal, funk e rock progressivo - e as letras e vocais alucinados de Mike Patton.





O impacto causado pelo álbum foi uma coisa fenomenal. O estrondo da faixa "Epic", que fundia num só caldeirão rap, peso e piano clássico, eternizou o FNM. Na esteira, veio a balançante "Falling to Pieces" (com a sua introdução gutural no baixo), a pancada acelerada de "From Out of Nowhere", e incursões por viagens sônicas intrincadas e atmosféricas, como "Zombie Eaters" e a faixa-título. The Real Thing celebrizou tanto o Faith No More, que durante os 3 anos seguintes o grupo ficou só fazendo turnês e apresentações calcadas no sucesso do disco, incluindo a icônica passagem pelo Rock in Rio 2, no Brasil.

País, aliás, que eles adotaram quase que como um segundo lar, retornando diversas vezes para apresentações posteriores.

Epic

Mas foi a partir das neuras e pressões do mega estrelato que os caras resolveram girar a chave, e alterar tudo. Para o próximo álbum, que seria lançado apenas em 1992, ninguém imaginava que uma metamorfose tão radical no grupo ocorreria, mas era tudo reflexo não só do cenário do rock, que já estava mudando - com toda a revolução proposta pelo grunge, as bandas de Seattle e novas tendências - mas também da própria vontade do FNM (e de Patton) de nunca se repetirem, e procurarem sempre não se render a estilos engessados e fórmulas fáceis para manter a fama. Inovar e tentar rumos diferentes era a lei - poucos sabiam, mas isso era uma premissa muito forte também para Mike Patton, que já seguia esse direcionamento no Mr. Bungle bem antes de entrar para o FNM (sim, ele já cantava no Mr. Bungle, que sempre foi uma espécie de "projeto paralelo de estimação" do cara). Um frontman esquisitão que nunca se deixou iludir pelo showbiz.


Nas lojas a partir de junho de 1992, Angel Dust era um murro na cara de muita gente que estava esperando um próximo 'The Real Thing'. Um álbum sombrio, disforme, e praticamente sem classificação - leve demais em alguns momentos, claustrofóbico, seco e gore demais, em outros. Nada das entregas fáceis de heavy metal mais convencional, ou estruturado sobre bases funk ou progressivas, presentes no trabalho anterior - aqui, o FNM dava largada ao que mais adiante seria conhecido como nu metal, com entregas que bebiam na fonte do som pesado industrial (de grupos como Ministry e Nine Inch Nails), e vocais mais rasgados e viscerais de Patton, com letras estranhas que versavam sobre neurose, paranoia política e social, e muita, mas muita bizarrice ("Malpractice", "Caffeine" e "RV", para citar alguns exemplos).

Midlife Crisis

Mesmo assim, teve relativo êxito e manteve o nome da banda em evidência, ainda que a maior parte das faixas não fossem feitas para "agradar e tocar na rádio". Os singles do disco foram "Midlife Crisis", que ainda mantinha um pouco da pegada rap metal mais característica popularizada pelo grupo, e de quebra, a baladona "Easy", aquela cover dos Commodores que eles já tocavam de brincadeira nos shows, agora retrabalhada em estúdio e representante maior da pegada mais pop e easy listening reivindicada pelo tecladista Roddy Bottum no som da banda, e que acabaria se tornando também o pomo da primeira discórdia que minaria a composição clássica do FNM: insatisfeito com os novos rumos propostos, o guitarrista bisonho Jim Martin, que sempre quis que o grupo enveredasse por um caminho de heavy metal mais tradicional, acaba decidindo cair fora do barco. 

Jim Martin

Hoje, Martin é um prolífico fazendeiro em Oakland, California, que cultiva abóboras gigantes, e chegou a ganhar um prêmio de 4° lugar na competição 'Annual Safeway Worldwide Championship Pumpkin Weigh-Off', em 2003, por apresentar uma abóbora de sua propriedade, de quase meia tonelada (!!!).

Recrutando novos guitarristas, o FNM ainda prosseguiria lançando os discos King for a Day (1995), e Album of the Year (1997), mas encerraria as atividades em 1998. Fariam um breve retorno ainda em 2015, quando lançaram o disco Sol Invictus, mas aí já tinham se tornado hype de veterano... 

Aquele estouro, cheio de frescor e criatividade, dos longínquos anos 90, virou puro embalo da memória mesmo.

Easy


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Obituário - R.I.P. Brian Wilson & Sly

Brian Wilson

E como estamos falando de música nesta postagem aqui, e foi há apenas alguns dias atrás, não haveria como deixar de falar em duas perdas de nomes importantíssimos, ocorridas neste mês, dois líderes de grupos lendários dos anos 60, duas figuras que revolucionaram e também marcaram gerações: Brian Wilson e Sly Stone.

Líder dos míticos Beach Boys, Brian Wilson deixa um legado de sinfonias pop inesquecíveis, especialmente a partir do lendário disco deles de 1966, o Pet Sounds, que chegou a inspirar os próprios Beatles a partirem para as aventuras das músicas psicodélicas de seus álbuns Revolver e Sgt. Pepper's. Atormentado pelos problemas de traumas de uma infância com abusos do pai autoritário, e crises de esquizofrenia agravadas por uso de drogas ao longo de toda aquela década e anos seguintes, Wilson era perfeccionista ao extremo, viajava dentro de si mesmo com os sons que ouvia em sua mente e tentava reproduzir incansavelmente nas experiências em estúdio, elevando a música pop a um novo patamar de qualidade e sofisticação, em clássicos como as músicas "Good Vibrations", a belíssima "God Only Knows", e "Surf's Up". Partiu no dia 11 de junho, aos 82 anos.

Sly Stone

Já Sly Stone, à frente do grupo The Family, fez do funk rock e canções como "I Want to Take You Higher" a trilha sonora das vozes negras de protesto no conturbado período do final dos anos 60, e foi a primeira grande voz de genialidade no gênero, sendo aclamado em álbuns lendários como Stand! (1969) e There's a Riot Goin' On" (1971), onde a sua versatilidade em diversos instrumentos e nas composições de vários hits o colocava como precursor de toda uma geração de músicos, como Michael Jackson e Prince. Causou frisson com sua participação no Festival de Woodstock, em 1969, e nas diversas aparições na TV e em shows e turnês do seu combo 'Sly & The Family Stone', durante todo aquele período. Infelizmente, o excesso no uso de psicotrópicos foi minando o potencial de Sly, a ponto dele acabar desfazendo o grupo no final dos anos 70, e enveredar por uma carreira apagada e sem destaques nos anos 80 e seguintes - justamente no momento em que toda uma geração de artistas negros já o reverenciava como o grande mestre que era. Faleceu apenas dois dias antes de Brian Wilson, em 9 de junho, também aos 82 anos.

'God Only Knows', de Brian Wilson e os Beach Boys


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quarta-feira, 4 de junho de 2025

SÉRIES, DORAMAS E STREAMING: A MODERNIDADE LÍQUIDA NAS MÍDIAS

 
'Pergunte às Estrelas': dorama sensação da Netflix, em 2025

A Rede Globo já se prepara, após uma transmissão experimental realizada no final de abril deste ano, para o início das atividades da TV 3.0 no Brasil - ou, como será mais conhecida popularmente, a Digital Television+ (DTV+).

Quando a televisão começou no Brasil lá na década de 1950, com as transmissões ao vivo por torres e antenas, e canais ainda em preto-e-branco, ocorreu o que convencionamos chamar a primeira geração desse meio, ou seja, era a TV 1.0. Alguns anos depois, com o advento das transmissões via satélite ou por videoteipe, a cores, e com a melhoria das tecnologias, chegando ao começo do sinal digital e da internet, mais recentemente, vivemos a onda do que havia até agora predominado, a TV 2.0

E então, chega agora a revolução, do novo padrão de uso e transmissões, com a terceira geração, batizada de TV 3.0.

Essa sim, promete entrelaçar ainda mais as mídias da televisão e internet, tornando a experiência de assistir programas de TV ainda mais interativa e com cada vez mais autonomia e controle do espectador - se antes tínhamos a hegemonia dos canais de TV, dominando e ditando costumes e horários da população, com as suas grades de programação, as lutas por índices de audiência e horários supervalorizados de publicidade para anunciantes, hoje tudo isso parece se tornar uma ilusão de memórias distantes, itens tão antiquados quanto relíquias ou antigos quadros e esculturas de museu. 

Para a geração de onde venho, e até para algumas mais recentes, tudo mudou, e muito. E vai mudando mais ainda, em velocidades impressionantes. Se antes nomes como Globo, SBT, Record e Bandeirantes - até então, as quatro maiores e mais influentes concessões públicas de redes de TV do país - ainda tinham uma força expressiva e de maior entrância popular do que a internet, hoje nomes como Netflix, Amazon, HBO Max, Disney Plus, e o mais popular de todos, o YouTube, representam a força dos serviços de streaming que vieram para derrubar e subverter a lógica de costumes de audiência e de mercado, como jamais fora imaginado antes. 

É uma mudança de paradigma parecida com a da época em que a TV desbancou o rádio, como veículo mais popular de comunicação de massa. Agora, chegou a vez da TV sentir a derrocada.

Zygmunt Bauman

E não adianta: por mais que Globo e outros canais façam a migração para uma nova geração de transmissão, o problema está na filosofia de base e de criação da mídia televisiva. Nada voltará a ser como antes. Pois existe uma mudança de pensamento e de dinâmica muito mais profunda do que simplesmente fazer a TV soar mais flexível, ou se parecer mais com a internet. E atende ao conceito de modernidade líquida, já bem estabelecido há alguns anos atrás, no brilhante trabalho do filósofo e sociólogo polonês Zygmunt Bauman.

Para Bauman, as mudanças que os avanços tecnológicos e sociais vão trazendo ao indivíduo tornam a fugacidade, a velocidade e a fluidez das situações algo cada vez mais comum, e inerente às sociedades organizadas. Os conceitos tradicionais vão se perdendo, ou ficando vazios de significado, diante da sua recorrente efemeridade em face das mudanças. Pertencimento, propriedade, princípios... tudo isso são sensos e ideias que sofrem uma descaracterização com essa modernidade que é tão fluída quanto a água, escorrendo pela vida das pessoas com relações sociais, econômicas e políticas que se tornam rápidas e frágeis, altamente maleáveis, e adaptadas a um dinamismo incessante. Não há mais preocupação com a tradição, ou a manutenção dos laços.

Não é importante ficar preso a um lugar, ou a alguém, desde que seja para ganhar melhor, ou ter mais prazer em outro relacionamento - para que sofrimento ou sacrifício, esses "palavrões" de hoje em dia? Não é preciso se prender a nenhum lar, cidade ou pátria. Família? Pra que isso? Temos pets, bebês reborn. Nem tampouco é preciso um político se manter filiado a um partido, ou a um posicionamento. Se for para auferir vantagens, por que não mudar? Neste "admirável novo mundo", tudo é substituível, tudo é fugaz.

Isso se reflete não só na falta de relevância que uma programação de TV pode ter para as pessoas, que preferem hoje muito mais fazer seus próprios horários e trocarem um programa ou evento por outro, mas na própria natureza que o uso dos canais de streaming tem: filmes e séries em constantes ciclos de reciclagem, entrando e saindo dos catálogos, sendo assistidos (ou até pausados, acelerados, deixados de lado) ao bel-prazer do espectador - que começa a nem se preocupar mais com a mensagem que determinada obra tem a passar - e uma infinidade de ofertas e de opções onde, em muitos casos, a quantidade supera a qualidade. 

Nesse panorama, obviamente, há um impacto diretamente sofrido na cultura pop de consumo. A contemplação, e o senso crítico e analítico que deveriam ser resultantes das obras artísticas concebidas com a função de fazer pensar o indivíduo comum, simplesmente desaparecem, para dar lugar a conteúdos voláteis e inexpressivos, descaracterizados e sem profundidade ou originalidade, erigidos com o único e promíscuo objetivo de atender a interesses de mercado. E produzidos aos montes, de acordo com essa lógica.

Tudo assim, muito rápido, muito moderno. Na velocidade dos gigabytes por segundo.

A falta de apego a uma apreciação mais cuidadosa e apurada do significado de uma obra, de sua importância enquanto reflexão de mundo, visão autoral ou experiência imersiva, não ocorre somente na área do audiovisual. 

O culto ao disco de vinil (LP) persiste, apesar de tudo

O fenômeno se faz presente também na música: que comparação incrível temos quando nos lembramos de que, há não muito tempo atrás, ainda nas décadas finais do século 20, por volta dos anos 1970, 1980 e 1990, a sensação provocada pela simples aquisição das mídias físicas do LP (disco de vinil), fitas K-7 ou CD, com suas capas elaboradas, informações detalhadas sobre os artistas, as faixas gravadas e suas concepções, era algo genuíno e de uma emoção formidável - coisa muito distante em relação ao processo quase frio e robótico, automático até, de programar playlists sem fim em serviços de streaming hoje em dia, nos Spotify e Deezer da vida, e ir consumindo músicas (ruins) sem nem prestar uma boa atenção, as degustando tanto quanto lanchar correndo um hot dog, ou engolir qualquer fast food durante o intervalo de meia horinha do almoço na firma.

A popular fita K7

Não por acaso mesmo, é que os saudosistas ainda revivem o mercado das mídias físicas de áudio, e por conta disso ainda não deixaram morrer o apreço por comprar discos (de vinil ou digitais), e fitas cassete, fazendo também de sua audição um ritual à moda antiga. Para essas pessoas, é o seu modo de oferecer resistência ao ruidoso "império dos streamings", e sua também propagadora modernidade líquida.

Voltando ao que se assiste nas telinhas e telonas: soa até cômico lembrar que algumas das grandes telenovelas brasileiras - uma autêntica febre nacional, que já embalou a atenção de tantas pessoas em eras passadas - hoje soam datadas, menosprezadas, e esquecidas, em detrimento de mini tramas simples e produzidas a toque de caixa, algumas com até menos de 50 capítulos, mas que, vindas de países asiáticos (predominantemente China e Coreia), passaram a hipnotizar e monopolizar a atenção de milhares de brasileiros: é o fenômeno atual dos chamados doramas (termo oriental utilizado para a expressão "dramas").







De cima para baixo, algumas telenovelas brasileiras históricas: 
Selva de Pedra (1972), Roque Santeiro (1985), e Pantanal (1990)

Gente noveleira de outros tempos se lembra bem de obras marcantes da teledramaturgia brasileira (especialmente da TV Globo), como Roque Santeiro, Selva de Pedra, Pantanal, Éramos Seis, dentre tantas outras, mas que hoje provavelmente perderiam feio para atrações como Adorável Corredora, Rainha das Lágrimas, Amor pelo Amor, ou o mais recente Pergunte às Estrelas, sucesso da Netflix - doramas que bateram recordes de exibição e acessos no Brasil, consumidos vorazmente feito pipoca, comentados e hypados por milhares de fãs nos streamings de vídeo. 

Histórias simples, rasas, com apelos fáceis e certeiros de humor e romantismo em seus roteiros, que exploram fórmulas de storytelling calcadas em enredos básicos e arquetípicos do drama e da comédia. Exemplos: moça sofredora que vence as dificuldades; rapaz pobre que fica rico no final; casais separados por classes sociais diferentes mas que lutam para ficar juntos; famílias em crise por conta de mentiras e heranças, mas com descendentes que se apaixonam e tentam resolver tudo; e etc, etc... 


Tramas seguindo sempre um formato padrão para serem consumidas de forma rápida, sendo que uma série vai terminando, e logo já vai começando outra - muitas vezes, até com os mesmos atores e equipe de produção, simplesmente como numa linha de montagem industrial. Tudo bem automatizado e mecânico mesmo. E plasticamente irrepreensível: os cuidados estéticos de produção e filmagem são incríveis, com atores e atrizes belíssimos, e notável apuro visual, gravação com câmeras de alta performance e fotografia de primeira!

Afinal, estamos no século 21, as telas de HD das TVs e smarts e monitores de alta resolução pedem isso - não dá pra ficar filmando com aquelas câmeras analógicas de video tape, cuja imagem das novelas antigas fica horrível, borrada e esticada depois no Globoplay (ou nas terríveis reexibições do antigo Chaves, de qualidade risível nas telas do SBT). O esmero técnico das séries orientais é feito para seduzir e atrair cada vez mais seguidores - e superar os espetáculos ocidentais do passado, na preferência popular. 

Conforme dito anteriormente, o consumo é rápido, como pipoca. Pra ajudar a descer, vai então um refri, ou uma aguinha. Da modernidade.

Cena do dorama 'Rainha das Lágrimas' (2024)


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O MARAVILHOSO MUNDO (DE REFERÊNCIAS) DE TARANTINO

Ainda inspirando mistério e cogitações em torno de qual será a sua próxima - e anunciada como última - produção cinematográfica, um dos mais...