sábado, 16 de março de 2024

O OCASO DE UMA (SUPER) ERA

 

O mundo ainda respira os ares do Oscar vencedor de Oppenheimer, de Christopher Nolan, neste março de 2024, enquanto surgem as últimas discussões acerca do desastre total, completo e irrestrito que foi aquele filme da Madame Teia (2024), nossa senhora, o que é aquilo.

Quando a própria atriz principal da empreitada (Dakota Johnson, a protagonista), que é quem deveria estar desfrutando os louros do êxito, e com orgulho do que fez, se põe a ela mesma detratar o filme, e falar mal do que o estúdio e produção fizeram, alterando o script original e transformando tudo numa salada de equívocos, é porque parece que realmente chegamos no fundo do poço desse enorme hype que surgiu chamado "filmes de super herói".

A Madame Teia que se enrolou na própria teia

Veja bem, o projeto é da Sony, e não da Marvel, que é o estúdio símbolo de toda essa geração de seres fantásticos que tomaram as telonas - apesar de usar personagens da Marvel, por ser detentora dos direitos de filmagem. Mas mesmo assim, e todo mundo comenta, nos filmes da Marvel (e da sua arquirrival DC), a estafa geral já é sentida há um bom tempo.

Não é mistério para ninguém que, desde que a era clássica dos Vingadores no cinema acabou, com o desfecho mortal do embate entre Thanos e Homem de Ferro, no já mítico Vingadores: Ultimato (2019), a Marvel Studios tentou, tentou, mas não conseguiu até hoje repetir o sucesso dos grandes momentos de então.

Vingadores: Ultimato

Filmes posteriores como Homem-Aranha: Sem Volta para Casa (2021), ou até mesmo o último Guardiões da Galáxia vol. 3 (2023) foram estratégias certeiras, sucessos respeitáveis de bilheteria, mas que representaram também lampejos finais da criatividade de uma fórmula cujo desgaste seria inevitável - mas cuja eficiência poderia ter sido prolongada por mais algum tempo.

O grande problema é que a Marvel quis fazer no cinema algo que já foi feito inúmeras vezes nas HQs, que é aposentar ou descansar alguns heróis, tirar o foco de uns e jogar sobre outros, trocar alguns de lugar e de evidência. Ou seja, reciclar seu universo e mudar um pouco o cardápio. Mas se esqueceram de uma premissa básica: o mundo do cinema não é o mesmo dos quadrinhos. Os públicos são diferentes, e se comportam de maneira diferente. Uns compram a aposta e topam bem essa parada, são mais abertos a variações, outros não. E custear e produzir uma série de gibis (como diziam na minha época) ou de graphic novels, seja lá o que for, nunca será o mesmo que produzir um filme para cinema ou um seriado de streaming, que envolvem elementos, equipes, gastos e detalhes muitíssimo diferentes, e que podem comprometer seriamente todo o resultado final!

Equipe original dos Vingadores nos quadrinhos da Marvel: Thor, Homem de Ferro, Capitão América, Homem formiga e Vespa, e o Incrível Hulk

Infelizmente, há uma triste realidade por trás do fato de que a Marvel acabou por começar a levantar a sua própria lápide no mundo do cinema, abandonando heróis lendários e já familiarizados há anos pelo grande público - e que não é só o público básico de quadrinhos - como o Capitão América, Homem de Ferro, Thor e Hulk (esses últimos rebaixados à condição ridícula de personagens de comédia).

Jogar holofotes sobre um segundo escalão, composto por figuras como Os Eternos, Homem Formiga, Dr. Estranho, Capitã Marvel, e no streaming, Cavaleiro da Lua, Mulher Hulk, e a mais recente Echo, provou ser uma manobra arriscada e muito temerária da Marvel para manter o interesse das plateias. E agravada por alguns pontos cruciais:

1) A perda natural de alguns intérpretes nos quais o estúdio estava apostando todas as suas fichas para alavancar as sagas - Jonathan Majors, que seria o próximo grande vilão Kang, o Conquistador, processado e condenado por agressão; Brie Larson, já praticamente destituída de seu papel como Capitã Marvel pela falta de carisma como a personagem e de empatia com os fãs, além de declarações tortuosas e polêmicas em entrevistas e nas redes sociais, que revelam que a moça não nasceu mesmo para ser uma heroína; e o caso mais triste, Chadwick Boseman, o Pantera Negra, que perdeu uma luta para o câncer em 2020, forçando a Marvel a fazer malabarismos de roteiro e elenco para a continuação do filme em 2022. Mas aí vem mais um probleminha exposto aqui no tópico seguinte...

2) Justamente em Pantera Negra 2 - Wakanda Forever, a gente se depara com uma das armas mais letais que a própria Marvel acaba usando contra os seus heróis: a mudança de enfoque nas tramas e na própria natureza das personagens, para agradar ou atender a tendências sociais atuais, movimentos e "minorias", e assim tentar alavancar mais público. Só que acaba acontecendo o contrário. Eu, assim como tantas outras pessoas fãs dos quadrinhos que eu conheço, não considero aquele soberano dos mares que está lá, no filme, interpretado por um tal de Tenoch Huerta, como o verdadeiro Namor, o Príncipe Submarino. Não mesmo, não adianta. É um outro ser. Para atender a uma parcela do público e da crítica que elogiaram o primeiro Pantera Negra, por sua celebração à diversidade das etnias e suas culturas, a Marvel simplesmente me transforma um dos seus mais icônicos personagens num mutante 'cucaracho', com ramificações anfíbias nas antigas civilizações maias e astecas que afundaram na água, substituindo a Atlântida por um outro reino e transformando tudo numa "fiesta do chicano doido" que descaracterizou totalmente o contexto original do Namor - cuja história era muito mais ligada, na verdade, à do Capitão América, na Segunda Guerra Mundial. Eu não me importo se não queriam que o espectadores confundissem a Atlântida do Namor com a do seu colega análogo da DC, o Aquaman! Nos quadrinhos, ambos sempre vieram desses reinados, e tudo bem, nada a ver um com o outro, e cada um na sua. E o Namor original tinha muito mais apelo, carisma e motivação do que aquele cara insosso que colocaram lá.

Namor, o Príncipe Submarino: como é que este cara...

... pôde se tornar este?

3) Certas liberdades poéticas da Marvel em suas adaptações para as telas são simplesmente um desastre. Um exemplo gritante: a She Hulk, ou Mulher Hulk. Uma série de streaming que, também na busca por pegar carona na tendência do "empoderamento" feminino, foi feita na pressa e no desleixo (inclusive dos efeitos especiais, sobre os quais falaremos agora mesmo), com um roteiro pífio que transformou a história da personagem em uma espécie de comédia bufona, com exageros de metalinguagem e quebras de conceito irritantes em relação ao que liamos nos quadrinhos. O filho do Hulk que aparece no último episódio, por exemplo (o Skaar), é uma das visões mais patéticas e deploráveis de personagem adaptado que eu vou guardar na memória, por muitos anos.

Skaar, o filho do Hulk: à esquerda, nas HQs. À direita, na série She Hulk

4) Vovó já dizia: a pressa é inimiga da perfeição. E a Marvel desrespeitou essa regra abundantemente. Num dos maiores exemplos de correria para faturar com filmes e séries - bem, talvez isso seja mais culpa da Disney, que se apropriou da coisa toda - a empresa foi acusada de pressionar e estressar seus técnicos de efeitos especiais com prazos descabidos e absurdos, para entregar suas séries e filmes. A já citada série da Mulher Hulk tem alguns dos piores CGI já vistos em muito tempo, com um episódio em que a perna da personagem "estica" de forma grotesca. O "terceiro olho" do Dr. Estranho, no filme Multiverso da Loucura (2022), que parece recortado de uma imagem no Paint e jogado na testa dele de qualquer jeito, causou risadas em muita gente. E a coisa chegou a um extremo tão impressionante, que o filme Homem-Aranha: Sem Volta para Casa (2021) saiu em uma versão inicial, para atender à data anunciada de lançamento do filme, e depois de dois meses foi relançado com uma outra cópia, contendo alguns dos efeitos especiais nas cenas corrigidos, após críticas dos fãs. Toda essa celeuma engrossou também, pouco tempo depois, a famigerada greve dos roteiristas de Hollywood, que foi a mais longa já ocorrida até hoje, e que teve a adesão de vários desses técnicos de estúdio revoltados com as exigências da Disney/Marvel, causando um impacto negativo jamais antes sentido na indústria cinematográfica norte-americana.

Inegavelmente, sabemos que tem muita coisa que foi feita no anseio de realmente continuar com obras que agradassem, e que continuassem atraindo os fãs. Bons resultados também ocorreram: os já citados Guardiões da Galáxia, e séries como WandaVision e o último Loki (apesar de umas forçadas de barra na mudança de natureza do personagem). Apesar dos desacertos, a Marvel está prometendo para, em breve, um grande retorno à sua fase áurea, com o ingresso dos X-Men em seu universo (através do novo filme do Deadpool), do Quarteto Fantástico, e da nova epopeia dos Vingadores, em nova formação. Vamos ver, né?

Ilustração do novo filme do Quarteto Fantástico, divulgada pela Marvel neste mês

E sobre a DC, não vamos falar nada? Bem, o que falar de um universo cinematográfico integrado que já nasceu errado? Descontando as icônicas produções lá atrás que, essas sim, revolucionaram ou praticamente criaram o jeito de se fazer filmes de super herói moderno - o Superman clássico, da série com Christopher Reeve, ou as versões do Batman de Tim Burton, e depois Chris Nolan - o chamado DCU foi uma catástrofe desde que ocorreram alguns equívocos de rota por parte de um approach mais sombrio de Zack Snyder, em relação ao Super-Homem e à Liga da Justiça, ou quando na tentativa de reverterem a tendência e tornarem tudo mais leve e colorido, ao estilo das séries produzidas para o Canal Warner (CW), aprontaram patetadas com os últimos filmes do Shazam, Mulher Maravilha, e Flash. O que vimos foi, simplesmente, a queda em parafuso de um universo de heróis que nas HQs era fantástico, mas nos cinemas, se tornou irreconhecível.

Liga da Justiça (2018), de Zack Snyder

Agora, estamos às voltas com James Gunn, o ex bam-bam-bam que fazia os Guardiões da Galáxia da Marvel, e depois se bandeou para o lado da DC, vindo a se tornar o seu novo chefe. Ele, agora, produz a nova versão de Superman, com David Corenswet como o paladino azul da capa vermelha, com previsão de lançamento para o ano que vem, e promete um retorno do herói ao seu conceito original, como símbolo da justiça, da esperança, e até mesmo do bom humor. É isso aí, Gunn.

Que volte, afinal, a ser super novamente.



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