quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

KURT COBAIN E A DESPEDIDA EM NEW YORK - 30 ANOS

 

Já se vão 30 anos, mas é tão estranho. Ainda consigo me lembrar perfeitamente do âncora Eliakim Araújo, numa chamada noturna do Jornal do SBT, dando a notícia da morte, do suicídio naquele 8 de abril de 1994... Essas imagens chocam, e marcam. Nunca saem da cabeça da gente. Mas ali mesmo, na reportagem daquele noticiário, logo adiante, já se referiam ao fato como tragédia anunciada.

Meses antes, durante uma turnê do Nirvana pela Europa, em Roma, na Itália, Kurt Cobain já havia sido hospitalizado devido a uma overdose de remédios para dormir. Os sinais que se avolumavam de uma dor interior, de uma alma torturada que não tinha o estofo emocional para lidar com o peso da existência - e da fama esmagadora, repentina - e que clamava para que tudo chegasse a um fim. De qualquer forma que fosse.

Kurt Cobain: o atormentado vocalista, guitarrista e líder do Nirvana

Para os garotos da minha geração, ele era um símbolo do "faça por si mesmo" que tinha dado realmente certo. A atitude punk e despojada dele, e de toda aquela geração grunge, faziam bater no peito uma gana e um ânimo, de que lutar tinha um real propósito e garantia uma autonomia e independência feroz - ir contra o grande esquema das mídias, das gravadoras, acreditar no seu próprio som, próprio sonho. Nesse sentido, aquele loiro baixinho, magricela e ensimesmado virava um gigante frente a Axl Rose, James Hetfield e outros pedreiras da época. Sim, para muitos, ele foi o verdadeiro e maior símbolo daqueles loucos anos 90. 

Ainda que o famigerado show no Brasil em 1993, através do festival Hollywood Rock, tivesse dado algumas mostras ferrenhas da instabilidade psicológica de Kurt, visivelmente chapado, com suas erráticas e bizarras (mas divertidamente históricas) performances de "Scentless Aprenctice" (cuspindo e mostrando o 'bila' nas câmeras da TV Globo, que transmitia o evento) e do hino "Smells Like Teen Spirit", para nós, jovencitos da época, tudo soava como aquele brado anárquico de crítica às instituições e ao próprio establishment, que promovia uma empresa milionária de cigarros para se manter descolada e hypada, assim como faziam nos anos 70 e 80 com seus comerciais que tocavam rock. Era, simplesmente, o Nirvana sendo ainda mais Nirvana, e debochando dos gigantes da mídia e da indústria - por pior que tivessem propositalmente ido tocar.



Em 1993: shows caóticos no Brasil

De repente, no entanto, tudo ruiu ante o tiro de uma espingarda Remington, dentro de uma mansão em Seattle, e a descoberta do corpo de Kurt estendido no chão, onde ficara por três dias. Ali, morria o homem e nascia o mito, mas um mito às avessas, que mostrava que o rock não era lá essa explosão de energia criativa e redentora tão indomável, que ele podia sim ser tragado, prostituído e massacrado pelas forças vis do sistema, e que restava à nossa geração, daquele momento em diante, não cair nas mesmas armadilhas do desespero e da exaustão.

Complicado resumir assim, num texto, sobre todos esses meandros que levam a um ato fatal e extremo como o suicídio. Assim como vimos Kurt se deixar levar, vimos agora, questão de poucos dias atrás neste momento em que digito, uma garota ainda mais nova que ele sucumbir também, por coisa muito mais ridícula do que toda aquela carga existencial de abusos familiares e exageros que ele vivia - por causa de reles fofocas e insultos em redes sociais, e isso nos deixa ainda mais perplexos sobre como todo esse processo autodestrutivo tem se manifestado de forma cada vez mais grave, a cada nova geração.

Cuspe na câmera da Globo

Por isso, nunca é demais falar sobre isso, e relembrar isso, e tocar o dedo bem fundo na ferida sobre isso - o ato de se matar. A vida não é um mar de rosas, nada é perfeito. E quanto mais tivermos essa consciência, mais devemos a trabalhar e passar adiante para as novas gerações, de que há muito mais barreiras, dificuldades e maldades nessa vida do que se imagina, e que tudo isso é natural e serve para ser superado.

Mas isso mancha o legado de Kurt, como músico? Penso que não, assim como de outros que tiveram mortes trágicas - e nesse sentido, Ian Curtis (do Joy Division), é um caso que se assemelha bastante ao dele. Ao sabermos separar o artista do homem, temos ali uma alma inventiva que ainda pode nos trazer grande energia e inspiração, de forma invulgar. Passadas essas três décadas de sua partida, que se completam agora em 2024, uma boa forma de reavivar e sentir a vibração do que realmente importa é ouvindo novamente aquele que foi considerado o registro final do Nirvana, apesar de não ter sido o seu último show - mas que funcionou como um 'canto de cisne' emocionante, lançado poucos meses depois de sua morte, dentro do projeto de shows acústicos da MTV, formato famoso na época: o Unplugged in New York. Ocorreu cinco meses antes do suicídio de Kurt, mas foi lançado só em novembro de 1994.


Em 14 músicas, escolhidas bem fora de todas as obviedades que um grupo de sucesso poderia ter (apenas 2 faixas, "Come As You Are" e "On a Plain", do megaplatinado disco Nevermind, poderiam ser consideradas como hits no repertório), Kurt e sua banda se reinventavam, fora de todo o peso e distorção suja, e indicavam novos rumos que poderiam tomar, caso ele não tivesse morrido. Covers de David Bowie e da lenda folk Leadbelly ("The Man Who Sold the World" e "Where Did You Sleep Last Night"), do pop country dos irmãos Meat Puppets ("Plateau", "Lake of Fire", "Oh Me"), bem como redenções intensas de composições próprias e mais intimistas ("Pennyroyal Tea", "About a Girl" e "Something in the Way"). Tudo isso num palco de cenário fúnebre, repleto de velas e flores, exigência do próprio Kurt Cobain. 

Recado dele do que estava por vir? Nunca saberemos. Mas funcionou como a despedida ideal e reflexiva da mais icônica banda de rock daqueles tempos.




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